Nos últimos anos, diversas pesquisas mostram que alimentos processados e ultraprocessados, além de terem efeito negativo na saúde humana, prejudicam o meio ambiente. Um novo estudo britânico faz uma estimativa do impacto gerado por 57 mil produtos do tipo, tanto os à base de plantas quanto os à base de carne, no Reino Unido e na Irlanda. A conclusão é de que os primeiros têm uma pegada ambiental de 10% a 20% menor do que os do segundo grupo. Detalhes do trabalho conduzido pelo programa Livestock, Environment and People (LEAP) e pela Universidade de Oxford foram divulgados na revista Pnas.
A análise teve como base dados do foodDB — uma plataforma de pesquisa de Big Data da Universidade de Oxford que coleta e processa, diariamente, dados sobre todos os alimentos e bebidas disponíveis em 12 supermercados on-line no Reino Unido e na Irlanda — e uma revisão abrangente de 570 estudos sobre impacto ambiental da produção de alimentos, que inclui dados de 38 mil fazendas em 119 países.
Para realizar a pesquisa, os cientistas analisaram as emissões de gases de efeito estufa, o uso da terra, o estresse hídrico e o potencial de eutrofização — quando os corpos de água se tornam enriquecidos com nutrientes, muitas vezes causando a proliferação de algas nocivas. A equipe combinou essas quatro pontuações em um único escore estimado de impacto ambiental considerando 100g do produto ultraprocessado, feito com partes de vários ingredientes.
Os pesquisadores quantificaram as diferenças entre esses produtos e descobriram que aqueles feitos de frutas, vegetais, açúcar e farinha, como sopas, saladas, pães e cereais matinais, têm pontuações de baixo impacto. Já aqueles feitos de carne, peixe e queijo estão no topo da lista.
Segundo os autores, o método inédito e reprodutível fornece um primeiro passo para permitir que consumidores, varejistas e formuladores de políticas tomem decisões informadas sobre o tema. "Ao estimar o impacto ambiental de alimentos e bebidas de forma padronizada, demos um primeiro passo significativo para fornecer informações que podem permitir a tomada de decisões. Ainda precisamos encontrar a melhor forma de comunicar essas informações, a fim de mudar o comportamento para resultados mais sustentáveis, mas avaliar o impacto dos produtos é um passo importante", avalia Michael Clark, autor principal do estudo.
Peter Scarborough, professor de saúde populacional da Universidade de Oxford, vê o estudo como uma forma de instruir os consumidores. "Mais importante, poderia levar varejistas e fabricantes de alimentos a reduzir o impacto ambiental do fornecimento de alimentos, tornando mais fácil para todos ter dietas mais saudáveis e sustentáveis", enfatiza.
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Valor nutricional
Ao comparar a pontuação de impacto ambiental com o valor nutricional dos processados, conforme definido pelo método Nutri-score — um "rótulo nutricional" de produtos alimentícios —, os cientistas constataram que os processados mais sustentáveis tendem a ser mais nutritivos. Existem exceções a essa tendência, como as bebidas açucaradas, que têm baixo impacto ambiental, mas também pontuam mal em qualidade nutricional. Ou seja, um produto com baixo impacto não necessariamente é uma opção saudável, mas uma opção saudável, geralmente, tem baixo impacto.
"Um aspecto importante do estudo foi ligar os impactos ambientais dos alimentos compostos com a qualidade nutricional, mostrando algumas das sinergias e compensações entre diferentes parâmetros. Usando esse novo método, os fabricantes podem reduzir o problema garantindo uma alta qualidade nutricional dos produtos", diz Jennie Macdiarmid, professora de nutrição e saúde sustentável no Instituto Rowett, Universidade de Aberdeen, Escócia.
Quando questionado sobre o que é possível fazer para mudar esse cenário, Michael Clark diz que o processo descrito no artigo é um ponto de partida para uma longa jornada. "Esperamos colaborar com consumidores, varejistas, restaurantes e outros atores do sistema alimentar para entender como essas informações podem ser usadas e, em seguida, codesenvolver e colaborar em projetos de pesquisa nos próximos anos."
Sobre o funcionamento da pesquisa em outros países, Clark afirma que é possível a utilização, mas com adaptações. "Espera-se que o processo geral forneça um ponto de partida útil, mas, provavelmente, precisará ser modificado para levar em conta as diferenças nas regulamentações alimentares e nas práticas agrícolas", finaliza.
Cenário brasileiro
A pesquisadora brasileira Josefa Maria Gazillo, da Universidade de São Paulo (USP), também estuda os danos ambientais causados pela produção alimentar. Em sua tese de doutorado, em 2019, concluiu que os 20% da população brasileira com o maior consumo de carnes na dieta apresentou taxas mais altas de emissão de carbono e pegada hídrica (6,4kgCO2eq e 6.293 litros de água). Em se tratando dos 20% que mais comem ultraprocessados, os valores caem para 4,2kg e 3.789 litros.
Em estudo mais recente, foi possível concluir que o maior consumo de ultraprocessados resulta em aumento de 10% da pegada hídrica em relação ao menor consumo. Já as pegadas de uma dieta saudável simulada, calcada em uma alimentação baseada em 2 mil calorias e 60 gramas de proteína, foram de 3,2 kgCO2eq e 3.410 litros de água.
"A adoção de padrões alimentares alinhados às recomendações oficiais para prevenção de doenças crônicas resultaria na redução imediata de 45 milhões de toneladas de carbono ao ano para uma população de 200 milhões de habitantes", estima ela. Gazillo defende o desenvolvimento de sistemas que tenham impactos ambientais baixos e que, ao mesmo tempo, utilizem os recursos naturais para atender às necessidades alimentares da população. "Como as hortaliças, que faltam na dieta média dos brasileiros e cuja produção resulta em baixo impacto ambiental", ilustra.