BIODIVERSIDADE

Financiamento é ponto crítico para acordo global de preservação de ecossistemas

Conferência das Nações Unidas no Canadá tentará fechar o texto sobre ações de recuperação e preservação de ecossistemas globais. Assim como ocorreu recentemente durante a cúpula das mudanças climáticas, financiamento é um ponto crítico

Paloma Oliveto
postado em 04/12/2022 06:00
Vista aérea da Floresta Amazônica, no Acre: mudanças no uso da terra estão entre os grandes fatores da perda acelerada de espécies -  (crédito:  LULA SAMPAIO)
Vista aérea da Floresta Amazônica, no Acre: mudanças no uso da terra estão entre os grandes fatores da perda acelerada de espécies - (crédito: LULA SAMPAIO)

Passada a conferência climática, os olhos da Organização das Nações Unidas (ONU) se voltam à biodiversidade na 15ª edição de um encontro global que tem a difícil missão de restaurar e proteger os ecossistemas, incluindo os oceanos.

Presidida pela China e sediada em Montreal, no Canadá, entre 7 e 19 de dezembro, a COP15 é considerada a mais importante desde sua criação, em 1992, porque vai definir a nova agenda ambiental em um momento crítico, no qual 1 milhão de espécies animais e vegetais correm o risco de extinção, uma perda mil vezes mais rápida do que a taxa natural, segundo a Plataforma Intergovernamental de Políticas-Científicas sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES).

Desde a extinção dos dinossauros, há 65 milhões de anos, não se perdiam tantas espécies, diz a ONU. Entre as principais causas da devastação da biodiversidade estão as mudanças no uso da terra e dos oceanos, especialmente devido à expansão agropecuária. A superexploração de recursos naturais e de animais selvagens, seja para consumo ou comércio, a introdução deliberada ou acidental de espécies invasoras e as mudanças climáticas também colocam em risco os ecossistemas.

Assim como a conferência climática, a COP15 vai tocar em um ponto sensível, que costuma ser alvo de discordâncias: o financiamento de ações de recuperação da biodiversidade. De acordo com o Programa das Nações Unidas sobre Meio Ambiente (Pnuma), há um deficit global estimado em US$ 700 bilhões por ano, que deve ser preenchido por governos, setor privado e filantropos. Pelos cálculos do organismo da ONU, os investimentos precisam, ao menos, triplicar até 2030 e aumentar quatro vezes mais em 2050.

Sem líderes

Somente para adaptar a agricultura, responsável por 80% do desmatamento global, são necessários US$ 350 bilhões anuais, diz um relatório do Pnud. O Brasil e outros 22 países defendem a criação de um fundo de US$ 100 bilhões por ano, voltado às nações em desenvolvimento, demanda que a ONU também apresenta. O financiamento pode atrapalhar as negociações, especialmente porque os líderes mundiais não demonstraram grande interesse pela COP15: até agora, apenas o primeiro-ministro do país anfitrião, o canadense Justin Trudeau, confirmou a presença. Como comparação, a COP27, do clima, atraiu mais de 100 governantes.

Os delegados dos 196 países que compõem a convenção vão discutir o novo Quadro Global de Biodiversidade, que vai orientar as ações mundiais para os próximos anos. O rascunho mais recente do texto, elaborado em julho, incluiu 22 metas a serem alcançadas até 2030 e quatro de longo prazo, para 2050. Essas últimas se concentram, respectivamente, na conservação, uso sustentável da biodiversidade, repartição justa de benefícios e meios adequados de implementação — ou seja, dinheiro e capacitação técnica.

Porém, com dois anos de atraso (a pandemia atrapalhou o calendário da cúpula), o Quadro de Biodiversidade Global ainda está longe de ser concluído. Os negociadores finalizaram apenas duas das 22 metas preliminares até agora. Uma grande parte do texto está entre colchetes, o que significa que as partes não concordaram com a redação ou mesmo sobre a inclusão do assunto.

A quarta reunião do grupo de trabalho em Nairóbi, em junho de 2022, deveria ser a última. O progresso, porém, foi tão pequeno, que um encontro extra vai de hoje a segunda-feira em Montreal, pouco antes da COP15.

"Ações políticas urgentes globalmente, regionalmente e nacionalmente são necessárias para transformar os modelos econômicos, sociais e financeiros, permitindo a estabilização da perda exacerbada da biodiversidade até 2030 e a recuperação dos ecossistemas naturais nos 20 anos seguintes, com melhorias líquidas até 2050", disse, em uma coletiva de imprensa, a secretária-executiva da convenção, Elizabeth Maruma Mrema. "O quadro visa galvanizar ações urgentes e transformadoras dos governos e de todos na sociedade, incluindo povos indígenas e comunidades locais, sociedade civil, jovens, empresas e instituições financeiras."

