mudanças climáticas

Patrimônio da humanidade está derretendo, alerta Unesco

Um terço das geleiras existentes em sítios protegidos pode desaparecer até 2050 em razão do aquecimento global

Paloma Oliveto
postado em 04/11/2022 06:00
 (crédito:  AFP)
(crédito: AFP)

Quando se fala em derretimento de geleiras causado pelas mudanças climáticas, as grandes massas brancas do Ártico, provavelmente, são a primeira imagem que vem à cabeça. Porém, os glaciares existem em todo o mundo e, assim como os gigantes do Polo Norte, estão sendo dissolvidos pelo calor. Um documento divulgado ontem pela Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco) revela que essas formações devem desaparecer até 2050 em um terço dos sítios considerados Patrimônios Mundiais da Humanidade.

Publicado a três dias do início da 27ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP27), o relatório da Unesco destaca que é possível salvar as geleiras dos outros dois terços caso a temperatura global não exceda 1,5ºC em comparação aos níveis pré-industriais. Segundo Audrey Auzolay, diretora-geral da Unesco, "somente uma rápida redução em nossos níveis de emissões de CO2 pode salvar as geleiras e a excepcional biodiversidade que delas depende". "Esse relatório é um apelo à ação. A COP 27 terá um papel crucial para ajudar a encontrar soluções para essa questão", disse, em nota.

As geleiras são corpos de gelo em movimento, que se desenvolvem à medida que a neve acumulada se compacta e cristaliza. A formação de um glaciar leva de décadas a milênios, e seu tamanho varia de acordo com a quantidade de água congelada que retém ao longo da vida útil. É natural que, ao longo do ano, elas ganhem e percam massa devido às variações de temperatura no inverno e no verão. Porém, o ritmo em que isso vem ocorrendo é uma das evidências mais visíveis dos efeitos do aquecimento global.

Cerca de 18,6 mil formações do tipo foram identificadas em 50 sítios do Patrimônio Mundial da Humanidade, abrangendo uma área de 66.000km2, ou 10% da área glaciarizada da Terra. De acordo com a Unesco, estudos com dados de satélite destacam que essas geleiras estão recuando em ritmo acelerado desde 2000. Juntas, elas perdem, em média, 58 bilhões de toneladas de gelo por ano — o equivalente ao volume anual total de água consumida na França e na Espanha — e contribuem para quase 5% do aumento global observado do nível do mar. "As projeções indicam que as geleiras em um terço dos sítios glaciares do Patrimônio Mundial desaparecerão até 2050 independentemente do cenário climático, e geleiras em cerca de metade de todos os sítios poderão quase desaparecer por completo em 2100 em um cenário das emissões atuais", diz o documento.

Colapsos

Entre as geleiras que não devem existir em menos de três décadas, estão as do Parque Nacional Los Alerces, na Argentina, que registraram a segunda maior perda de massa em relação a 2000 (45,6%), e as do Parque Nacional Huascarán, no Peru, que encolheram 15% no mesmo período. Também estão na lista da Unesco os Alpes Italianos, que, em julho, foram cenário de uma tragédia. O rompimento do glaciar Marmolada, na cadeia montanhosa das Dolomitas, deixou 11 mortos e dezenas de feridos.

"O colapso da geleira Marmolada é um desastre natural ligado diretamente às mudanças climáticas", explica Poul Christoffersen, professor de glaciologia da Universidade de Cambridge, no Reino Unido. "Geleiras de alta altitude dependem de temperaturas frias, abaixo de 0ºC, para se manterem estáveis. Mas a mudança climática significa cada vez mais água derretida, podendo levar a geleira rocha abaixo e causar um colapso instável súbito. Colapsos catastróficos de geleiras como os de Marmolada estão se tornando mais frequentes."

Para a COP27, além da exigência da redução drástica das emissões de gases de efeito estufa, a Unesco defende a criação de um fundo internacional para monitoramento e preservação de geleiras. "Quando as geleiras derretem rapidamente, milhões de pessoas enfrentam a escassez de água e o aumento do risco de desastres naturais, como inundações, e outros milhões podem ser deslocados pelo aumento resultante do nível do mar", disse Bruno Oberle, diretor-geral da União Internacional para a Conservação da Natureza. "Esse estudo destaca a necessidade urgente de reduzir as emissões de gases de efeito estufa e investir em soluções baseadas na natureza, que podem ajudar a mitigar as mudanças climáticas e permitir que as pessoas se adaptem melhor aos seus impactos."

