Na semana decisiva da 27ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP27), negociadores e cientistas do clima temem que a intenção de limitar o aumento de temperatura a 1,5ºC até o fim do século fique de fora da declaração final do evento. A ausência dessa meta no texto, que deve ser concluído entre sexta-feira e sábado, é vista como um retrocesso em relação à COP de Glasgow, no ano passado. Na ocasião, com base em relatórios científicos que apontam um futuro catastrófico caso os termômetros subam mais do que isso, os signatários do Acordo de Paris concordaram em perseguir o objetivo, estabelecido em 2015, e nunca mais citado nominalmente nas cúpulas que se seguiram.
Um rascunho do texto final que circula em Sharm el-Sheikh, no Egito, onde acontece a COP27, sugere que há equipes de negociação tentando diluir prazos e alterar metas de redução das emissões de gases de efeito estufa. O cenário de 1,5ºC só é possível com um corte drástico no lançamento de CO2 na atmosfera: 45% nos próximos sete anos, segundo cálculos de cientistas climáticos. Com denúncias de que o lobby dos combustíveis fósseis é forte nos corredores da conferência, há risco de o evento fracassar.
"É absolutamente vital mantermos o 1,5ºC. Não podemos nos dar o luxo de retroceder, não podemos aceitar um resultado fraco da COP27", discursou ontem Alok Sharma, presidente da COP26, em uma reunião sobre a ambição nos compromissos climáticos. O Pacto de Glasgow, assinado no ano passado, estimulava os países a atualizar, anualmente, suas metas de redução, o que apenas 33 deles fizeram em 2022, alertou Sharma.
"Para onde quer que você olhe em Sharm el-Sheikh, você pode ver e ouvir a influência da indústria de combustíveis fósseis. Os lobistas apareceram em números recordes para tentar dissociar a ação climática da eliminação gradual dos combustíveis fósseis", denuncia Yeb Saño, chefe da delegação do Greenpeace na COP. "O texto da conferência deve deixar claro que limitar o aumento da temperatura a 1,5°C até 2100 é a única interpretação aceitável do Acordo de Paris, além de reconhecer as datas globais de eliminação gradual de 1,5°C para a produção e consumo de carvão, gás e petróleo."
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Promessas
Ontem, a União Europeia (UE) anunciou um aumento no corte das emissões, passando de 55%, como prometido anteriormente, para 57%. "A União Europeia está aqui para avançar, não para recuar. A UE está pronta para atualizar nossa NDC, refletindo essa ambição maior" disse o vice-presidente da Comissão Europeia, Frans Timmermans. A NDC — Contribuição Nacionalmente Determinada — é o quanto cada país ou bloco se compromete com a redução de CO2.
O anúncio do quarto maior emissor global não pareceu suficiente para Chiara Martinelli, diretora do grupo Climate Action Network Europe. "Esse pequeno aumento não atende aos apelos dos países mais vulneráveis", critica. De acordo com a especialista em políticas climáticas, a redução de 57% não estaria ainda em linha com a contribuição equitativa do bloco para se alcançar as metas do Acordo de Paris: 65%, ao menos, de corte das emissões.
A Turquia também anunciou que a meta de redução do país passará de 21% para 41% até 2030, data em que os signatários do Acordo de Paris devem apresentar NDCs atualizadas. Ambientalistas, porém, denunciam "pedaladas", com previsão de aumentar as emissões para depois, em cima desse pico, fazer a redução — o mesmo que o Brasil fez, na COP de Glasgow. "A dependência de combustíveis fósseis da Turquia está nos custando caro, com piora na poluição do ar, da água e do solo, bem como aumento nos problemas de saúde. Reduzir o aumento mostra que, em vez de resolver esses problemas, continuaremos a desperdiçar preciosos recursos públicos por muito tempo", avalia Duygu Kutluay, ativista da Europe Beyond Coal Turkey.
A Organização das Nações Unidas (ONU) insiste com o aumento na ambição das reduções. Na reunião de alto nível dos ministros que estão na conferência, o secretário-executivo da ONU sobre Mudanças Climáticas, Simon Stiell, relembrou dados de um relatório recente, que mostra que a implementação das promessas atuais dos governos aumentaria as emissões em 10,6% até 2030, traçando o caminho de um mundo 2,5ºC mais quente até o fim do século. "Esse é o contexto em que estamos", disse. "O mundo está dobrando a curva de emissões de gases de efeito estufa para baixo, mas esses esforços permanecem lamentavelmente insuficientes para limitar o aumento da temperatura global a 1,5ºC."
Apesar de distante, a meta não é impossível, segundo Jim Skea, copresidente do Grupo de Trabalho III do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU, o IPCC. Na reunião com os ministros, ele apresentou soluções de mitigação, com potencial de reduzir pela metade as emissões de 2019 até 2030. Entre elas, o uso de energia eólica e solar, cujos custos "caíram drasticamente" nos últimos anos. "Nós sabemos como fazer isso. É como se tivéssemos colocado todas as nossas ferramentas na bancada, mas sem ainda pegar nenhuma."
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Crise impulsiona energia renovável
Um relatório divulgado ontem descobriu que a corrida para se livrar do gás russo e a crise energética mundial estão impulsionando os principais emissores de gases de efeito estufa na busca por energia limpa, o que poderá ter um impacto positivo na redução dos lançamentos de CO2 na atmosfera. O documento The Big Four — título em referência a China, Estados Unidos, Índia e União Europeia — foi apresentado na COP27 pela organização não-governamental Unidade de Inteligência Energética e Climática (Eciu).
Segundo o texto, crises globais interconectadas e mecanismos de mercado estão obrigando governos e setor privado a investirem em veículos elétricos, aquecimento de baixo carbono e energia renovável. As mudanças estariam ocorrendo, em particular, nos quatro maiores emissores mundiais.
"O ritmo em que a transição verde está acelerando, particularmente nas potências da economia global, é notável. Isso mostra claramente como as políticas corretas e as estruturas de mercado estão impulsionando a mudança em um ritmo que seria inimaginável apenas alguns anos atrás", comentou, em nota, Gareth Redmond-King, líder internacional da ECIU. "A invasão russa da Ucrânia e a crise global de energia aceleraram ainda mais essa mudança. E, embora possa haver um aumento de curto prazo no uso de combustíveis fósseis e mais progresso seja necessário, ninguém que realmente entenda as crises interconectadas que o mundo enfrenta acredita que mais petróleo e gás representam algo mais do que uma solução de curto prazo."
Em apoio às nações mais vulneráveis e mais atingidas pelas mudanças climáticas, um dos principais focos da cúpula do clima COP27, a análise também destaca como acelerar a transição limpa globalmente e reduzir a dependência de combustíveis fósseis "Isso, por sua vez, reduz os custos, altera os fluxos financeiros globais e reduz os impactos climáticos que ameaçam o abastecimento de alimentos. Com todos os países tendo potencial renovável suficiente para se abastecer, este é um caminho universal para a segurança energética", sugere o relatório.