Nos moldes do Acordo de Paris

Para a economista e diplomata francesa Laurence Tubiana, que arquitetou o Acordo de Paris, a COP15 precisa chegar a um documento tão forte quanto o de combate às mudanças climáticas, elaborado em 2015. "Precisamos de uma meta global para deter e reverter a perda de biodiversidade até 2030. Isso direcionará metas, leis, políticas e financiamento em todos os níveis e regiões, assim como o Acordo de Paris começou a fazer para a ação climática. Precisamos do mesmo ímpeto para proteger toda a vida na Terra", argumenta.

É o que pedem organizações não-governamentais que estarão em Montreal como observadores da COP15. "A crise ambiental global requer uma nova política baseada no realismo ecológico: ou seja, o reconhecimento de que todo o empreendimento humano depende de uma biosfera saudável e estável", diz Stewart Patrick, diretor do Programa de Ordem e Instituições Globais da rede global Carnegie Endowment for International Peace.

"Os compromissos multilaterais existentes, inclusive sobre a mudança climática, falham em abordar a outra metade da crise ecológica do planeta: o colapso da biodiversidade, que os líderes do G7 (Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido) chamam, com razão, de 'ameaça existencial igualmente importante'", completa Patrick.

Um estudo do Fundo Mundial para a Natureza (WWF) mostrou que a opinião pública está alinhada com as demandas de ONGs e especialistas em biodiversidade. A pesquisa, que ouviu mais de 9,2 mil pessoas no Brasil, Colômbia, Índia, Indonésia, Quênia, México, Peru, Vietnã e África do Sul, constatou que 56% dos entrevistados acreditam que as ações governamentais para proteger a biodiversidade são insuficientes.

O levantamento também mostra que 60% das pessoas estão preocupadas com a rápida perda da biodiversidade. "Falhar na COP15 não é uma opção. Isso nos colocaria em maior risco de pandemias, agravaria as mudanças climáticas, tornando impossível limitar o aquecimento global em 1,5°C e prejudicaria o crescimento econômico — deixando as pessoas mais pobres mais vulneráveis à insegurança alimentar e hídrica", destaca Marco Lambertini, diretor geral do WWF Internacional, que acrescenta: "Para enfrentar a crise, os governos devem concordar com uma meta positiva, que una o mundo para proteger mais a natureza que resta no planeta, restaurando o máximo possível e transformando nossos setores produtivos para trabalhar com a natureza, não contra ela". 

Metas urgentes

O que é

Criada em 1992, no Rio de Janeiro, a Conferência das Partes (COP) da Convenção da ONU sobre Diversidade Biológica (CDB) envolve 196 países. Em 2020, 90 nações assinaram um compromisso para que a COP15 termine com um “conjunto de objetivos e metas claros e robustos, sustentados pela melhor ciência e tecnologia disponíveis”. Brasil, China, Índia, Rússia e Estados Unidos foram as ausências mais impactantes no documento.

Principais objetivos

-- Garantir a implementação de um novo plano global para a recuperação da biodiversidade (veja metas abaixo);
-- Vincular as agendas da biodiversidade e do clima;
-- Combinar compromissos com ações e recursos para implementar as metas da Convenção sobre Biodiversidade;
-- Envolver os setores público, privado e filantrópico para fechar até 2030 a lacuna financeira da biodiversidade, estimada em cerca de US$ 700 bilhões por ano, alinhar trilhões de dólares em gastos globais com metas para a biodiversidade e garantir que a biodiversidade seja considerada nas decisões econômicas;
-- Reformular, redirecionar ou acabar com os subsídios governamentais que prejudicam a biodiversidade.

O que diz o rascunho do novo quadro global

-- Pelo menos 30% das áreas terrestres e marítimas globais conservadas por meio de sistemas eficazes, geridos de forma equitativa, ecologicamente representativos e bem conectados, de áreas protegidas;
-- Uma redução 50% maior na taxa de introdução de espécies exóticas invasoras e controles ou erradicação de tais espécies para eliminar ou reduzir seus impactos;
-- Reduzir os nutrientes perdidos para o meio ambiente em pelo menos metade, e os pesticidas em pelo menos dois terços, e eliminar o descarte de resíduos plásticos;
-- Contribuições baseadas na natureza para os esforços de mitigação das mudanças climáticas globais de pelo menos 10 GtCO2e por ano. Todos os esforços de mitigação e adaptação devem evitar impactos negativos sobre a biodiversidade;
-- Redirecionar, readaptar, reformar ou eliminar incentivos prejudiciais à biodiversidade, de forma justa e equitativa, reduzindo-os em pelo menos US$ 500 bilhões por ano;
-- Um aumento de US$ 200 bilhões nos fluxos financeiros internacionais de todas as fontes para os países em desenvolvimento.

