Reunidos no Canadá, representantes de 196 países aprovaram, ontem, um importante pacto pela biodiversidade. Depois de quase duas semanas de negociações intensas, os membros do Convênio sobre a Diversidade Biológica chegaram ao texto final do Acordo de Kunming-Montreal com uma meta principal ambiciosa: proteger, até 2030, 30% das terras e 30% dos oceanos. Presidente da COP15, o ministro chinês do Meio Ambiente, Huang Runqiu — o evento ocorreu em Montreal devido aos bloqueios anticovid no país asiático —, classificou o acordo como um "passo histórico".
O texto conta, ao todo, com 23 objetivos a serem alcançados em oito anos (Veja quadro). O principal deles, a meta 30 por 30, foi descrito como o equivalente à meta de limitar o aquecimento global a 1,5°C, incluída no Acordo do Clima de Paris de 2015. Atualmente, apenas 17% das terras e 8% dos mares estão sob proteção. "Por fim, começamos a fechar um pacto de paz com a natureza", afirmou António Guterres, secretário-geral da ONU. "Esse acordo fornece uma boa base para uma ação global sobre a biodiversidade, complementando o Acordo de Paris sobre mudança climática", disse a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.
Um dos pontos com mais dificuldade de consenso foi o financiamento para o cumprimento dos objetivos firmados. Representantes chineses tentaram ao máximo convencer os países hesitantes a aceitarem a oferta financeira apresentada na versão preliminar, divulgada no domingo. Países africanos eram os mais resistentes, e o texto final teve oposição apenas da República Democrática do Congo.
Com o Brasil à frente, dezenas de países do Hemisfério Sul reforçaram o pedido aos países do Norte para que assumissem o compromisso de US$ 100 bilhões por ano para a conservação, o que representa 10 vezes a ajuda atual para a biodiversidade. O argumento usado foi de que os países do Norte "enriqueceram à custa de seus recursos".
Além desses subsídios, as nações em desenvolvimento tentaram obter a criação de um fundo global dedicado à biodiversidade — como o aprovado, em novembro, no Egito, durante a COP27, a conferência climática. A proposta não saiu do papel, mas a China estabeleceu o compromisso de, a partir do ano que vem, dedicar à biodiversidade parte do atual Fundo para o Meio Ambiente Mundial (FMAM), cujo funcionamento é considerado muito deficiente pelos países mais vulneráveis.
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Lee White, ministro do Meio Ambiente do Gabão, avaliou que, de uma forma geral, o resultado do trabalho foi positivo. "A maioria das pessoas afirma que é melhor do que esperávamos nos dois lados, tanto para os países ricos como para os países em desenvolvimento. Esse é o sinal de um bom texto", justificou. "A decisão de Montreal abre um escudo para a proteção dos nossos recursos vitais. A comunidade internacional decidiu, finalmente, pôr um fim à extinção de espécies", celebrou Steffi Lemke, ministro do Meio Ambiente da Alemanha.
Apesar da esperança em dias melhores, cientistas alertam sobre o curto espaço de tempo para que os países cumpram os objetivos firmados. "O texto é um passo adiante importante na luta para proteger a vida na Terra, mas não será suficiente. Os governos deveriam ouvir o que a ciência diz e aumentar rapidamente suas ambições para proteger metade da Terra até 2030", afirmou, à agência France-Presse de notícias (AFP), Bert Wander, da ONG Avaaz.
CEO da WWF Internacional, Marco Lambertini admite que, com o acordo, a biodiversidade passou a ocupar um lugar inédito entre os tomadores de decisão. Segundo ele, ela está "no topo da agenda política e econômica", o que não é garantia de tranquilidade. "O acordo pode se ver ameaçado por uma lenta implementação e por um fracasso em mobilizar os recursos prometidos", alertou.
A conferência que encerrou ontem no Canadá se deu em um cenário em que 75% dos ecossistemas foram alterados pela atividade humana e mais de um milhão de espécies estão em perigo de extinção devido à ação do homem.
