Passada a conferência sobre mudanças climáticas, a Organização das Nações Unidas (ONU) volta a se reunir, nesta semana, para tentar encontrar soluções a um problema que ameaça a saúde humana e a do planeta. De amanhã a 2 de dezembro, ocorre a primeira sessão intergovernamental com objetivo de desenvolver um instrumento internacional, juridicamente vinculativo, sobre a poluição plástica. O evento, no Uruguai, discutirá com governos, setor privado e sociedade civil o tratado, que deverá entrar em vigor em 2024.
A decisão histórica sobre as negociações foi tomada em fevereiro, na Assembleia do Programa das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente (Pnuma), em Nairóbi. Na ocasião, Inger Andersen, diretora executiva do Pnuma, afirmou que esse será o mais importante acordo internacional multilateral desde o climático, firmado em Paris, em 2015. "Buscamos uma ação global rápida, ambiciosa e significativa para conter o flagelo da poluição plástica, e isso significa incorporar diferentes pontos de vista para chegar a um enquadramento que nos permita atender a uma série de objetivos econômicos, sociais e ambientais."
O tratado levará em conta a vida útil completa do plástico, da fonte de fabricação à chegada do poluente nos oceanos, passando pela incorporação de aditivos. De acordo com o órgão da ONU, a produção do material tem aumentado exponencialmente nas últimas décadas, com a produção média de 400 milhões de toneladas por ano — número que deve dobrar em 2040.
O ciclo de vida do plástico, um subproduto de combustíveis fósseis, é considerado ambientalmente agressivo do momento da produção ao descarte. Na natureza, levam-se quatro séculos para que o material se decomponha e, no processo natural de degradação, formam-se micropartículas muito perigosas quando aspiradas e ingeridas, encontradas na atmosfera e nos oceanos. Estima-se que, diretamente, 700 espécies animais sejam afetadas, sendo que muitas delas estão na lista das ameaçadas de extinção.
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Segundo Sophie Davison, pesquisadora do Centro Europeu para o Meio Ambiente e Saúde Humana da Universidade de Exeter, no Reino Unido, há pouco conhecimento sobre o impacto dos microplásticos para o homem. "A poluição por plástico é um dos desafios ambientais de crescimento mais rápido em nosso planeta", diz. "No entanto, embora o dano à vida marinha seja bem compreendido, o impacto sobre a saúde humana permanece obscuro", conta.
Há pistas, porém, de que a poluição por esse material pode ter implicações sérias. Em abril, cientistas ingleses relataram a detecção de 12 tipos diferentes de microplásticos em amostras do tecido pulmonar retiradas durante cirurgias. Os polímeros foram identificados também na corrente sanguínea e até na placenta. Embora sejam necessários mais estudos para investigar o potencial negativo das partículas no corpo humano, algumas pesquisas demonstram que elas podem provocar morte celular e reações alérgicas.
Milhares de substâncias
Com a proximidade da primeira sessão do comitê intergovernamental da ONU sobre poluição plástica, cientistas alertam que o tratado precisa levar em consideração a diversidade e a complexidade das substâncias químicas que compõem os diferentes tipos de plástico. Em um artigo publicado na revista Environmental Science & Technology Letters, pesquisadores de diversas instituições internacionais demonstraram preocupação com o rumo das negociações caso a heterogeneidade do material seja ignorada no texto do acordo.
Segundo Zhanyun Wang, cientista do Laboratório Suíço de Ciência e Tecnologia de Materiais e principal autor do artigo, um estudo recente identificou mais de 10 mil substâncias que podem ser usadas na fabricação de plástico, resultando em produtos com uma ampla variedade de químicos. "Tal diversidade e complexidade de formulações plásticas vem acompanhada de vários impactos negativos e desafios. Entre eles, a preocupação com os efeitos adversos na saúde humana e no ecossistema", diz. Mas não é apenas isso. "Igualmente importante, mas muitas vezes esquecido, é que a diversidade de produtos químicos em plásticos pode representar muitos desafios para as soluções tecnológicas atuais e previstas para a solução da poluição plástica."
O cientista argumenta que a diversidade de substâncias em diferentes produtos plásticos torna os fluxos de resíduos incompatíveis, o que pode reduzir a qualidade da reciclagem e implicar na formação de tóxicos que requerem medidas de manuseio mais seguras. Segundo Antonia Praetorius, professora-assistente da Universidade de Amsterdã e coautora do artigo, a heterogeneidade na fabricação tem outro impacto negativo: quanto mais complexo, menos seguro, e, portanto, menos indicado para uso de longa duração.
"Uma solução proposta para neutralizar o desperdício de plástico causado por plásticos descartáveis é o aumento do uso de plásticos mais duráveis, para permitir vários ciclos de reutilização", diz Praetorius. "Quanto mais complexa a composição química desses plásticos, porém, mais difícil é garantir sua integridade e segurança durante a vida útil do produto."
