Na véspera do encerramento oficial da 27ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP27), no Egito, a publicação do rascunho da declaração final decepcionou quem esperava um texto mais ambicioso que os das edições anteriores. O chamado "no paper", jargão para indicar que ainda serão necessários muitos ajustes antes da versão definitiva, deixou de fora a redução gradual de todos os combustíveis fósseis, ponto considerado essencial para diminuir as emissões de CO2 e, consequentemente, evitar um aumento de temperatura acima das metas estabelecidas no Acordo de Paris.
Em um texto construído para atender, com unanimidade, as reivindicações dos negociadores de quase 200 países, a linguagem é crucial para definir as prioridades e demandas que nortearão a política climática nos próximos anos. O rascunho reconhece os prejuízos causados pelos combustíveis fósseis e a necessidade de substituí-los por energia limpa, mas, ao não determinar a redução gradual de petróleo e gás, além do carvão, abre brechas para a continuidade da exploração desses recursos, a principal fonte de emissão global de CO2.
Segundo o rascunho, a conferência enfatiza "a importância de aumentar a parcela de energia renovável no mix de energia em todos os níveis (...) e encoraja os esforços contínuos para acelerar as medidas para a redução gradual da energia de carvão". Também reconhece a necessidade de eliminar gradualmente e deixar de subsidiar "combustíveis fósseis ineficientes". Assim, deixa de citar nominalmente petróleo e gás natural. A COP de Sharm el-Sheikh bateu os recordes anteriores, com a presença de mais de 600 lobistas do petróleo participando das sessões.
"A linguagem sobre a eliminação gradual dos combustíveis fósseis não consegue progredir de Glasgow (onde foi realizada a conferência de 2021) e aumentar a chamada para uma ampla eliminação do carvão, petróleo e gás", afirma Yeb Saño, chefe da delegação do Greenpeace Internacional na COP27. De acordo com ele, a não menção à redução gradativa de todos os combustíveis fósseis, e não só do carvão, como aponta o texto, "ignora a urgência expressa por muitos países" dentro e fora das salas de negociação.
Joseph Sikulu, das organizações não governamentais Pacific Climate Warriors e 350.org, concorda. "O texto divulgado não representa o apelo tanto das salas de negociação quanto da sociedade civil por uma eliminação gradual justa, equitativa e gerenciada de todos os combustíveis fósseis. Qualquer coisa menos do que alcançamos em Glasgow fará com que a COP27 seja considerada um fracasso pelo mundo."
Um ponto considerado positivo por observadores é a inclusão da meta do aumento de temperatura limitado a 1,5ºC até o fim do século, no rascunho do texto final. O texto destaca, "com grande preocupação, a lacuna significativa entre o efeito agregado das promessas de mitigação das Partes em termos de emissões anuais globais" e lembra que as ações apresentadas até agora estão em descompasso com "a meta de temperatura do Acordo de Paris (...) para manter o aumento da temperatura média global em 1,5°C acima dos níveis pré-industriais".
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Meta enfraquecida
Em uma coletiva de imprensa realizada ontem em Sharm el-Sheikh, o secretário-geral da ONU, António Guterres, enfatizou que a meta está enfraquecendo à medida que o consumo de combustíveis fósseis aumenta. "Não se trata apenas de manter a meta de 1,5ºC: trata-se de manter as pessoas vivas", disse.
Guterres também citou um dos temas mais sensíveis da COP: o fundo de US$ 100 bilhões anuais, que nunca foram depositados integralmente para os países industrializados. Esse dinheiro tem como objetivo financiar cortes nas emissões de gases de efeito estufa (mitigação) e adaptação às mudanças climáticas nas nações em desenvolvimento. "Todas as partes devem agir na questão fundamental das finanças", apelou Guterres.
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Atraso esperado
Embora oficialmente a COP27 se encerre hoje, é consenso entre os participantes que os negociadores passarão a madrugada de sexta para sábado acordados, negociando as muitas lacunas da declaração final. Questões como financiamento e criação de novos fundos estão atrasando a conferência, cujo texto deve ser aprovado por unanimidade por quase 200 países.
Fundo de perdas e danos não é detalhado
A menção vaga a um dos temas mais discutidos na COP de Sharm el-Sheikh, o de perdas e danos, decepcionou o grupo G77 mais China — o maior bloco da conferência, do qual o Brasil faz parte. A maioria dos países emergentes e em desenvolvimento, especialmente os que menos contribuem para a emissão de gases de efeito estufa, mas são mais vulneráveis a seus efeitos, insiste em um cronograma para a discussão e a implementação do mecanismo.
Embora o rascunho diga que a inclusão do tema em uma subagenda é "bem-vinda", não fala em cronograma nem na criação de um fundo especial para indenizar nações que têm sofrido prejuízos constantes, devastadas por enchentes, secas e outros eventos extremos. A menção ao mecanismo foi reconhecida como ponto positivo entre ativistas ambientais, mas a falta de detalhamento recebeu críticas.
"Viemos a Sharm el-Sheikh para exigir ação real para cumprir e superar os compromissos de financiamento e adaptação climáticos, uma eliminação gradual de todos os combustíveis fósseis e que os países ricos paguem pelas perdas e danos causados às comunidades mais vulneráveis com um fundo de financiamento", disse Yeb Saño, chefe da delegação do Greenpeace Internacional na COP27. "Nada disso está em oferta nesse rascunho. A justiça climática não será atendida se o rascunho definir o resultado da COP27."
O secretário-geral da ONU, António Guterres, defendeu ontem, em uma coletiva de imprensa, um acordo ambicioso sobre perdas e danos. "Há claramente uma falta de confiança entre o Norte e o Sul", afirmou. "A maneira mais eficaz de reconstruir essa confiança é por meio de um acordo ambicioso e confiável sobre perdas e danos e apoio financeiro aos países em desenvolvimento. O tempo de se discutir perdas, danos e finanças acabou. Precisamos de ações", destacou.
"Criar o fundo é um imperativo moral e de justiça climática", disse o vice-ministro colombiano de Planejamento Ambiental do Território, Francisco Javier Canal Albán, em entrevista coletiva. Na mesma ocasião, a ministra paquistanesa para a Mudança Climática, Sherry Rehman, disse que a COP deve encerrar, "no mínimo, com uma declaração política de compromisso com a criação desse fundo, ou mecanismo, uma antiga aspiração dos países do Sul".
O vice-presidente da Comissão Europeia, Frans Timmermans, levantou uma ideia compartilhada pelos países desenvolvidos: a de que os em desenvolvimento que, hoje, são grandes emissores, também devem colaborar com o fundo. O recado foi especialmente para a China e a Índia. "Todo mundo deve contribuir. E isso é algo que comuniquei a todos os nossos parceiros e também ao meu colega e negociador chinês, Xie Zhenhua. Se estamos falando de justiça, devemos olhar para a posição em que os países se encontram agora, e não 30 anos atrás", defendeu.