Para Brian O'Donnell, da ONG Campaign for Nature, a expectativa é de que, com o acordo, essa realidade comece a mudar. "Os alces, as tartarugas marinhas, os papagaios, os rinocerontes, as samambaias raras estão entre as milhões de espécies cujas perspectivas devem melhorar significativamente graças ao acordo", enfatizou.
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Principais objetivos
30% do planeta protegido
Pelo menos 30% das áreas terrestres e das águas continentais, costeiras e marinhas devem ser efetivamente conservadas e administradas "por meio de sistemas de áreas protegidas ecologicamente representativas, bem conectadas e geridas de forma igualitária" e "garantindo que qualquer uso sustentável (...) seja totalmente compatível com os objetivos de conservação".
Ajuda internacional triplicada
Ficou acordado que países ricos forneçam pelo menos US$ 20 bilhões anuais até 2025 e pelo menos US$ 30 bilhões anuais até 2030 — aproximadamente o dobro e o triplo da atual ajuda internacional para a biodiversidade. O compromisso recai sobre "países desenvolvidos e sobre países que voluntariamente assumem obrigações dos países desenvolvidos" membros da convenção.
Restaurar 30% da terra degradada
Pelo menos 30% das áreas degradadas dos ecossistemas terrestres, de águas continentais, costeiros e marinhos serão objeto de restauração efetiva.
Reduzir pesticidas
Os países acordaram em reduzir os riscos de poluição e o impacto negativo da poluição de todas as fontes a níveis que não prejudiquem a biodiversidade. Para isso, devem "reduzir em pelo menos metade o risco geral de produtos químicos e pesticidas altamente perigosos", especialmente para o combate a parasitas.
Marco de implementação
Os países decidiram adotar um mecanismo comum de planejamento e monitoramento com indicadores precisos. Além disso, pode ocorrer uma revisão das estratégias nacionais caso não estejam no caminho certo.
Partilha de benefícios
Um dos pontos cruciais tratado pelos países do Sul foi a não repartição dos lucros obtidos pelo Norte com medicamentos ou produtos cosméticos derivados de seus recursos biológicos. Assim, o texto prevê o estabelecimento de "um mecanismo global de compartilhamento dos benefícios do uso da informação sequencial digital de recursos genéticos, incluindo um fundo multilateral".
Em débito com o plano antigo
As Metas de Aichi foram definidas na COP realizada no Japão e compõem a base do Plano Estratégico 2011-2020 da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB). Elas foram reunidas em cinco objetivos estratégicos — como reduzir as pressões diretas sobre biodiversidade e promover utilização sustentável; e proteger ecossistemas, espécies e diversidade genética.
Porém, em 2020, durante o Panorama da Biodiversidade Global (GBO-5, na sigla em inglês), chegou-se à conclusão de que os países que faziam parte do acordo não conseguiram alcançar totalmente nenhuma das 20 Metas de Aichi. Para especialistas, o fato acende um alerta de que os objetivos fechados, ontem, na COP15 parecem ser práticos, mas podem não ser cumpridos com facilidade.
"O pacote atual não é perfeito, mas isso não é o fim. Até a próxima COP da CDB, em 2024, os governos têm muito dever de casa para transformar essas metas acordadas em ações. E não tenha dúvidas de que o crescente movimento pela proteção da natureza, as instituições de caridade, as ONGs e os povos indígenas manterão os governos nessas promessas", afirmou a conselheira de política global do Greenpeace da China, Li Shuo.
Estrategista de campanhas sênior do Greenpeace Brasil, Paulo Adário avalia que a COP15 poderia ter sido "mais ambiciosa" nas estratégias para impedir a extinção em massa das espécies. "A meta foi aprovada depois de muita resistência. Mas é simplista, sem qualificadores essenciais que excluam atividades prejudiciais de áreas protegidas. Resta ver se vai ser implementada", criticou.