Doença autoimune caracterizada pela despigmentação da pele, o vitiligo afeta 1% da população mundial — cerca de 8 bilhões de pessoas —, com forte impacto na qualidade de vida dos pacientes. Um novo tratamento descrito na revista The New England Journal of Medicine (NEJM) e recém-aprovado pela Food and Drug Administration, dos Estados Unidos, conseguiu resultados animadores, quando comparado a uma terapia placebo. Depois de um ano de uso, cerca de metade dos participantes que usaram a substância em forma de creme teve 75% ou mais pigmentação no rosto e 50% a mais no corpo, segundo o estudo de fase III.
No mesmo período, um terço dos adultos e metade dos adolescentes afirmaram que as lesões não eram mais perceptíveis ou estavam muito pouco visíveis. A pesquisa foi realizada em 70 centros médicos nos Estados Unidos e na Europa, com 674 pessoas acima de 12 anos, acompanhadas por 52 semanas.
A substância, chamada ruxolitinibe, não ocasionou efeitos colaterais graves — os principais foram acne e coceira no local de aplicação, embora o medicamento seja vendido com tarja preta e com aviso, na bula, de que pode aumentar o risco de infecções graves, problemas cardiovasculares, coagulação, câncer e morte.
Não houve ocorrências do tipo durante a pesquisa — os avisos são baseados na forma oral do remédio, sendo que, na versão em pomada, a concentração do princípio ativo no sangue é muito mais baixa. Porém, o alto custo pode afastar boa parte dos pacientes. Inicialmente, o tubo é vendido por US$ 2 mil (cerca de R$ 10,3 mil), sendo que a duração da embalagem pode ser de semanas ou poucos meses, dependendo da área a ser tratada.
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Incurável
O vitiligo é uma doença autoimune e acontece quando o organismo se volta contra as próprias células produtoras de pigmento. O resultado são despigmentações que podem afetar várias partes do corpo. Embora tratamentos possam melhorar a aparência, não há cura para a enfermidade, que costuma ser crônica. Pessoas com pele mais escura, caso do cantor Michael Jackson, têm lesões mais perceptíveis.
"As lesões provocadas pelo vitiligo geram um impacto significativo na qualidade de vida, no emocional, no psicológico e na autoestima do paciente, podendo, em alguns casos, prejudicar até mesmo a convivência profissional e social do indivíduo", diz Jaqueline Zmijevski, dermatologista pela Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD). "Além de alterações no sistema imunológico, a doença está relacionada à genética, já que pessoas que têm histórico da doença na família apresentam maiores riscos de desenvolver as manchas brancas. Sabe-se também que alterações emocionais, como o estresse, podem agravar a condição já existente ou servir como gatilho em indivíduos predispostos", destaca.
Atualmente, os tratamentos disponíveis incluem esteroides tópicos, inibidores tópicos de calcineurina e fototerapia, segundo o principal autor do estudo publicado no NEJM, David Rosmarin, dermatologista e vice-presidente de educação e pesquisa do Departamento de Dermatologia do Centro Médico Tufts em Boston, nos EUA. "Corticosteroides tópicos e inibidores tópicos de calcineurina ajudam alguns pacientes, mas certamente não todos, e eles também podem ter efeitos colaterais", diz Rosmarin. "Os corticosteroides podem clarear e afinar a pele, e temos que limitar o uso em locais sensíveis do corpo, como rosto, genitais e axilas. E os inibidores de calcineurina podem queimar quando aplicados em alguns pacientes", diz. Já a fototerapia, segundo o médico, é semanal, o que nem sempre é possível para quem sofre da doença.
Bloqueio seletivo
O ruxolitinibe pertence a uma classe de medicamentos chamada inibidores da via JAK, que bloqueiam, seletivamente, a ação do sistema imunológico que destrói os melanócitos, substâncias que pigmentam a pele. "Trata-se do primeiro tratamento aprovado pela FDA para repigmentar a pele de pacientes com vitiligo", destaca Rosmarin. De acordo com o dermatologista, nos estudos multicêntricos, não houve diferença nas respostas dos pacientes com base em etnia, duração da doença ou tamanho das manchas. "Mesmo pacientes com vitiligo há mais de 30 anos ainda podem melhorar com esse tratamento."
