COP27

COP27 entra em fase decisiva e deve resgatar meta definida há sete anos

Negociadores substituem os chefes de Estados nas reuniões que resultarão no texto final da conferência, previsto para sexta-feira

Depois de uma semana de promessas e discursos inflamados, a 27ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP27) entra na fase mais importante, a da redação e aprovação do texto final. Saem os chefes de Estado e entram os negociadores, com a dura missão de colocar em prática o que seus governantes disseram no púlpito. Agora a portas fechadas, os diplomatas deverão concluir um documento que agrade a todos — dos maiores emissores de gases de efeito estufa às nações mais prejudicadas. Oficialmente, a COP de Sharm el-Sheikh, no Egito, termina na sexta-feira. Mas, para concluir a declaração com a anuência de 196 países, é quase certo que as negociações se estendam pelo sábado.

Com uma série de cenários climáticos e inventários de emissões divulgados às vésperas e durante a conferência, a chamada COP da África começou com as tradicionais declarações fortes do secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), o português António Guterres. "Estamos na estrada para o inferno climático", disse o diplomata, traduzindo o que os estudos científicos alertam: os compromissos assumidos pelos países no Acordo de Paris não estão sendo cumpridos, o que aponta para um fim de século que pode ultrapassar 2,8°C acima dos níveis pré-industriais.

Em princípio, o texto final deve incluir a meta, definida na capital francesa há sete anos, de tentar manter o aquecimento abaixo de 1,5ºC até 2100. Embora conste no Acordo de Paris, desde então, nenhum documento seguinte cita, explicitamente, essa intenção. Se for inserida na declaração de Sharm el-Sheikh, a conferência do Egito terá um peso político maior que as antecessoras.

Apesar de a maioria dos países concordar em colocar a meta novamente no papel, há resistência de poucos, como a Arábia Saudita. O Brasil, que historicamente é um ferrenho defensor do que foi acordado na conferência de 2015, agora parece alinhado à nação asiática: segundo observadores independentes, os negociadores brasileiros tentam bloquear essa parte do texto para usar o ato como moeda de troca em outras partes da declaração final.

Embora os cientistas acreditem que a chance de não exceder 1,5ºC seja mínima devido à trajetória de emissões, que continuam aumentando, ela ainda existe, mas, para isso, é preciso acabar com a dependência mundial em combustíveis fósseis. Um destaque da primeira semana foi a apresentação de um plano de transição para energias renováveis, anunciado pelo enviado climático dos Estados Unidos, John Kerry.

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Créditos de carbono

Segundo a proposta, "empresas podem usar créditos para apoiar a mitigação acima e além de suas metas provisórias para contribuir com o financiamento climático ou outras metas voluntárias ou para contribuir para a realização da Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) de um país anfitrião". Trata-se do mercado de créditos de carbono. Criado pelo Protocolo de Kyoto (o texto anterior ao Acordo de Paris), de 1997, o mecanismo estabelece que companhias que não conseguem reduzir suas emissões compensem o CO2 que lançam na atmosfera comprando créditos de países que pouco poluem. Cada crédito corresponde a uma tonelada de carbono que deixou de ser emitida.

O anúncio de Kerry desagradou ambientalistas e cientistas climáticos. "O mecanismo central do Acordo de Paris corre o risco de diluição", acredita Navroz Dubash, pesquisador indiano e um dos autores do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC). "Esse é um mau negócio para os países em desenvolvimento. Em vez de fundos públicos que os países podem usar estrategicamente para atrair financiamento privado, o plano oferece financiamento imprevisível que varia de acordo com o mercado."

O tema do financiamento é um dos que devem tirar o sono dos negociadores da COP27. De transição energética a adaptação e mitigação, além do mecanismo de "perdas e danos" (leia mais nesta página), a ampliação de fundos existentes e a criação de novos é uma demanda dos países emergentes e em desenvolvimento, endossada por António Guterres, mas que encontra pouco apoio prático por parte das nações mais ricas.

Em um encontro com jovens em Sharm el-Sheikh, o presidente francês, Emmanuel Macron, fez coro com representantes do grupo de negociação da COP G77 mais China e acusou os Estados Unidos de não investir o que deve no fundo climático criado no Acordo de Paris. "Os europeus são os únicos que pagam", reclamou.

De fato, um estudo da organização não governamental Carbon Brief mostrou que os EUA devem US$ 32 bilhões ao fundo verde. Segundo uma reportagem do jornal The New York Times, o presidente norte-americano, Joe Biden, defende que os governos fiquem isentos do financiamento por não terem orçamento para isso. No lugar, a iniciativa privada é que deveria pagar a conta. Na rápida passagem pela COP27, na sexta-feira, o governante reconheceu a emergência climática e afirmou que os Estados Unidos cumprirão suas metas de redução de emissões até 2030, quando todos os países devem rever os planos apresentados à ONU.

