"É possível construir moléculas eficazes seguindo uma rota óbvia", garante Johan Aqvist, membro do Comitê Nobel de Química. Isso graças ao trabalho desenvolvido pelos três premiados na categoria neste ano: o dinamarquês Morten Meldal e os americanos Barry Sharpless e Carolyn Bertozzi. Eles desenvolveram duas ferramentas — a química do clique e a química da química bio-ortogonal — que permitem a criação de produtos e materiais de forma "fácil e simples".
Entre desdobramentos inovadores do trabalho do trio estão o desenvolvimento de medicamentos mais avançados contra o câncer e o mapeamento de DNA. "As descobertas lançaram as bases para uma forma funcional da química (...) Como resultado, a humanidade é a que mais se beneficia", enfatizou o comitê ao anunciar os escolhidos.
Sharpless, 81 anos, venceu o prêmio pela segunda vez. Ele e Meldal, 58, foram reconhecidos pelo trabalho pioneiro com a química do clique. Com a química bio-ortogonal, Bertozzi, 55, a primeira mulher laureada deste ano, levou essas reações ao interior das células vivas.
O conceito de química do clique foi cunhado por Sharpless, da Universidade La Jolla, na Califórnia, no início deste século, para se referir a um mecanismo modular e rápido de construção de moléculas. Ele e Meldal, da Universidade de Copenhague, na Dinamarca, desenvolveram o método em trabalhos paralelos. A ferramenta é baseada em duas moléculas facilmente preparadas em laboratório: azida e alcino.
A inclusão de íons de cobre faz com que as duas moléculas se liguem, o que lembra o clique de um cinto, abrindo a possibilidade de criação de uma infinidade de moléculas. É possível, inclusive, clicar materiais distintos: um plástico com um repelente ou um antibacteriano, por exemplo.
Presidente da Sociedade Americana de Química, Angela Wilson compara o processo à forma como usamos um conhecido brinquedo. "É possível observar como um conjunto de Lego. A química do clique é como unir duas peças", ilustra à agência France-Presse de notícias (AFP). Segundo Sharpless, mesmo que a "química do clique" não possa criar cópias exatas de moléculas naturais, é possível construir blocos moleculares com funções similares e com potencial de produção em larga escala.
A opinião é compartilhada por Angela Wilson "As empresas emergentes estão começando a utilizar essas tecnologias, mas ainda estamos nas primeiras fases de seu uso. Acredito que vai revolucionar tudo, da medicina até os materiais", avalia. "Estamos vendo apenas a ponta do iceberg, mas o que eles estão fazendo na Química vai mudar o mundo."
"Novo nível"
O trabalho Bertozzi permite justamente a aplicação médica e farmacêutica da inovação. A ferramenta criada por ela — a química bio-ortogonal — possibilita que o clique entre moléculas seja iniciado em um organismo vivo sem perturbar ou modificar a sua estrutura química. "Podemos pegar dois Legos e fazer com que se encaixem mesmo que estejam cercados por milhões de peças de brinquedo parecidas. E não vão se encaixar com os outros", ilustra a professora da Universidade de Stanford.
Segundo o júri do Nobel, "Carolyn Bertozzi levou a Química a um novo nível". O comitê enfatiza que o processo é usado "globalmente para explorar células e rastrear processos biológicos". "Graças às reações bio-ortogonais, os pesquisadores melhoraram os medicamentos anticâncer que estão sendo testados em ensaios clínicos", informa. Trabalha-se, por exemplo, no desenvolvimento de medicamentos que produzam anticorpos que possam ser clicados contra tumores diversos.
Ao saber da premiação, Bertozzi lembrou de familiares e amigos que enfrentaram doenças com tratamentos limitados: "Sempre tive a esperança de que, como cientista, pudesse contribuir para melhorar a saúde humana a curto, longo prazo ou mesmo após a minha morte".
Meldal, por sua vez, disse ter ficado "muito surpreso e muito orgulhoso" por receber o Nobel. "Há tantas descobertas boas e desenvolvimentos no mundo. É incrível estar nesta situação", disse à rádio pública sueca.
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Vencedores em listas ainda mais seletas
Dois dos premiados no Nobel de Química de 2022 entram para listas de cientistas ainda mais seletas. Barry Sharpless é o quinto da história a ganhar duas vezes o prêmio. Carolyn Bertozzi, por sua vez, é a primeira mulher anunciada neste ano e a oitava escolhida nessa categoria, entre um total de 189 laureados.
"Estou feliz por aumentar um pouco esse número. Compreendo a gravidade do assunto, já que, por toda a minha vida, fui uma pessoa subrepresentada na ciência", declarou a ganhadora à agência France-Presse de notícias (AFP). Até ontem, o prêmio havia sido concedido a 28 organizações e 954 pessoas — dessas 59 são mulheres. Hoje, será anunciado o Nobel de Literatura. Na sexta, o da Paz. E na segunda, o de Ciências Econômicas.
No ano passado, de 13 escolhidos, houve uma mulher: a jornalista filipina Maria Ressa dividiu o prêmio com o também jornalista russo Dmitry Muratov o Nobel da Paz.
Duas vezes
Barry Sharpless entrou ontem na lista de laureados pelo trabalho que trouxe mais funcionalidade à Química. Antes, em 2001, foi premiado na mesma categoria devido a outro método de construção de moléculas: reações de hidrogenação quirais catalisadas. Havia 42 anos que um cientista não atingia tamanha façanha.
Uma mulher faz parte do grupo dos duplamente premiados: a francesa de origem polonesa Marie Curie venceu o de Física em 1903 e o de Química em 1911 . No primeiro caso, por pesquisas na área de radiação. Depois, pela descoberta dos elementos químicos rádio e polônio.
As indicações têm início um ano antes do anúncio dos vencedores. Cientistas, professores, acadêmicos e vencedores de outras edições enviam nomes para a consideração do Comitê Nobel, que decide quais serão os indicados de fato. Não é possível que uma pessoa indique a si mesma para a seleção.
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