A história é conhecida: tão logo a diarreia começa, as pessoas se perguntam sobre o que comeram que pode ter feito mal e o que devem comer a partir dali para melhorar — ou, ao menos, não piorar ainda mais — o quadro.
Especialistas recomendam que antes de tudo deve-se garantir que a pessoa não fique desidratada, principalmente crianças e idosos. E só depois se avalie o que deve ou não comer. Há alimentos que são recomendados para a população em geral, mas esse "cardápio" dependerá mesmo das características de cada pessoa, como histórico de saúde, idade e intensidade da diarreia.
Além disso, é importante entender que não se trata apenas de alimentos recomendados ou não, mas também de como são armazenados, preparados e servidos.
Cada caso é um caso, e cabe a um profissional especializado orientar o que deve ser feito. Mas, em geral, especialistas não recomendam alguns tipos de comidas que costumam agravar quadros de diarreia na população em geral. A exemplo de alimentos gordurosos, apimentados, fritos e doces, além de sucos, bebidas alcóolicas e alimentos integrais ou com fibras dietéticas insolúveis (como feijão e trigo integral).
A diarreia é um movimento intestinal que aumenta a frequência de defecações, muda a quantidade e a consistência das fezes (que se tornam aquosas e soltas) e pode ser acompanhada de dor abdominal e desidratação (boca seca, muita sede, urina escura ou em menor quantidade e falta de disposição).
Há diversas causas possíveis para a diarreia, como infecções, inflamações, intoxicação alimentar, intolerância e alergia alimentar, alimentação desbalanceada, covid-19, efeitos colaterais de remédios, estresse ou condições crônicas, como câncer, doença de Crohn, retocolite ulcerativa e síndrome do intestino irritável.
A diarreia pode ser comum, mas é uma condição de saúde séria que pode até matar caso não seja tratada corretamente. De 2000 a 2015, houve mais de 3,4 milhões de internações hospitalares e 72 mil mortes no Brasil por doença diarreica, aponta um estudo de pesquisadores da UPF e da Unoesc.
"(A diarreia) é considerada um dos sinais de patologias mais comuns da humanidade, com impacto social elevado, uma vez que é a terceira causa de óbito em crianças com menos de 5 anos de vida, sendo o seu manejo adequado fundamental para a diminuição da mortalidade infantil", afirmam Victor Kuiava, Ana Thereza Perin e Eduardo Chielle, autores desse estudo.
Especialistas ressaltam que a diarreia afeta todas as faixas etárias e classes sociais, mas ela costuma estar mais associada a condições precárias de vida. Segundo dados do Unicef, quase 60% das mortes por diarreia são consequência de acesso precário à água encanada, problemas de higiene e saneamento básico precário.
Segundo a Sociedade Brasileira de Medicina da Família e Comunidade, os sintomas da diarreia incluem desconforto e distensão abdominal, cólica, excesso de gases, náusea e vômitos. Pode haver também presença de sangue ou pus na diarreia (quadro de disenteria).
Especialistas e autoridades de saúde recomendam buscar atendimento médico em caso de diarreia que dure mais de uma semana, sangue, pus ou muco nas fezes, vômito persistente, dor abdominal contínua ou severa, perda de peso, palpitações, sinais de desidratação ou mudanças na cor das fezes.
O que se deve comer ou não em casos de diarreia?
"A hidratação e a alimentação são os pilares do tratamento das diarreias em todas as idades, sobretudo em bebês e crianças pequenas", explicou à BBC News Brasil a pediatra Luciana Rodrigues Silva, vice-presidente da Associação Médica Brasileira (AMB) e professora da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
Como dito acima, ela pode causar desidratação e perda de nutrientes, duas complicações consideradas urgentes e preocupantes, principalmente em crianças e idosos, que são mais sensíveis e desidratam com mais rapidez.
Quando se fala em combater a desidratação, logo se pensa em soro caseiro e na popular receita divulgada pelo Ministério da Saúde: um copo de 200 ml de água filtrada e fervida misturada com um punhado de açúcar e uma pitada de três dedos de sal. Essa mistura se dá porque a água hidrata o corpo, mas não repõe a perda de sódio e potássio, por exemplo.
