Uma vitória e duas derrotas resumem o encerramento de uma das mais longas conferências climáticas da ONU já realizadas. A criação de um fundo para indenizar os países mais vulneráveis às mudanças climáticas foi uma conquista histórica — desde a Eco92, há três décadas, o grupo de nações em desenvolvimento apresenta a pauta, sem sucesso. Pela primeira vez em uma COP, o chamado mecanismo de perdas e danos não só entrou na agenda oficial, como no texto final, divulgado por volta das 5h (horário local) em Sharm el-Sheikh, no Egito. Por outro lado, a declaração decepcionou ao não mencionar petróleo e gás como combustíveis fósseis que precisam ser eliminados e por não enfatizar a necessidade de limitar o aumento da temperatura a 1,5ºC até o fim do século.
De uma forma geral, o texto da 27ª Conferência sobre Mudanças Climáticas (COP27) foi bem recebido, mas também bastante criticado no que se refere ao combate ao aquecimento global. Alguns avanços em relação à COP anterior, em Glasgow, incluem a citação, pela primeira vez, dos pontos de inflexão, quando não há como reverter os danos provocados pelas emissões de CO2 na atmosfera.
Os rascunhos da conferência de 2021 faziam essa menção, que foi retirada do documento final. Também foi novidade a inclusão do termo "soluções baseadas na natureza", ou seja, redução de desmatamento e incentivo ao reflorestamento como estratégia de contenção das mudanças climáticas.
Outra novidade no documento final foi a menção à insegurança alimentar como consequência direta do aquecimento global. O texto, porém, é vago e não detalha o papel dos sistemas agrícolas na produção de carbono. Diz que os países reconhecem "a vulnerabilidade particular do sistema de produção dos alimentos aos impactos adversos das mudanças climáticas", sem se estender.
Vulneráveis
Uma das arquitetas do Acordo de Paris, a economista Laurence Tubiana, presidente da European Climate Foundation, destacou, em nota, a importância do fundo de perdas e danos, que deve começar a valer no próximo ano. "Há muito a ser feito e detalhado, mas o princípio está em vigor e isso é uma mudança de mentalidade significativa." Os rascunhos falavam em direcionar o fundo para os países em desenvolvimento, o que ajudou a bloquear a pauta e estender a COP até domingo.
No documento aprovado, foi especificado que os beneficiados serão aqueles mais vulneráveis às mudanças climáticas. Com isso, ficam de fora, como queriam os Estados Unidos e a União Europeia, nações como China e Índia, que, embora em desenvolvimento, estão entre os quatro maiores emissores mundiais de CO2. O enviado especial do clima norte-americano, John Kerry, afirmou, no discurso de encerramento da conferência, que os EUA "estão satisfeitos" em apoiar o novo fundo.
Em princípio, Kerry se posicionou contra, mas concordou com o mecanismo indenizatório depois que foi assegurado que não haverá responsabilidade legal pelos danos climáticos causados a outros países. "O fundo, que será um entre muitos caminhos disponíveis para financiamento voluntário, deve ser projetado para ser eficaz e atrair uma base de doadores expandida", disse o representante do governo de Joe Biden.
Se o reconhecimento de perdas e danos foi celebrado por delegações, especialistas em políticas climáticas e ambientalistas, quanto à mitigação (redução das emissões), a COP27 decepcionou. Com mais de 600 lobistas do petróleo circulando pelo centro de convenções de Sharm el-Sheikh e forte pressão da Rússia e da Arábia Saudita, a declaração final da conferência só cita a redução gradual do carvão, o que já estava no documento de 2021.
Petróleo e gás não foram nominados no texto, que fala apenas em "formas obsoletas de combustíveis" e na necessidade de mais fontes energéticas renováveis. A expectativa é que a questão não avance em 2023, com a realização da COP28 em Dubai.
Sem ambição
Outro golpe para quem esperava um alinhamento maior da conferência com as evidências científicas. Havia uma forte expectativa de "manter o 1,5ºC vivo", uma campanha encabeçada pelo parlamentar britânico Alok Sharma, que presidiu a COP26. Desde o Acordo de Paris, em 2015, relatórios indicaram que um aumento de temperatura superior a 1,5ºC até o fim do século será catastrófico.
Esperava-se que a conferência da África enfatizasse essa meta, mas não houve avanços. O texto assemelha-se ao construído há sete anos na capital francesa: reconhece a importância desse limite, mas aceita também que se chegue a 2ºC em relação à era pré-industrial.
"De forma geral, o resultado da COP27 pode ser considerado decepcionante. O texto final não demonstra a ambição necessária para alcançarmos a meta de 1,5ºC estabelecida pelo Acordo de Paris e o chamado plano de implementação é fraco e incipiente. Nunca estiveram tão claros o greenwashing de países e empresas e o desalinhamento entre ciência e política como nesta COP", analisa Maurício Voivodic, diretor geral do WWF-Brasil.
"Ao concordar com um fundo sem detalhes e permanecendo sem o compromisso de eliminar os combustíveis fósseis, aceitamos tecnicamente pagar por danos futuros, em vez de evitá-los", avalia, por sua vez, Sven Teske, diretor de pesquisa do Instituto de Futuros Sustentáveis na Universidade Tecnológica de Sydney, na Austrália. "Sete anos atrás, 196 países adotaram o Acordo Climático de Paris para limitar o aquecimento global bem abaixo de 2ºC, de preferência a 1,5ºC. O principal objetivo da conferência do clima COP27 era garantir que esse objetivo seja implementado. As negociações climáticas em Sharm El-Sheikh foram uma verdadeira decepção, pois a declaração da COP27 não exige uma eliminação obrigatória dos combustíveis fósseis."
Em nota, o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, disse que "nosso planeta ainda está na sala de emergência". "Precisamos reduzir drasticamente as emissões agora — e esta é uma questão que a COP não abordou. A linha vermelha que não devemos cruzar é a que leva nosso planeta acima do limite de temperatura de 1,5ºC", assinalou.