Os autores do artigo defendem que, ao identificar um conjunto de aditivos químicos seguros que atendem às funções necessárias para a fabricação do material, será possível encontrar formulações mais simples e padronizadas. Eles também fazem recomendações práticas sobre como o tratado pode incluir mecanismos para reduzir a complexidade das substâncias químicas na produção de plástico. "Isso não apenas permitirá a eliminação gradual de produtos químicos perigosos da produção de plástico, mas também permitirá a transição social para uma economia plástica circular", afirmaram, no texto.
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Nem a Antártida escapa
Cientistas encontram plásticos em diversos pontos da Antártida
Até na quase inabitada Antártida, cientistas encontraram fibras plásticas sintéticas no ar, na água e no gelo marinho. Os pesquisadores da Universidade de Oxford analisaram amostras coletadas durante uma expedição no continente gelado e, em todas elas, detectaram poliéster fibroso, principalmente de têxteis. A maioria dos microplásticos estava na atmosfera, indicando que as aves marinhas e outros animais locais podem estar inalando o material.
"A questão das fibras microplásticas é um problema que está atingindo até mesmo os últimos ambientes intocados remanescentes em nosso planeta", afirma Lucy Woodall, pesquisadora de Oxford e coautora do estudo, publicado na revista Frontiers of Marine Science. "As fibras sintéticas são a forma mais prevalente de poluição por microplástico globalmente e lidar com essa questão deve estar no centro das negociações do tratado do plástico", defende Woodall, a primeira cientista a revelar a existência de plástico no fundo de um oceano, em 2014.
Com um software que modelou a trajetória do ar na Antártida, os pesquisadores descobriram que as áreas com maior número de fibras recebiam ventos vindos do sul da América do Sul. De acordo com Woodall, o fato revela que a corrente circumpolar Antártica e a frente polar associada a ela não estão, como se acreditava, agindo como uma barreira impenetrável, o que teria impedido a entrada de microplásticos na região.
"As correntes oceânicas e os ventos são os vetores para a poluição plástica viajar pelo mundo, incluindo os cantos mais remotos", complementa Nuria Rico Seijo, coautora principal da pesquisa. "O caráter transfronteiriço da poluição por microplásticos fornece mais evidências para a urgência e importância de um forte tratado internacional de poluição por plásticos", afirma.
Grandes distâncias
A equipe também descobriu que a concentração de microplásticos é muito mais abundante no gelo marinho do que em outros tipos de amostras. Isso indica que os poluentes estão sendo presos durante a criação da camada gelada, todo ano. "O gelo do mar é móvel, pode percorrer grandes distâncias e atingir as plataformas de gelo permanentes da Antártida, onde pode ficar preso indefinidamente com seus poluentes microplásticos coletados", diz o artigo.
Os pesquisadores realizaram estudos em amostras de sedimentos coletados em profundidades de 323m a 530m abaixo da superfície do Mar de Wedell, onde se detectaram microplásticos. "Mais uma vez, vimos que a poluição plástica está sendo transportada por grandes distâncias pelo vento, gelo e correntes marítimas. Os resultados de nossa pesquisa demonstram coletivamente a importância vital de reduzir a poluição plástica globalmente", destaca Woodall.
Para ela, as descobertas recém-publicadas "aumentam a urgência de um tratado vinculante e globalmente acordado para impedir que os microplásticos entrem no meio ambiente, principalmente nos oceanos". Além de medidas tomadas por formuladores de políticas, a cientista destaca que, individualmente, também é possível contribuir para a redução da poluição de plástico (veja quadro). (PO)
Meta deve ser ambiciosa
"A meta do tratado deve ser ambiciosa e significativa, estamos pedindo que a ONU busque uma meta de 0% na taxa de nova poluição plástica até 2040. Para alcançar isso, os formuladores de políticas, empresas, pesquisadores e a sociedade em geral devem ser radicais no desenvolvimento de uma estratégia global coordenada. Atualmente, há ambiguidade sobre o que realmente significa acabar com a poluição plástica. Para que o tratado funcione, é vital que haja um único objetivo e uma estratégia acordada."
Steve Fletcher, diretor do Centro de Políticas Globais de Plástico
da Universidade de Portsmouth, nos EUA
Desafio global
Fatos
» Todos os dias, aproximadamente 8 milhões de produtos
plásticos chegam
aos oceanos.
» 12 milhões de toneladas de plástico são despejadas no oceano todos os anos.
» Os plásticos representam 80% de todos os detritos marinhos estudados.
» 100 mil mamíferos marinhos e tartarugas e 1 milhão de aves marinhas são mortos anualmente pela poluição marinha por plásticos.
» 90% do plástico é produzido a partir de matéria-prima obtida a partir de petróleo e gás fóssil.
» A produção de uma tonelada de plástico gera até 2,5 toneladas de dióxido de carbono.
Como ajudar a reduzir a poluição de plástico
1- Encher a máquina de lavar: quanto mais espaço para o tecido se movimentar na lavagem, maior o desprendimento de microfibras.
2 - Lavar a 30°C: ciclos suaves e temperaturas mais baixas diminuem a descamação das microfibras.
3 - Abandone a secadora: elas geram cerca de 40 vezes mais microfibras do que as máquinas de lavar.
4 - Escolha têxteis de fibras naturais, como algodão, linho, cânhamo.
Fontes: Surfers Against Sewage; Pnuma; Universidade de Oxford