Hoje, existem também soluções prontas, geralmente em pó, vendidas em farmácias sem necessidade de prescrição médica. Essa substância é dissolvida em água e todas as pessoas podem tomar. Para obter uma terapia de reidratação oral pelo Sistema Único de Saúde (SUS), recomenda-se buscar atendimento em uma unidade de saúde.
Mas para além da hidratação em si, o que deve ser feito com a alimentação como um todo?
Uma das primeiras dúvidas que surgem é: deve se comer ou jejuar, como uma espécie de "descanso" para o intestino?
De maneira geral, estudos afirmam que a alimentação precoce pode reduzir a gravidade, a duração e as consequências nutricionais da diarreia. Mas parte dos profissionais de saúde podem recomendar o oposto para alguns casos bem específicos com adultos, jejuando no primeiro dia a fim de evitar a má absorção intestinal.
No caso de crianças acima de seis meses, é consenso entre especialistas que se mantenha a alimentação e que, novamente, ela seja examinada e acompanhada por um profissional de saúde especializado.
Alguns estudos dizem que a redução da ingestão de alimentos pode contribuir para o ressurgimento da diarreia ou para um quadro de desnutrição.
Muitas vezes crianças e adultos perdem o apetite em situações assim, acompanhadas de vômitos, mas não se deve forçá-las a nada. A alimentação deve ser retomada gradualmente.
Outra dúvida comum: deve-se tomar remédio ou ingerir alimentos para tentar parar a diarreia?
Especialistas não indicam qualquer tentativa para interromper esse processo porque a diarreia é uma manifestação de defesa do corpo, e tentar pará-lo pode afetar o combate a alguma toxina de alguma bactéria que causa inflamação no intestino, por exemplo.
Mas há, sim, alimentos que são recomendados de maneira geral para todas as pessoas para aliviar ou não agravar sintomas, como frango sem gordura, peixe (não gorduroso), carne magra, arroz branco, maçã sem casca, cenoura, batata, caldo de feijão e banana.
Esses são os chamados alimentos obstipantes, que geralmente levam a uma redução da quantidade de fezes e um aumento no tempo de "trânsito intestinal", o que ajuda a aliviar sintomas e prevenir complicações como a desidratação e a perda de peso, explica um guia da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM).
Vale lembrar que algumas pessoas podem ter problemas específicos com esses alimentos, como intolerância ou alergia.
Há algumas dietas populares para tratar diarreia e distúrbios gastrointestinais, como a Brat e a dieta baixa em Fodmap. Mas ambas não podem ser seguidas sem orientações médicas porque podem levar a deficiências nutricionais e calóricas.
A sigla Brat vem de banana, arroz, purê de maçã e torrada. Ela pode aliviar sintomas, pois tem bastante amido e poucas fibras, mas jamais deve ser usada com frequência.
A dieta baixa em Fodmap é uma das dietas voltadas a condições como síndrome e doença do intestino irritável. Nela, recomenda-se que se consuma em menor quantidade leguminosas como grão de bico, lentilhas e feijão, frutose como a de maçãs, adoçantes, frutos como brócolis, couve de bruxelas, cebola, trigo, centeio, leite e laticínios.
Mas depende de cada pessoa, e aquelas com condições como a doença de Crohn, por exemplo, são inclusive orientadas a manterem registros do que comem e dos efeitos desses alimentos no intestino para que esse controle seja mais preciso e individualizado.
Vale lembrar que pensar em dieta para um quadro diarreico não se resume à escolha dos alimentos, mas também à forma que essas comidas foram armazenadas, preparadas e servidas.
A pergunta que se segue então é: o que não se deve comer durante a diarreia?
Mais uma vez: cada caso é um caso, e pessoas podem responder de forma diferente aos mais diferentes alimentos.
Mas há uma série de alimentos que costumam não ser recomendados para quem tem diarreia na população em geral. Como dito acima, isso inclui os gordurosos, apimentados, as frituras, os doces, entre outros.
Alguns desses alimentos são considerados laxantes ou laxativos, porque aumentam a atividade do intestino, a quantidade de fezes e estimulando o peristaltismo intestinal (ligado à movimentação dos alimentos pelo intestino).
