Meio ambiente

Mudanças climáticas: possibilidade de extinção humana precisa ser estudada, dizem pesquisadores

Os autores dizem que as consequências de um aquecimento global mais extremo são "perigosamente pouco exploradas"


Os possíveis resultados catastróficos das mudanças climáticas — incluindo até mesmo a possibilidade de extinção dos seres humanos — não estão sendo levados a sério o suficiente pelos cientistas, diz um novo estudo.

Os autores dizem que as consequências de um aquecimento global mais extremo são "perigosamente pouco exploradas".

Os cientistas do estudo argumentam que o mundo precisa começar a se preparar para a possibilidade do que eles chamam de "resultado final" do aquecimento global. Eles também fazem um apelo aos cientistas da ONU para que investiguem o risco de mudanças catastróficas no ambiente.

De acordo com esse novo estudo, as maiores tentativas de abordar como as mudanças climáticas levariam a uma catástrofe global foram feitas por livros de ciência popular, como A Terra Inabitável, de David Wallace-Wells, e não por pesquisa científica convencional.

Nos últimos anos, os cientistas do clima estudaram com mais frequência os impactos do aquecimento de cerca de 1,5°C ou 2°C acima das temperaturas observadas em 1850, antes do início da industrialização global.

Esses estudos mostram que manter as temperaturas próximas a esses níveis neste século sobrecarregará as economias globais, mas não preveem o fim da humanidade.

Os pesquisadores se concentraram nesses cenários de temperatura mais baixa por boas razões.

Quase todos os países do planeta assinaram o acordo climático de Paris, que visa manter o aumento das temperaturas globais "bem abaixo" de 2°C neste século e fazer esforços para mantê-lo abaixo de 1,5°C.

EPA
Pessoas fogem de enchentes no Paquistão

Por isso é natural que os governos peçam a cientistas que mostrem exatamente o que esse tipo de mudança significaria.

Mas o novo estudo diz que não foi dada atenção suficiente aos resultados mais extremos das mudanças climáticas.

"Acho que é uma gestão de risco sensata pensar nos piores cenários possíveis. Se fazemos isso em todas as outras situações, definitivamente devemos fazer quando se trata do destino do planeta e das espécies", diz Luke Kemp, principal autor do estudo, da Universidade de Cambridge.

Os pesquisadores descobriram que as estimativas dos impactos de um aumento de temperatura de 3°C estão sub-representadas em comparação com sua probabilidade.

Usando modelos climáticos, o relatório mostra que — nesse tipo de cenário — em 2070 cerca de 2 bilhões de pessoas vivendo em algumas das áreas politicamente mais frágeis do mundo estariam enfrentando temperaturas médias anuais de 29°C.

"Temperaturas médias anuais de 29°C afetam atualmente cerca de 30 milhões de pessoas no Saara e na Costa do Golfo", diz o coautor do estudo, Chi Xu, da Universidade de Nanjing.

"Até 2070, essas temperaturas e as consequências sociais e políticas afetarão diretamente duas potências nucleares e sete laboratórios de contenção máxima que abrigam os patógenos mais perigosos. Há um sério potencial para efeitos desastrosos em cadeia", disse ele.

O relatório diz que as altas temperaturas não são o único problema. Há também os efeitos indiretos, como crises alimentares e financeiras, conflitos e surtos de doenças.

Os cientistas dizem que deve haver mais atenção na identificação de possíveis pontos de inflexão, onde o aumento do calor desencadeia outro evento natural que aumenta ainda mais as temperaturas — como as emissões de metano do derretimento do permafrost ou das florestas que começam a emitir carbono em vez de absorvê-lo.

Para avaliar adequadamente todos esses riscos, os autores estão solicitando ao Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas que realize um relatório especial sobre mudanças climáticas catastróficas.

Os pesquisadores disseram que estudar a fundo as consequências dos piores cenários é fundamental, mesmo que isso possa assustar as pessoas.

Eles dizem que uma pesquisa assim permitiria aos cientistas considerar alternativas de emergência, como engenharia climática, que podem envolver o bombeamento de gases refrigerantes na atmosfera. Os pesquisadores seriam capazes de realizar uma análise de risco para essas intervenções drásticas. Focar nos piores cenários também pode ajudar a educar as pessoas — e pode até reduzir as probabilidades de alguns desses cenários virarem realidade.

"Entender esses cenários plausíveis, mas sombrios, é algo que pode angariar apoio junto à opinião política e civil", diz Kemp.

"Vimos isso quando se identificou a ideia de um inverno nuclear que ajudou a impulsionar muitos esforços públicos, bem como o movimento de desarmamento ao longo dos anos 1970 e 1980."

"E espero que, se pudermos encontrar mecanismos concretos e claros semelhantes quando se trata de pensar sobre as mudanças climáticas, também tenha um efeito semelhante".

O apelo por um estudo profundo de cenários mais extremos vai agradar a muitos ativistas climáticos mais jovens, que dizem que o tema não é abordado porque poderia assustar as pessoas e levá-las à inação.

"É vital que tenhamos pesquisas em todas as áreas das mudanças climáticas, incluindo a assustadora realidade de eventos catastróficos", diz Laura Young, ativista climática, de 25 anos de idade.

"Isso ocorre porque sem toda a verdade e todos os impactos potenciais, não faremos as escolhas informadas de que precisamos e não estaremos conduzindo a ação climática com pressão suficiente."

O estudo foi publicado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences.

A repórter de clima e ciências da BBC News, Ella Hambly, colaborou.

- Este texto foi publicado originalmente em https://www.bbc.com/portuguese/geral-62391443


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