Evidências fósseis recentes sugerem que os humanos modernos (Homo Sapiens) e os neandertais (Homo neanderthalensis) podem ter coexistido na Europa por até 5.000 a 6.000 anos antes dos neandertais serem extintos. No entanto, são poucas as evidências da coexistência em nível regional das duas espécies, e é difícil estabelecer quando elas apareceram e desapareceram em determinadas regiões.
Um estudo publicado, ontem, na revista Scientific Reports traz estimativas mais precisas sobre o fenômeno. O trabalho, desenvolvido na Universidade de Leiden, nos Países Baixos, indica que humanos modernos podem ter coexistido com os neandertais na França e no norte da Espanha entre 1.400 e 2.900 anos antes do desaparecimento dos nossos primos mais próximos.
Para chegar à conclusão Igor Djakovic e colegas analisaram um conjunto de dados de 56 artefatos, 28 usados por neandertais e 28 por humanos modernos, de 17 sítios arqueológicos da França e do norte da Espanha, bem como 10 espécimes neandertais adicionais da mesma região. Todos os instrumentos, como facas de pedras e ossos, foram datados por radiocarbono, por meio de técnicas modernas robustas, dando mais precisão à análise.
Os autores também usaram ferramentas de modelagem consistentes, como estimação linear ótima e modelagem Bayesiana, para estimar os intervalos de datas para essas amostras e as populações responsáveis, além de inferir as datas mais antigas e mais recentes em que esses grupos humanos poderiam estar presentes nos locais em que os materiais foram encontrados.
A análise indicou que os artefatos neandertais apareceram, pela primeira vez, entre 45.343 e 44.248 anos atrás e desapareceram entre 39.894 e 39.798 anos atrás. A data da extinção dos neandertais, baseada em restos neandertais datados diretamente, foi entre 40.870 e 40.457 anos atrás. Estima-se que os humanos modernos apareceram, pela primeira vez, entre 42.653 e 42.269 anos atrás.
Esses dados, concluem os autores, sugerem que as duas espécies de humanos coexistiram nessas regiões por entre 1.400 e 2.900 anos. Não é possível, porém, indicar como ou se os humanos modernos e os neandertais interagiram. "Se essa coexistência apresentou ou não alguma forma de interação direta, no entanto, é algo que continua a ser resolvido", enfatizam os autores do estudo.
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Nobel
Outros estudos científicos, porém, trazem dados significativos sobre a ocorrência do contato. Ganhador do Prêmio Nobel de Medicina deste ano, o paleogeneticista sueco Svante Pääbo, por exemplo, desenvolve um trabalho que mostra que boa parte da população mundial guarda DNA dos neandertais.
O que falta ser averiguado é "em que região exata ocorreram" esses possíveis encontros, diz Igor Djakovic, em entrevista à agência France-Presse de notícias (AFP). Quanto às descobertas publicadas ontem na Scientific Reports, o autor diz que o período de coexistência constatado é uma fase "que coincide com uma grande difusão de ideias" entre neandertais e os homens modernos. O especialista enfatiza que a forma como os Homo sapiens fabricavam objetos mudou substancialmente, E os neandertais, por sua vez, também mudaram de "forma bastante radical" as maneiras de produzir os seus instrumentos, que eram parecidas com os dos seres humanos.
Esse fenômeno reforçaria a tese que explica o desaparecimento dos neandertais. "Foram absorvidos em nosso patrimônio genético", indica Djakovic, também doutorando da Universidade de Leiden. Ao permanecer em nosso DNA, "você pode dizer que, de certa forma, o neandertal nunca desapareceu realmente", afirma o pesquisador.
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Uma oficina de armas
Muitos fósseis primitivos de Homo sapiens foram encontrados no sudeste da Europa, presumivelmente porque eles entraram no continente pela primeira vez através da Península Balcânica. Ainda assim, poucos fósseis foram encontrados em associação com restos culturais. Um artigo publicado na última edição da revista Scientific Reports fornece insights sobre a vida e o artesanato dos primeiros humanos modernos na Europa, há cerca de 40 mil anos.
O trabalho de um grupo internacional de cientistas relata escavações recentes no oeste da Romênia, em Româneti, considerado uma importante região para observar como os primeiros Homo sapiens europeus lidaram com seus novos ambientes. Os pesquisadores descobriram que os artefatos em Româneti eram voltados para a produção de lâminas de pedra lascada altamente padronizadas e que elas poderiam ter composto flechas ou lanças.
Além disso, pedras de amolar específicas podem ter sido usadas para endireitar hastes de madeira, sugerindo que Româneti era uma espécie de oficina de projéteis. Isso é corroborado ainda por análises microscópicas das superfícies dos artefatos, que demonstram que a maioria deles não foi utilizada.
Com base em evidências geoquímicas, os autores acreditam que as peças eram levadas para locais a mais de 300km de distância. Segundo os autores, os resultados das novas escavações em Româneti indicam mudanças nas formas de subsistência do homem moderno em comparação com os neandertais, ajudando a explicar o sucesso do primeiro.
"Fósseis contemporâneos próximos indicam que Homo sapiens e os neandertais se cruzaram, mas ainda não sabemos o que isso significa para as maneiras pelas quais seus estilos de vida mútuos estavam mudando e como podemos ver isso em seus restos arqueológicos", disse Jacopo Gennai, do Instituto de Arqueologia da Universidade de Colônia. "O próximo passo é tentar elaborar a relação desses primeiros Homo sapiens com os primeiros neandertais." Além da Universidade de Colônia, na Alemanha, participaram da escavação as universidades de Leiden, na Holanda, e de Pisa, na Itália.