Em um editorial publicado na mesma edição do The New England Journal of Medicine, Liv Eidsmo, professora de dermatologia translacional e imunologia na Universidade de Copenhague, na Dinamarca, destacou que o novo tratamento tópico "tem como alvo os locais afetados diretamente e reduz o risco de efeitos sistêmicos". "Os pacientes com vitiligo finalmente têm a esperança de tratamentos eficientes, com vários novos medicamentos imunomoduladores em diferentes fases de ensaios clínicos", acrescentou Eidsmo.
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Preço pode limitar uso
"O estudo TRuE-V1 e V2 pesquisa a eficácia de um grupo de medicamentos chamados inibidores da via JAK no vitiligo. Essas drogas bloqueiam seletivamente a ação das defesas que destroem os melanócitos da derme, com a consequente perda da cor da pele. O aspecto mais inovador desse tratamento, em relação aos anteriores, reside na seletividade dos inibidores da via JAK, uma vez que os primeiros também visam bloquear a ação das defesas contra os melanócitos, mas de forma menos seletiva. Acho que é um estudo interessante e positivo, pois é um primeiro passo que abre as portas para a investigação de novos medicamentos que ajam de forma semelhante. No entanto, a menos que seja comercializado a um preço razoável, acho difícil que o produto seja amplamente aplicado em pacientes com vitiligo, pois não há grande diferença em termos de eficácia em relação a alguns dos tratamentos que já temos disponíveis, e o custo é notavelmente maior. No entanto, seu bom perfil de segurança e facilidade de uso são aspectos positivos a serem considerados."
Gonzalo Segurado, dermatologista especializado em vitiligo no Hospital Ramón y Cajal, em Madri, na Espanha
Descobertos mecanismos que perpetuam a inflamação
Na Universidade da Califórnia, em Irvine, pesquisadores da Faculdade de Medicina descobriram redes únicas de comunicação entre as células que podem perpetuar a inflamação e evitar a repigmentação em pacientes com vitiligo. O estudo, publicado na revista JCI Insight, levanta a possibilidade de um novo tratamento para a forma estável da doença, quando ela estaciona, afirmam os autores. Porém, eles destacam que são necessários mais estudos para compreender os mecanismos observados.
"Nós combinamos imagens avançadas com técnicas genéticas e bioinformática para descobrir as redes de comunicação célula a célula entre queratinócitos, células imunes e melanócitos que impulsionam a inflamação e evitam a repigmentação da pele", disse, em nota, Anand K. Ganesan, professor de dermatologia e vice-presidente de pesquisa em dermatologia da instituição. "Essa descoberta nos permitirá determinar por que manchas brancas continuam a persistir na doença do vitiligo estável, o que pode levar a novas terapêuticas para tratar esta doença."
De acordo com o médico, a destruição de melanócitos no vitiligo ativo é mediada por células do sistema imunológico chamadas T CD8 . Até agora, porém, o motivo pelo qual as manchas brancas na doença estável persistem era pouco compreendido. "A interação entre células imunes, melanócitos e queratinócitos in situ (em loco) na pele humana era difícil de estudar devido à falta de ferramentas adequadas", disse Jessica Shiu, professora-assistente de dermatologia e uma das primeiras autores do estudo.
Porém, a combinação de novas tecnologias conseguiu identificar subpopulações de queratinócitos — um tipo de célula que compõe a derme — nas lesões de pacientes com a doença estável. Os pesquisadores constataram que mudanças nessas estruturas estão associadas ao vitiligo estável. A expectativa dos cientistas, agora, é que novas pesquisas investiguem quando essas mudanças metabólicas surgem e de que maneira é possível evitar o processo de despigmentação.