INOVAÇÃO

Após sucesso em teste com humanos, vacina contra Aids está mais próxima

O estudo, embora feito com um pequeno número de voluntários, mostra a viabilidade de uma técnica já considerada promissora

No dia mundial de combate à Aids, um artigo publicado na revista Science abre caminho para a pesquisa e produção de uma vacina eficaz contra uma doença que, desde sua descoberta, em 1981, já matou mais de 40,1 milhões de pessoas mundo afora. Pela primeira vez, cientistas conseguiram testar em humanos, com sucesso, uma abordagem considerada promissora mas que, até hoje, não havia se mostrado viável. O estudo foi pequeno e ainda está na fase 1 mas, mesmo reconhecendo que há muitos passos pela frente, os pesquisadores estão otimistas de que encontraram a direção correta.

O vírus da Aids é extremamente mutável, uma das razões pelas quais em mais de quatro décadas de pesquisas, todas as tentativas de desenvolver uma vacina anti-HIV falharam. Um imunizante para o micro-organismo precisa estimular a produção dos chamados anticorpos amplamente neutralizantes (bnAbs), capazes de reconhecer as diversas cepas e prevenir a proliferação viral. Um dos principais desafios é que, mesmo quando a pessoa já foi infectada, os bnAbs raramente se desenvolvem. Para driblar o problema, pesquisadores de várias partes do mundo apostam em uma abordagem chamada de segmentação da linhagem germinativa.

Evolução forçada

Como é difícil obter os bnAbs, a estratégia consiste em estimular as células B — fábricas de anticorpos — a produzir uma linhagem celular do sistema imunológico, chamada germinativa, com potencial de gerar esses mecanismos de defesa. Isso acontece por meio de um processo conhecido como evolução forçada ou maturação gradual, ativada por um esquema de vacinações múltiplas. Além do HIV, cientistas apostam na técnica para combater vários outros patógenos difíceis de vencer.

Agora, pela primeira vez, uma equipe conseguiu mostrar a viabilidade — ou prova de conceito — da segmentação da linhagem germinativa em humanos. O grande grupo de pesquisadores, liderados por David J. Leggat , dos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos, testou a técnica em um ensaio clínico com 48 voluntários saudáveis, divididos em dois grupos de dosagens, de 20mg e 100mg. No total, 36 pessoas receberam o tratamento de fato, e os demais, placebo.

Após um regime de três imunizações, tanto os pacientes que receberam as maiores doses quanto os das mais baixas produziram os precursores dos anticorpos: a resposta foi de 97%. Além disso, a substância foi bem tolerada, um passo crítico para que o ensaio avance para a fase 2.

Isca

Segundo Leonidas Stamatatos, pesquisador do Centro de Câncer Fred Hutch, um dos centros de saúde norte-americanos que participam dos testes da vacina, a substância tem como alvo uma classe de bnAbs chamada VRC01, que, embora com características semelhantes, não são idênticos, formando uma isca ideal para matar o HIV. "Dentro dessa classe, pode haver centenas de versões ligeiramente diferentes dos anticorpos, tornando ainda mais difícil para o vírus evitá-los, por meio de mutações."

Os anticorpos VRC01 foram identificados pela primeira vez em 2010, em amostras de sangue de pessoas que vivem com HIV há vários anos. Nesses pacientes, as poderosas proteínas se desenvolveram naturalmente, mas, aparentemente, tarde demais para ajudar seus sistemas imunológicos a superar a infecção. "No entanto, testes de laboratório sugerem que esses anticorpos amplamente neutralizantes têm o potencial de prevenir novas infecções. Portanto, a chave é persuadir o sistema imunológico a produzi-los, após a vacinação, na ausência de uma infecção", complementa Stamatatos.

"Aprender como induzir anticorpos amplamente neutralizantes contra patógenos com alta diversidade antigênica, como HIV, influenza, vírus da hepatite C ou a família dos coronavírus, representa um grande desafio para o design racional de vacinas", escreveram os pesquisadores, no estudo. "O design da vacina direcionada à linhagem germinativa oferece uma estratégia potencial para enfrentar esse desafio", acrescentaram.

Em um artigo também publicado na Science, que avaliou os resultados do estudo, Penny Moore, da Universidade de Witwatersrand e do Instituto Nacional de Doenças Transmissíveis da África do Sul, destacou que uma questão importante que ainda precisa ser testada é quanto tempo os anticorpos induzidos pela imunização podem durar. Além disso, se a dose de reforço for muito diferente da vacina anterior, "os anticorpos que foram desencadeados pela primeira vacinação podem não reconhecer o reforço e não amadurecerão mais", escreveu Moore. "Conseguir o equilíbrio certo entre a necessidade de maturação de anticorpos para bnAbs e a viabilidade no mundo real será essencial".

Para Clive Aspin, professor da Universidade de Wellington, na Austrália, que não participou do estudo, é importante que, quando pronta, a vacina seja acessível. "Esta é uma notícia empolgante, especialmente para as pessoas que sofreram o impacto da pandemia do HIV — indígenas, mulheres, pessoas em países com poucos recursos. Agora é a hora de esses pesquisadores planejarem como essa vacina chegará a essas pessoas e contribuirá para uma redução nas disparidades de HIV que vemos em todo o mundo."

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