Estima-se que nove em cada dez pacientes diagnosticados com transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) consigam melhorar com medicamentos e psicoterapia. Contudo, para o restante, essas abordagens não têm efeito, e os pensamentos obsessivos e persistentes, além dos comportamentos disfuncionais e ritualizados, não vão embora. Cerca de 3% da população mundial é afetada por essa condição, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Como alternativa para os casos refratários, cientistas têm proposto o uso de estimulação cerebral profunda (DBS, sigla em inglês), uma técnica já bem estabelecida para doença de Parkinson. Um artigo de revisão de 34 estudos publicado no Journal of Neurology Neurosurgery & Psychiatry mostrou que a DBS pode reduzir pela metade os sintomas de TOC grave. Além disso, dois terços dos pacientes relataram melhora substancial passados dois anos do implante.
A estimulação cerebral profunda consiste na colocação de eletrodos em certas áreas do cérebro para regular impulsos elétricos anormais. Eles ficam conectados a um neuroestimulador implantado sob o couro cabeludo ou abaixo da clavícula. O funcionamento é semelhante ao de um marcapasso cardíaco, e a programação da intensidade dos estímulos é feita periodicamente com um pequeno aparelho eletrônico que o profissional de saúde aproxima do neuroestimulador.
Há mais de uma década, a técnica tem beneficiado pacientes de Parkinson, reduzindo os tremores e a rigidez muscular que caracterizam a doença. A abordagem bem-sucedida incentivou cientistas a investigar o potencial da DBS para pessoas com TOC grave resistente à terapia padrão. Para atualizar a literatura médica sobre a eficácia nesses casos, os pesquisadores revisaram e ajustaram os resultados de 34 ensaios clínicos publicados de 2005 a 2021, buscando saber até que ponto a estimulação alivia sintomas do transtorno e de comorbidades comuns, como depressão.
Os estudos incluíram 352 adultos com idade média de 40 anos e TOC grave a extremo, cujos sintomas não melhoraram apesar do tratamento. Em 23 deles, os participantes precisavam apresentar sinais persistentes por cinco ou mais anos antes de se considerar o implante. Dos 11 restantes, um exigiu mais de uma década de sintomas e dois ou mais anos de falha de tratamento; outro estabeleceu pelo menos um ano de falha; e cinco não especificaram requisitos.
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Depressão
Em média, os participantes relataram que os sintomas persistiam por 24 anos. Problemas de saúde mental coexistentes foram relatados em 23 estudos e incluíram depressão maior (em mais da metade dos pacientes), transtorno de ansiedade e de personalidade. O período médio de monitoramento após estimulação cerebral profunda foi de dois anos.
A análise final dos dados agrupados mostrou que a estimulação cerebral profunda reduziu os sintomas em 47%, e dois terços dos participantes tiveram uma melhora substancial durante o período de monitoramento. Uma avaliação secundária revelou uma redução nos sintomas depressivos relatados, com resolução completa em quase metade dos participantes e resposta parcial em mais 16%.
Dos estudos, 24 relataram efeitos colaterais graves, incluindo complicações relacionadas a infecções, convulsões, tentativas de suicídio, derrame e desenvolvimento de novas obsessões associadas à estimulação. No geral, 78 participantes sofreram pelo menos uma dessas adversidades.
Desafios
Os autores da revisão, da Faculdade de Medicina Baylor, concluem que "há uma forte base de evidências" em apoio ao uso de estimulação cerebral profunda para o tratamento de TOC persistente grave e depressão associada (Leia Três perguntas para). "É uma alternativa interessante para pacientes com TOC refratário, principalmente pelos bons resultados encontrados nos estudos, mas há desafios para disponibilizar como opção terapêutica real", avalia o psiquiatra Leonardo Rodrigues da Cruz, do Instituto Meraki Saúde Mental, em Brasília.
O especialista destaca, entre os limitadores, o alto custo de equipamento, a necessidade de equipes de neurocirurgia capacitadas e protocolos mais estabelecidos de seguimento. "Além do mais, existem riscos inerentes ao implante dos eletrodos, como infecção, hemorragia, alterações do olfato e paladar", afirma. "A disponibilidade desse tratamento ainda é muito baixa, o que dificulta o acesso dos pacientes."
Nos Estados Unidos esses também são impeditivos, observa o principal autor do estudo publicado no Journal of Neurology Neurosurgery & Psychiatry, Sameer Sheth. Porém, tanto no país norte-americano quanto no continente europeu, as agências reguladoras permitem a estimulação profunda em pacientes com TOC grave de forma humanitária, quando não há outra opção de tratamento.
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Três perguntas para...
Sameer Sheth, do Departamento de Neurocirurgia da Faculdade de Medicina Baylor, em Houston (EUA)
As evidências sobre a eficácia do tratamento com estimulação cerebral profunda são suficientes para que a técnica se torne uma opção clínica?
Sim, essa terapia deve ser considerada prática padrão. Já existe uma forma de aprovação da FDA nos EUA (isenção de dispositivo humanitário) e na Europa. A terapia é apoiada por evidências de alto nível de vários ensaios bem elaborados.
Existe compreensão suficiente dos circuitos neuronais associados ao transtorno obsessivo-compulsivo?
Esse entendimento continuará a evoluir. Mesmo na estimulação cerebral profunda para Parkinson, que tem sido a terapia padrão há 20 anos, não temos uma compreensão perfeita dos circuitos. Raramente temos uma compreensão perfeita em qualquer área da medicina. Mas se tivermos conhecimento suficiente para realizar um procedimento com segurança e eficácia, não devemos esperar e privar os pacientes da terapia. À medida que fazemos mais procedimentos, continuamos a aprender mais e a melhorar ainda mais.
O senhor poderia destacar os principais desafios para a implementação desse tratamento?
Conscientização e acesso são os principais desafios. Muito poucos pacientes com TOC grave conhecem essa opção e muito poucos médicos sabem o suficiente para encaminhar os pacientes. Mesmo os pacientes que chegam aos poucos locais experientes, muitas vezes enfrentam a falta de cobertura de seguro de saúde. Mas à medida que o reconhecimento de sua eficácia aumenta, esses desafios serão superados.