Há milênios, a malária tem sido um dos piores inimigos da humanidade, matando aos milhares, sem nenhuma ferramenta suficientemente forte para detê-la. Essa história, porém, pode estar prestes a mudar, segundo pesquisadores da Universidade de Oxford. Em um artigo publicado na revista The Lancet Infectious Diseases, os autores divulgaram o resultado de um estudo de fase 2 da vacina R21/Matrix-M. A dose de reforço, após um regime de três aplicações, manteve os índices de proteção, que chegaram a 80% do grupo que recebeu a quantidade máxima da substância.
Já existe uma vacina para a doença, a Mosquirix, da GlaxoSmithKline. Contudo, a eficácia é baixa, com uma prevenção de apenas 39% — para a Organização Mundial da Saúde (OMS), apenas um imunizante com mais de 75% de proteção é capaz de deter a malária, que matou 640 mil pessoas em 2020 e afetou 241 milhões. Além disso, a capacidade de produção da substância é reduzida, o que impede uma vacinação em massa, necessária para enfrentar a endemia. Ambas substâncias têm como alvo a doença provocada pelo Plasmodium falciparum, o tipo mais grave e letal.
O estudo de Oxford, realizado com 450 crianças em Burkina Faso, testou a eficácia do reforço da R21, cuja dose inicial ofereceu 77% de proteção em 2021, a 409 meninos e meninas. Depois de 12 meses e três aplicações, os bebês, todos com menos de 18 meses no início da pesquisa, receberam mais uma injeção. Eles foram divididos em três grupos: dois com diferentes dosagens e um terceiro de placebo.
Entre as crianças que receberam as doses mais altas, a proteção foi de 80%; nas demais, de 70%. Vinte e oito dias depois do reforço, os níveis de anticorpos foram restaurados para os que se seguiram à vacinação primária, e não foram observados efeitos adversos graves, disseram os autores.
"É fantástico ver essa alta eficácia novamente após uma única dose de reforço da vacina. Atualmente, estamos fazendo um grande ensaio de fase 3 destinado a licenciar essa vacina para uso generalizado no próximo ano", contou, em nota, Halidou Tinto, professor de parasitologia em Oxford e pesquisador principal da R21. O estudo incluirá 4,8 mil crianças de 5 a 36 meses em quatro países africanos e deve começar ainda em 2022.
"Estamos muito satisfeitos em descobrir que um regime padrão de imunização de quatro doses pode agora, pela primeira vez, atingir o alto nível de eficácia ao longo de dois anos que tem sido um alvo aspiracional para vacinas contra a malária por tantos anos", complementou Lakshmi Mittal, professor de vacinologia e coautor do estudo.
A produção do imunizante está licenciada para o Instituto Serum, na Índia. Gareth Jenkins, diretor do Malaria No More UK, uma organização não governamental que ajudou a financiar a pesquisa, destacou que, "com o apoio certo, o mundo pode acabar com as mortes de crianças por malária". Jenkins também instou a primeira-ministra britânica, Liz Truss, a investir no Fundo Global de Combate à Aids, tuberculose e malária, lançado, em setembro, por iniciativa dos Estados Unidos. "Esse será o primeiro teste de política externa da nova primeira-ministra — pelo bem da vida de milhões de crianças e da segurança global da saúde, é um teste no qual o gabinete não pode pode falhar."
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Extinção
Azra Ghani, epidemiologista do Imperial College de Londres, acredita que, com a nova vacina e o apoio contínuo do Fundo, será possível eliminar a malária. Comentando os resultados publicados na The Lancet, a especialista em doenças infecciosas destaca dois aspectos "particularmente encorajadores do ponto de vista científico": "Primeiro, a demonstração de que os títulos de anticorpos podem ser restaurados com o reforço dessa vacina. Segundo, que os títulos de anticorpos se correlacionam com a proteção contra a doença clínica. Em conjunto, esses dados indicam que níveis semelhantes de eficácia da vacina podem ser alcançados fora do ambiente altamente sazonal em que esse estudo em particular foi realizado".
No Brasil, uma vacina nacional contra o tipo de malária que mais atinge as Américas, o Plasmodium vivax, deve começar a ser testada em humanos em 2030. Quase 90% dos casos no país são transmitidos por esse protozoário. Os estudos com modelos animais, publicados em junho na revista Frontiers, mostraram que a substância ativou células de defesa, além de produzir anticorpos específicos. Em entrevista ao Jornal da USP, informativo da Universidade de São Paulo, a professora Irene Soares, que coordena o trabalho, disse que o imunizante para o ensaio clínico está sendo produzido na Universidade de Nebraska, nos Estados Unidos.