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Alerta Global

África

As geleiras em todos os sítios do Patrimônio Mundial na África provavelmente desaparecerão até 2050, incluindo as do Parque Nacional Kilimanjaro e do Monte Quênia.

Ásia

Glaciares nas áreas protegidas de Yunnan (China) registraram a maior perda de massa em relação a 2000 (57,2%) e também o derretimento mais rápido da lista. Os no oeste de Tien-Shan (Cazaquistão, Quirguistão, Uzbequistão) encolheram 27% desde 2000.

Europa

Geleiras nos Pireneus Mont Perdu (França, Espanha) e nas Dolomitas (Itália) muito provavelmente desaparecerão até 2050.

América Latina

As formações no Parque Nacional Los Alerces (Argentina) tiveram a segunda maior perda de massa em relação a 2000 (45,6%). As do Parque Nacional Huascaran (Peru) encolheram 15% desde 2000.

América do Norte

Geleiras no Parque Nacional de Yellowstone e do Parque Nacional de Yosemite (Estados Unidos) muito provavelmente desaparecerão até 2050. As do Waterton Glacier International Peace Park (Canadá, Estados Unidos da América) perderam 26,5% de seu volume em 20 anos.

Oceania

Glaciares em Te Wahipounamu (Nova Zelândia) perderam quase 20% de seu volume desde 2000.

Fonte: World heritage glaciers: sentinels of climate change, Unesco

Saúde em jogo

Uma nova análise da OMA mostra que o número de surtos de doenças relacionadas ao clima no Grande Chifre da África atingiu o nível mais alto neste século, aprofundando a crise em região onde 47 milhões de pessoas já enfrentam fome aguda. A maior parte está lutando contra a pior seca em pelo menos 40 anos, enquanto em outras localidades a população enfrenta inundações e conflitos. "Como continente, somos os menos responsáveis pelo aquecimento global, mas entre os primeiros a experimentar seu trágico impacto", disse Matshidiso Moeti, diretor regional da OMS para a África.

 

Mais incêndios no Ártico

 (crédito: Agência Espacial Europeia/Divulgação )
crédito: Agência Espacial Europeia/Divulgação

O aquecimento global deverá aumentar "dramaticamente" os incêndios florestais no Ártico, nas próximas décadas, potencialmente liberando enormes estoques de carbono orgânico de turfeiras queimadas na atmosfera, de acordo com um estudo publicado na revista Science. Usando dados de satélite, Adrià Descals, do Centro de Pesquisa Ecológica e Aplicações Florestais, na Espanha, descobriu que eventos do tipo na porção siberiana da região queimaram quase 4,7 milhões de hectares em 2019 e 2020, o que representou 44% da área total incendiada no local, nos últimos 40 anos.

De acordo com Descals e os colaboradores, as temperaturas no Ártico — uma das regiões de aquecimento mais rápido do planeta — podem estar caminhando para um limite em que pequenas elevações podem resultar em aumentos exponenciais na área queimada. Os solos do Ártico armazenam grandes quantidades de carbono orgânico, muito do qual está na forma de turfeiras, lembram os autores do artigo.

Embora muitas vezes congelado ou inundado, o solo das turfeiras derrete e seca devido ao aquecimento do clima, aumentando a probabilidade de grandes incêndios florestais. A queima desses ambientes ricos em carbono libera o gás na atmosfera na forma de dióxido de carbono, alimentando um ciclo de retroalimentação desses eventos.

A equipe de Descals usou seis mapas derivados de dados de satélite para avaliar a área queimada anual, no Ártico Siberiano, no período de 1982 a 2020, e os combinou com uma análise de 10 fatores climáticos associados à probabilidade de incêndios, incluindo temperatura e precipitação. Eles descobriram que as taxas mais altas foram em 2019 e 2020, representando 44% de toda a área total queimada no período de estudo, de quase 40 anos. Os incêndios liberaram quase 150 milhões de toneladas de carbono na atmosfera.

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