Fonte: Pnuma/ONU

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Metas urgentes


O que é
Criada em 1992, no Rio de Janeiro, a Conferência das Partes (COP) da Convenção da ONU sobre Diversidade Biológica (CDB) envolve 196 países. Em 2020, 90 nações assinaram um compromisso para que a COP15 termine com um “conjunto de objetivos e metas claros e robustos, sustentados pela melhor ciência e tecnologia disponíveis”. Brasil, China, Índia, Rússia e Estados Unidos foram as ausências mais impactantes no documento.

 


Principais objetivos
-- Garantir a implementação de um novo plano global para a recuperação da biodiversidade (veja metas abaixo);
-- Vincular as agendas da biodiversidade e do clima;
-- Combinar compromissos com ações e recursos para implementar as metas da Convenção sobre Biodiversidade;
-- Envolver os setores público, privado e filantrópico para fechar até 2030 a lacuna financeira da biodiversidade, estimada em cerca de US$ 700 bilhões por ano, alinhar trilhões de dólares em gastos globais com metas para a biodiversidade e garantir que a biodiversidade seja considerada nas decisões econômicas;
-- Reformular, redirecionar ou acabar com os subsídios governamentais que prejudicam a biodiversidade.


O que diz o rascunho do novo quadro global
-- Pelo menos 30% das áreas terrestres e marítimas globais conservadas por meio de sistemas eficazes, geridos de forma equitativa, ecologicamente representativos e bem conectados, de áreas protegidas;
-- Uma redução 50% maior na taxa de introdução de espécies exóticas invasoras e controles ou erradicação de tais espécies para eliminar ou reduzir seus impactos;
-- Reduzir os nutrientes perdidos para o meio ambiente em pelo menos metade, e os pesticidas em pelo menos dois terços, e eliminar o descarte de resíduos plásticos;
-- Contribuições baseadas na natureza para os esforços de mitigação das mudanças climáticas globais de pelo menos 10 GtCO2e por ano. Todos os esforços de mitigação e adaptação devem evitar impactos negativos sobre a biodiversidade;
-- Redirecionar, readaptar, reformar ou eliminar incentivos prejudiciais à biodiversidade, de forma justa e equitativa, reduzindo-os em pelo menos US$ 500 bilhões por ano;
-- Um aumento de US$ 200 bilhões nos fluxos financeiros internacionais de todas as fontes para os países em desenvolvimento.

Fonte: Pnuma/ONU

Nos moldes do Acordo de Paris

 (crédito: FADEL SENNA)
crédito: FADEL SENNA

Para a economista e diplomata francesa Laurence Tubiana, que arquitetou o Acordo de Paris, a COP15 precisa chegar a um documento tão forte quanto o de combate às mudanças climáticas, elaborado em 2015. "Precisamos de uma meta global para deter e reverter a perda de biodiversidade até 2030. Isso direcionará metas, leis, políticas e financiamento em todos os níveis e regiões, assim como o Acordo de Paris começou a fazer para a ação climática. Precisamos do mesmo ímpeto para proteger toda a vida na Terra", argumenta.

É o que pedem organizações não-governamentais que estarão em Montreal como observadores da COP15. "A crise ambiental global requer uma nova política baseada no realismo ecológico: ou seja, o reconhecimento de que todo o empreendimento humano depende de uma biosfera saudável e estável", diz Stewart Patrick, diretor do Programa de Ordem e Instituições Globais da rede global Carnegie Endowment for International Peace.

"Os compromissos multilaterais existentes, inclusive sobre a mudança climática, falham em abordar a outra metade da crise ecológica do planeta: o colapso da biodiversidade, que os líderes do G7 (Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido) chamam, com razão, de 'ameaça existencial igualmente importante'", completa Patrick.

Um estudo do Fundo Mundial para a Natureza (WWF) mostrou que a opinião pública está alinhada com as demandas de ONGs e especialistas em biodiversidade. A pesquisa, que ouviu mais de 9,2 mil pessoas no Brasil, Colômbia, Índia, Indonésia, Quênia, México, Peru, Vietnã e África do Sul, constatou que 56% dos entrevistados acreditam que as ações governamentais para proteger a biodiversidade são insuficientes.

O levantamento também mostra que 60% das pessoas estão preocupadas com a rápida perda da biodiversidade. "Falhar na COP15 não é uma opção. Isso nos colocaria em maior risco de pandemias, agravaria as mudanças climáticas, tornando impossível limitar o aquecimento global em 1,5°C e prejudicaria o crescimento econômico — deixando as pessoas mais pobres mais vulneráveis à insegurança alimentar e hídrica", destaca Marco Lambertini, diretor geral do WWF Internacional, que acrescenta: "Para enfrentar a crise, os governos devem concordar com uma meta positiva, que una o mundo para proteger mais a natureza que resta no planeta, restaurando o máximo possível e transformando nossos setores produtivos para trabalhar com a natureza, não contra ela". (PO)

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