Passados sete anos desde a assinatura do Acordo de Paris, a 27ª Conferência sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas (COP27) começa neste domingo (6/11) em Sharm el-Sheikh, no Egito, com um senso de urgência maior que nas edições anteriores. Eventos climáticos extremos, recordes de calor superados anualmente, relatórios científicos preocupantes e duras chamadas do secretário-geral da ONU, o português António Guterres, deixam claro que o planeta não suporta mais a chamada "greenwashing", termo usado recentemente pelo diplomata para definir promessas vazias de governos e setores privados. Além da discussão sobre redução das emissões, três temas deverão ser prioridade nas mesas de negociações: financiamento, mecanismos para perdas e danos e mitigação/adaptação.
Em 2009, na COP15, de Copenhague, as nações desenvolvidas se comprometeram a destinar, anualmente, US$ 100 bilhões a um fundo de financiamento de ações climáticas voltado a países mais vulneráveis aos efeitos das mudanças que vêm ocorrendo no planeta. Desde então, esse é um dos assuntos mais sensíveis das conferências, pois, além de o valor anual nunca ter sido depositado integralmente, há divergências sobre o que, de fato, foi pago. Em agosto, um relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) apontou que, em 2020, os países ricos levantaram US$ 83 bilhões em financiamento climático, um dinheiro que sai tanto de cofres públicos quanto privados.
O montante significaria um aumento de 4% em relação a 2019 e, mesmo admitindo que não chega ao total acordado, o secretário-geral da OCDE, Mathias Cormann, disse que "a meta de US$ 100 bilhões seria alcançada a partir do próximo ano" caso os países desenvolvidos intensifiquem os esforços para cumprir seus compromissos do Acordo de Paris. Porém, um levantamento da Oxfam, organização não governamental internacional, destaca que o valor real foi cerca de um terço do relatado.
Produzido a partir da análise dos próprios dados fornecidos pela OCDE, o documento da Oxfam sustenta que boa parte do valor informado chegou, de fato, aos países em desenvolvimento, mas em forma de empréstimos que poderão comprometer ainda mais suas economias. "As contribuições dos países ricos não apenas continuam a cair miseravelmente abaixo de sua meta prometida, mas também são muito enganosas ao contar as coisas erradas da maneira errada. Eles estão exagerando sua própria generosidade, pintando um quadro cor-de-rosa que obscurece o quanto realmente está indo para os países pobres", aponta Nafkote Dabi, líder de Política Climática Internacional da Oxfam.
Cobranças
Em outubro, em uma reunião pré-COP em Nova York, nos Estados Unidos, António Guterres chamou a atenção dos países industrializados. Segundo o secretário-geral da ONU, "o mundo precisa de clareza dos países desenvolvidos sobre a entrega de sua promessa de US$ 100 bilhões para apoiar a ação climática em países em desenvolvimento". Ele também destacou que o financiamento para mitigação e adaptação deve ser metade de todo o fundo climático. A primeira refere-se a ações voltadas à diminuição das emissões de CO2. Já a segunda concentra-se na redução dos efeitos negativos das mudanças climáticas, para que os países e os ecossistemas mais expostos fiquem menos vulneráveis.
Os relatórios científicos, como os divulgados pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU (IPCC), destacam a importância de se levar a sério tanto a mitigação quanto a adaptação. Segundo o IPCC, 3,3 bilhões de pessoas vivem em contextos climáticos altamente vulneráveis, sendo que essas são as comunidades com menos recursos para responder aos impactos do aquecimento global.
Na COP26, as delegações fizeram um pacto para cumprir as metas do Acordo de Paris que se referem a mitigação e adaptação. Os países desenvolvidos concordaram, em Glasgow, a dobrar o financiamento de ações contemplando esse último tema. Agora, serão cobrados para mostrar como pretendem implementá-las. O anfitrião da COP27, Abdel Fattah El-Sisi, presidente do Egito, destacou, em diversas ocasiões, que essa será uma questão-chave nas mesas de negociação. "A ciência mostra claramente a urgência com que devemos agir no que diz respeito à rápida redução das emissões de gases de efeito estufa, tomando as medidas necessárias para ajudar aqueles que precisam de apoio a se adaptarem aos impactos negativos das mudanças climáticas (...) especialmente na África, que sofre os maiores impactos", disse, em sua mensagem de boas-vindas.
Pressões
Para Rachel James, cientista climática da Universidade de Bristol, os temas de adaptação, mitigação e perdas e danos têm um significado especial em uma edição da COP realizada em um dos continentes que mais sofrem com o aquecimento global. "Já houve muitos eventos climáticos extremos devastadores em países africanos este ano — ciclones tropicais em Moçambique e Madagascar, inundações na África Ocidental e seca na Etiópia e Uganda. Esses mal são mencionados nas notícias internacionais. É por isso que uma COP liderada pela África é tão importante: para destacar as perdas e os danos associados às mudanças climáticas e a necessidade urgente de reduzir as emissões de carbono", afirma.
Um dos temas mais sensíveis da conferência, os mecanismos de perdas e danos não estão na agenda oficial da COP27, mas há uma forte pressão do chamado Grupo dos 77 e China — que inclui todas as nações em desenvolvimento — para inseri-lo na pauta. Para isso, será necessário o consenso de todas as delegações no primeiro dia de negociações. A ideia é que os países ricos, que se industrializaram primeiro e são os principais responsáveis pelas emissões de CO2 desde o início do século 20, paguem para compensar as nações atingidas por eventos extremos, como ciclones e desertificação, provocados pelas mudanças climáticas. "É hora dos grandes países, os grandes emissores, se levantarem e dizerem: 'Temos que fazer alguma coisa, temos que contribuir para esses países vulneráveis'", disse à ONU News o relator especial das Nações Unidas sobre Direitos Humanos e Clima, Ian Fry.
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Contribuições insuficientes
"Relatórios recentes de vários escritórios das Nações Unidas indicam que as Contribuições Nacionalmente Determinadas prometidas pelos 195 signatários do Acordo de Paris para reduzir as emissões de carbono ainda são insuficientes para limitar o aquecimento global a 2ºC acima dos níveis pré-industriais. Dessa forma, provavelmente vamos testemunhar um aquecimento que excede 1,5ºC nesta década, um nível além do qual começamos a aumentar significativamente o risco de passar por pontos de inflexão irreversíveis no sistema climático. Aumentar a ambição de reduzir as emissões de carbono e compartilhar o ônus da rápida transição de nossos sistemas energéticos, econômicos e sociais que essa rápida descarbonização implica é essencial para limitar o aquecimento global e seus efeitos prejudiciais, especialmente entre os países menos responsáveis, mas mais afetados."
Colin Nolden, especialista em políticas climáticas do Instituto Cabot para o Meio Ambiente, na Inglaterra