A COP entre aspas 

“Perdas e danos é justiça climática, não é caridade”, Nabeel Munir, enviado climático do Paquistão

“As duas maiores economias mundiais – Estados Unidos e China – têm uma responsabilidade particular de unir esforços para tornar este Pacto (de solidariedade climática) uma realidade. Esta é a nossa única esperança de cumprir nossas metas climáticas”,
Antonio Guterrez, secretário-geral da ONU

“Não queremos estar aqui, exigindo financiamento para nossa resposta a perdas e danos. Não queremos ser tratados como se vocês estivessem nos fazendo um favor, adicionando um item à agenda ou criando um fundo voluntário”, Conrod Hunte, embaixador e vice-presidente da Aliança de Pequenos Estados Insulares

“O fardo das mudanças climáticas globalmente está recaindo mais fortemente sobre os menos responsáveis por essa situação. Não veremos a mudança de que precisamos sem justiça climática”, Michael Martin, primeiro-ministro da Irlanda

"A crise climática tem a ver com a segurança do ser humano, com a segurança econômica, a segurança ambiental, a segurança nacional e a vida do planeta”, Joe Biden, presidente dos Estados Unidos

Fundo de perdas e danos pode ficar para 2023

O tema nem estava na programação oficial da COP27, mas entrou na agenda no primeiro dia da conferência, foi um dos mais discutidos nos primeiros sete dias e, para as nações mais afetadas pelas mudanças climáticas, deveria entrar na declaração final de Sharm el-Sheikh para ser aprofundado em 2024. Porém, o mecanismo financeiro de perdas e danos, um fundo específico para compensar os impactos negativos que afetam, em especial, países que pouco contribuíram para o aquecimento global, pode entrar no texto somente na COP28, daqui a 12 meses.

"Existe uma ambiguidade dentro dos países em desenvolvimento sobre quando esse fundo será criado. As nações mais vulneráveis querem que o mecanismo seja criado já nesta COP27, ao menos formalmente, para que ele possa ser constituído com mais detalhes ao longo do próximo ano", explica Bruno Toledo, pesquisador do ClimaInfo que acompanha a conferência no Egito. "No entanto, essa urgência não é totalmente compartilhada pela China. O argumento é de que, antes de se criar um novo mecanismo, seria importante fazer uma análise mais apurada dos instrumentos financeiros que já existem. O Brasil foi na mesma linha, ainda que implicitamente", completa.

Bélgica, Alemanha, Escócia, Dinamarca, Áustria, Canadá e Nova Zelândia mostraram simpatia com a criação do fundo, chegando a anunciar valores para compensar as nações mais vulneráveis. Porém, outros países desenvolvidos, como Austrália e Estados Unidos, defendem que uma decisão imediata, ainda na COP27, não seria o ideal.

Especialmente os negociadores norte-americanos acreditam que seria mais adequado começar um cronograma de ações, com decisões a serem tomadas na COP29, em 2024. "Aqui, repete-se o argumento de que uma análise mais detalhada dos fundos existentes seria importante antes de se criar um novo fundo, até para que ele seja eficiente e rápido, dentro daquilo que os países vulneráveis precisam", diz Toledo.

Urgências

As nações mais pobres e vulneráveis, porém, defendem que não há tempo a perder, pois estão sendo afetadas pelas mudanças climáticas em forma de enchentes, secas, fenômenos meteorológicos extremos. "O aquecimento dos mares está começando a engolir nossas terras — centímetro por centímetro. Mas o vício do mundo em petróleo, gás e carvão não pode afundar nossos sonhos", discursou o primeiro-ministro de Tuvalu, Kausea Natano.

"Países ricos e poluidores precisam olhar além dos próprios narizes, reconhecer a importância de um novo mecanismo de financiamento que possa ajudar os países devastados a juntarem os cacos e se recuperarem após os desastres climáticos", cobrou Theresa Anderson, coordenadora de Políticas Climáticas da ONG Action Aid em uma coletiva de imprensa. Porém, há pouca expectativa de que o mecanismo de perdas e danos esteja na declaração final. "As partes têm posições divergentes. Há alguns que, claro, gostariam de ver o estabelecimento de uma instituição sob o mecanismo financeiro da convenção. Mas parece difícil", afirma Julio Cordado, negociador chileno que trabalha com o tema na COP27. 

Dicionário climático

Objetivo de longo prazo

Os governos concordaram em manter o aumento da temperatura média global bem abaixo de 2°C acima dos níveis pré-industriais e buscar esforços para limitá-lo a 1,5°C.

Contribuições

Antes e durante a conferência de Paris, os países apresentaram planos nacionais abrangentes de ação climática (chamados NDCs — contribuições determinadas nacionalmente) para reduzir suas emissões.

Ambição

Os governos concordaram em comunicar seus planos de ação a cada cinco anos, com cada texto estabelecendo metas mais ambiciosas.

Transparência

Os países concordaram em informar uns aos outros e ao público sobre o quão bem eles estão alcançando suas metas, para garantir transparência e supervisão.

Solidariedade

Os países desenvolvidos se comprometeram a fornecer financiamento climático para ajudar nações em desenvolvimento a reduzirem as emissões e a criarem resiliência para lidar com os efeitos das mudanças climáticas.