"Inferno", "catástrofe", "suicídio coletivo": no primeiro dia da Cúpula dos Líderes da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, não faltaram definições para o destino da Terra caso o aumento da temperatura global não seja contido. Porém, se a necessidade de ação urgente é unanimidade entre os cerca de 100 governantes e representantes de governos que participam da primeira semana da COP27, a discordância é sobre quem paga a conta.
Sem o depósito integral do fundo climático criado no Acordo de Paris há sete anos, o secretário-geral da ONU, António Guterres, pediu para os líderes se empenharem em um pacto para mudar o cenário das emissões de gases de efeito estufa, especialmente para acabar com a dependência de combustível fóssil e com a construção de novas carvoarias. "A humanidade tem uma escolha: cooperar ou morrer. Ou um pacto pela solidariedade climática, ou um pacto pelo suicídio coletivo", afirmou, no discurso de abertura da Cúpula dos Líderes.
O diplomata também lançou um plano de financiamento para ações das chamadas perdas e danos, tema que não estava previsto, mas entrou na agenda oficial do evento (leia mais nesta página). "Observamos uma catástrofe depois da outra. Enquanto nos recuperamos de uma, acontece outra", destacou o anfitrião da COP27, o presidente egípcio Abdel Fattah al-Sissi. Nenhum líder presente discordou dos alertas, porém, a responsabilidade pela redução de emissões de CO2 e por mecanismos de mitigação e adaptação é motivo de debate.
Excedendo o tempo de três minutos dedicado às falas dos líderes, o presidente francês, Emmanuel Macron, criticou os Estados Unidos e a China pela falta de investimento no fundo climático. Em 2015, os signatários do Acordo de Paris concordaram com a criação de um mecanismo de financiamento voltado à compensação dos países que pouco contribuem com as emissões de CO2, mas sofrem os piores efeitos, como as ilhas do Pacífico, ameaçadas de serem engolidas pelo aumento do nível do mar. Porém, os US$ 100 bilhões anuais nunca foram depositados na íntegra — este ano, faltaram US$ 17 bilhões, por exemplo.
Uma nova análise do Carbon Brief, organização não governamental especializada em políticas climáticas, divulgada na manhã de ontem, revelou o descompasso entre o que os maiores poluentes deveriam pagar e o quanto, de fato, foi parar no fundo. Os Estados Unidos aparecem como principal deficitário: destinaram US$ 8 bilhões ao fundo em 2020, US$ 32 bilhões a menos do que deveriam. A fatia é calculada de acordo com as emissões de cada país industrializado. Depois dos norte-americanos, Canadá, Austrália e Reino Unido são os que fizeram as menores contribuições, comparados à meta que assumiram. Alemanha, França e Japão apresentaram os maiores superávits.
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"Solidariedade financeira"
No discurso em Sharm El-Sheik, Macron afirmou que a confiança entre o norte e o sul do planeta está se esvaindo: "Devemos chegar a um acordo com a ideia de solidariedade financeira", disse, insistindo que os países ricos e poluentes mandem dinheiro para os mais pobres e vulneráveis. Mais cedo, em um encontro com jovens, o presidente francês reclamou que "os europeus são os únicos que pagam". "Estados Unidos e China devem responder a esse desafio", declarou. O presidente chinês, Xi Jinping, não irá à COP27. Já o norte-americano Joe Biden é esperado no dia 11.
O francês também afirmou que a guerra entre Rússia e Ucrânia não pode influenciar as negociações da COP. "Não sacrificaremos nossos compromissos climáticos com a crise energética causada pela agressão da Rússia na Ucrânia. No discurso de abertura, António Guterres também citou o conflito. "Não podemos aceitar que nossa atenção não esteja voltada para a mudança climática, apesar da guerra na Ucrânia e outros conflitos, porque a mudança climática tem o próprio calendário", alertou o secretário-geral da ONU.