meio ambiente

ONU diz que, mesmo após Acordo de Paris, emissões de gases não param de subir

ONU lamenta que, diferentemente do acordado em Paris, em 2015, as emissões de gases de efeito estufa não param de subir. Relatório também indica que, no ano passado, retirou-se menos de 1% da quantidade de CO2 projetada para 2030

Paloma Oliveto
postado em 28/10/2022 05:55 / atualizado em 28/10/2022 05:55
 (crédito: PATRICK T. FALLON)
(crédito: PATRICK T. FALLON)

Em vez de reduzir as emissões de gases de efeito estufa, o mundo tem feito justamente o contrário, segundo um relatório divulgado, ontem, pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma). Assim, fica cada vez mais inalcançável a meta de se limitar a 1,5ºC ou, no máximo, 2ºC o aumento da temperatura no fim do século, em comparação com os níveis pré-industriais. O documento, divulgado a uma semana da 27ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP27), no Egito, destaca que as promessas apresentadas pelos signatários do Acordo de Paris "deixam o mundo no caminho certo para um aumento de temperatura de 2,4ºC a 2,6°C até o fim deste século".

Baseado em medições científicas e nos compromissos vinculantes e voluntários apresentados por 166 nações — 154 delas responsáveis por 91% das emissões globais —, o relatório Lacuna das Emissões 2022 conclui que "o progresso foi lamentavelmente inadequado". O objetivo do texto é comparar a diferença entre os planos de descarbonização dos países com o que é considerado necessário para conter o aquecimento global.

No ano passado, na COP26, na Escócia, os países signatários concordaram em fortalecer as chamadas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), metas nacionais que visam reduzir o lançamento de gases de efeito estufa na atmosfera. Porém, poucas foram as atualizações. O documento mostra que as "novidades" brasileiras levadas a Glasgow, por exemplo, não alteram em nada os compromissos originais, de 2015. Globalmente, em 2021, as NDCs conseguiram retirar somente 0,5 gigatonelada de CO2, equivalente a menos de 1% da redução de emissões globais projetadas em 2030. Para alcançar a meta de 1,5ºC, deveria haver um corte de 45% nos níveis atuais em oito anos.

No lançamento do relatório, a diretora executiva do Pnuma, Inger Andersen, endureceu o discurso e afirmou que, apesar das promessas feitas na capital da Escócia, "não há uma trajetória crível" para limitar o aquecimento. "Estamos escorregando de uma crise climática para um desastre climático", afirmou Andersen. "Mesmo que não atinjamos nossas metas para 2030, devemos nos esforçar para chegar o mais próximo possível de 1,5°C", destacou.

Andersen também insistiu na importância de focar as ações nos objetivos previstos. "É uma meta alta, e alguns diriam impossível, reformar a economia global e reduzir quase pela metade as emissões de gases de efeito estufa até 2030, mas devemos tentar. Cada fração de grau importa para comunidades vulneráveis, espécies e ecossistemas, e para cada um de nós."

Mudança radical

Com o que foi apresentado e feito até agora, o relatório aponta para um futuro muito quente. A estimativa é a de que as NDCs incondicionais (que dependem apenas do país que as apresentou) limitem o aquecimento a 2,6ºC. Já as condicionais, que precisam de apoio externo, levariam a um aumento de 2,4ºC, em comparação aos níveis pré-industriais. "As políticas atuais por si só levariam a um aumento de 2,8°C, destacando as implicações da lacuna entre promessas e ações para a temperatura", informa o texto.

"Esse relatório nos diz, em termos científicos, o que a natureza tem nos dito, durante todo o ano por meio de inundações mortais, tempestades e incêndios violentos: temos que parar de encher nossa atmosfera com gases de efeito estufa e parar de fazê-lo rapidamente", disse Andersen. "Tivemos nossa chance de fazer mudanças incrementais, mas esse tempo acabou. Somente uma transformação radical de nossas economias e sociedades pode nos salvar de acelerar o desastre climático."

Segundo o relatório do Pnuma, emissões líquidas zero de gases de efeito estufa nos setores de eletricidade, indústria, transporte e construção civil precisam acelerar. "O (setor de) fornecimento de eletricidade está mais avançado, pois os custos da energia renovável reduziram drasticamente. No entanto, o ritmo da mudança deve aumentar juntamente com medidas para garantir uma transição justa e acesso universal à energia", diz o texto.

Os sistemas alimentares, que respondem por mais de 30% das emissões de gases de efeito estufa, também têm de sofrer reformas, diz o Pnuma. Ações nessa área podem reduzir as emissões projetadas do sistema alimentar para 2050 para cerca de um terço dos níveis atuais. Porém, se as práticas forem mantidas, elas devem dobrar no período.

Greenwashing

O descompasso entre o que os governos prometem e o que, de fato, fazem, evidenciado pelo relatório Lacuna das Emissões 2022, do Pnuma, irritou o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres. Em um vídeo divulgado para a ocasião do lançamento da publicação, ele destacou que "o mundo não pode mais permitir o greenwashing" — a expressão, em inglês, significa ter um discurso de sustentabilidade ambiental e, ao mesmo tempo, incentivar o uso de combustíveis fósseis.

"Os compromissos de neutralidade do carbono não valem nada sem planos, políticas e ações que os apoiem", disse. O recado foi especialmente para o G20, grupo das 20 maiores economias mundiais, além do setor privado e de instituições financeiras. "A janela para limitar o aumento da temperatura global a 1,5ºC está se fechando rapidamente. As emissões de gases de efeito estufa devem ser cortadas em 45% nesta década, mas, como confirma o relatório de lacunas de emissões de hoje (ontem), elas permanecem em níveis perigosos e recordes e ainda estão subindo", enfatizou o secretário-geral da ONU.

Segundo Gutierrez , mantidas as políticas atuais, o mundo caminha para 2,8ºC de aquecimento global até o fim do século. "Em outras palavras, estamos caminhando para uma catástrofe global. A lacuna de emissões é um subproduto de uma lacuna de compromissos. Uma lacuna de promessas. Uma lacuna de ação." Ele também insistiu na necessidade de se abandonar o modelo de exploração de combustíveis fósseis e "investir massivamente em energias renováveis". "Para acelerar a implantação de energias renováveis, é hora de um pacto histórico entre as economias desenvolvidas e emergentes do G20 para turbinar a transição energética justa", destacou.

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Zona mais segura

"O relatório é um lembrete de que, devido à inadequação dos atuais compromissos políticos, estamos queimando rapidamente os combustíveis fósseis que realmente precisariam permanecer no solo se esperamos limitar o aumento da temperatura média global a 1,5°C. Essa meta de 1,5°C existe por um motivo — é o aumento da temperatura que pode nos manter na zona de pouso mais segura em relação aos impactos das mudanças climáticas. Quanto mais perdemos esse objetivo, mais enfrentaremos os efeitos de eventos extremos, como ondas de calor, secas e incêndios florestais. Superar a meta significará que as sociedades em todo o mundo incorrerão em maiores custos de eventos extremos. Também custará mais para reduzir as temperaturas ao nível de 1,5°C até o fim do século porque precisaremos implementar tecnologias de emissões negativas de forma mais agressiva para recapturar o excesso de CO2 que devemos emitir. Evidentemente, precisamos de políticas mais ambiciosas se quisermos pousar na zona mais segura, especialmente no caso dos maiores emissores."

Matthew Jones, especialista do Centro Tyndall de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas da Universidade de East Anglia, na Inglaterra

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