A lista de alimentos não recomendados de maneira geral inclui:
- Bebidas alcoólicas, com cafeína ou gaseificadas;
- Frituras;
- Açúcares e adoçantes;
- Leguminosas;
- Azeites e óleos;
- Pimentas;
- Pães integrais e/ou com semente;
- Especiarias como páprica;
- Doces e guloseimas;
- Fibras;
- Embutidos;
- Castanhas;
- Frutas com casca;
- Abacate;
- Farinha integral;
- Sementes e bagaços;
- Queijos gordos e maturados;
- Cevada e centeio;
- Ultraprocessados refinados;
- Alto teor de gordura, ainda que seja salmão;
- Comidas que dão efeito laxante;
- Sucos têm alto nível de frutose, o que acelera o trânsito intestinal, portanto devem ser evitados;
- Laticínios.
"Leites e derivados podem irritar o cólon e aumentar a formação do bolo fecal e, com isso, provocar diarreia", afirma à BBC News Brasil o nutrólogo Durval Ribas Filho, presidente da Associação Brasileira de Nutrologia.
"Além disso, alguns alimentos provocam reações imunológicas, como ovos, leite, soja, peixes e frutos do mar, ou seja, eles opõem-se aos alérgenos e motivam diarreia, náuseas, vômitos, diarreia, falta de ar, edema labial e rubor da pele."
Quais são as principais causas de diarreia?
As causas podem ser as mais diversas.
Segundo a Sociedade Brasileira de Medicina da Família e Comunidade, do ponto de vista prático, a diarreia pode ser aguda ou crônica.
A aguda, que costuma durar alguns dias, geralmente é causada por vírus, bactérias ou parasitas; alimentos contaminados, alimentos com grande quantidade de fibras, café, chás, refrigerantes, leite e seus derivados, chocolate; medicações como antiácidos, laxantes; ingestão de açúcares não absorvíveis; isquemia intestinal; impactação fecal; inflamação pélvica.
A crônica, que costuma durar semanas, costuma ter como causas doenças inflamatórias do intestino, cânceres intestinais, alterações da imunidade como Aids e alergias alimentares.
Quadros diarreicos também podem surgir devido a estresse e medicamentos como antibióticos, laxantes e para cirurgia bariátrica, acrescenta Ribas Filho, da Associação Brasileira de Nutrologia.
Em relação às causas da diarreia infantil, Silva, da Associação Médica Brasileira, afirma que as principais causas são infecciosas, sobretudo virais e bacterianas.
A diarreia infecciosa, que vem da ingestão de alimento contaminado, pode se manifestar horas ou dias após o consumo. Bactérias como a Salmonella sp. e Escherichia coli (ou E. coli) podem demorar dias para manifestar sintomas, mas a Staphylococcus aureus pode apresentar sintomas meia hora depois da ingestão.
A inflamação do trato intestinal, chamada de gastroenterite aguda, afeta estômago e intestino e pode ser causada por consumo de água e alimentos contaminados. Atualmente, há vacina disponível para crianças contra o rotavírus, ligado à diarreia aguda infantil.
Mas a gastroenterite aguda também atinge adultos e idosos. Outros vírus também podem causá-la, como adenovírus, norovírus e astrovírus. Lembrando que o vírus é transmitido pelo contato com outras pessoas que estejam contaminadas, ou objetos, superfícies.
Outra possível causa é a colite microscópica, frequentemente mais comum em idosos, pode estar associada a doenças celíacas e outras condições. Ela pode causar diarreia crônica, mas sem a presença de sangue.
Casos de diarreia com presença de sangue ou pus podem ser um quadro de disenteria ou estar ligados a uma condição crônica.
Uma delas é a síndrome do intestino irritável, um distúrbio funcional gastrointestinal que pode tanto causar diarreia quanto prisão de ventre. Outras são as doenças do intestino irritável, a retocolite ulcerativa e a doença de Crohn, marcadas por inflamações e quadros de diarreia.
Há, por fim, a diarreia causada por câncer de intestino. Este é um tumor maligno que atinge o intestino grosso (cólon e reto), e altera o hábito intestinal, podendo manifestar tanto diarreia quanto prisão de ventre.
Há três sinais principais a serem verificados (a presença deles não significa que a pessoa necessariamente tem câncer):
- sangue nas fezes sem nenhum motivo aparente — pode ser um vermelho claro ou escuro;
- mudanças na hora de defecar — como ir ao banheiro com mais frequência ou mudanças nas fezes em si (mais moles ou mais duras);
- dor abdominal ou inchaço, com sensação de barriga cheia e dura.
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