controle da dor

Treinamento ajudou voluntários a aprenderem a lidar melhor com a dor

Após treinamento, voluntários apresentam atividades cerebrais que sinalizam maior capacidade para regular o desconforto

O controle da dor tem, geralmente, como opções terapêuticas o uso de anti-inflamatórios e analgésicos, e práticas de saúde tradicionais — como a fisioterapia. Apostar em uma técnica de "controle" da atenção, a mindfulness, também pode ajudar a amenizar o problema, mostra uma pesquisa conduzida na Universidade de Wisconsin-Madison, nos Estados Unidos, e divulgada recentemente na revista The American Journal of Psychiatry.

O estudo demonstrou que a atenção plena pode auxiliar pacientes a reagirem melhor à dor. Para chegar à conclusão, os cientistas analisaram respostas neurais de dois grupos de indivíduos submetidos a um mesmo estímulo — a exposição ao calor na região do antebraço. Antes do experimento, uma parte havia participado de um curso intensivo de atenção plena com duração de oito semanas. A outra, não. Todos foram submetidos a um exame de ressonância magnética funcional durante o teste.

A análise das imagens mostrou que, entre os integrantes do grupo de mindfulness, houve menores índices de percepção da dor em regiões cerebrais ligadas ao desconforto. "A nossa descoberta apoia a ideia de que, para os novos praticantes, o treino da atenção afeta diretamente a forma como os sinais sensoriais do corpo são convertidos em uma resposta cerebral", enfatiza o líder do estudo e especialista em ciência da saúde, Joseph Wielgosz, agora pesquisador de pós-doutorado na Universidade de Stanford.

Marcelo Demarzo, professor livre-docente da Escola Paulista de Medicina (Unifesp), avalia que a pesquisa inova ao utilizar neuroimagens para observar as ondas cerebrais. "Eles conseguem ver que tem uma assinatura mental no cérebro em relação à sensação, a parte sensorial da dor, e quem pratica mindfulness altera isso", diz o médico que estuda o tema há 13 anos. Ele explica que as dores orgânicas, isto é, dores físicas geradas pelos nervos, são filtradas pelo cérebro, que atua como um modulador de sensações. Isso indica que não se trata de "sentir menos dor" e, sim, como cada um a percebe e a suporta.

Segundo Demarzo, estudos anteriores indicam que praticantes da atenção plena se relacionam de maneira diferente com a dor, pois evitam catastrofizar pensamentos e preocupações. "O paciente cria menos ruminação mental em relação ao problema. Não fica criticando, se culpando ou não muda o comportamento de maneira negativa", afirma. "Às vezes, a pessoa não quer encarar a dor. Ela toma álcool, come ou faz exercícios em excesso, o que acaba prejudicando o quadro. Então, quem pratica atenção plena regularmente acaba se relacionando com a dor de maneira mais positiva."

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Longo prazo

Os pesquisadores estadunidenses também analisaram os efeitos do treinamento de mindfulness a longo prazo. Curiosamente, avaliam, a prática em retiros intensivos de meditação foi associada a mudanças na assinatura neural para influências que moldam a dor indiretamente — por exemplo, diferenças de atenção, crenças e expectativas. Esses fatores geralmente aumentam os níveis percebidos de angústia em não meditadores.

"Do mesmo modo que um atleta experiente pratica um esporte de forma diferente que um principiante, em resposta à dor, os praticantes experientes da atenção plena parecem usar os seus 'músculos mentais' de forma distinta", ilustra Wielgosz. Na avaliação da equipe, a descoberta evidencia os benefícios em se adotar a atenção plena como um estilo de vida.

Ricardo Monezi, pesquisador e especialista em práticas integrativas na Unifesp, conta que outros estudos indicam que praticantes de longo prazo de meditação ou mindfulness apresentam reações mais brandas em relação a grandes estressores. "Ou seja, a pessoa tem um pouco mais de resiliência e consegue elaborar estratégias mais eficientes de enfrentamento a questões que a tiram do equilíbrio", explica.

Na avaliação do brasileiro, o estudo ajuda a romper paradigmas em relação a esses modelos terapêuticos e a gerar mais credibilidade."Através de pesquisas como essa, conseguimos ter uma aceitação maior por parte do meio científico, médico e acadêmico, fazendo com que órgãos como a Organização Mundial de Saúde tenham mais subsídios para os processos de regularização dessas práticas como estratégias integrativas de tratamento", afirma.

Complemento

Ambos os especialistas enfatizam que a mindfulness não substitui os tratamentos convencionais para a dor. "É uma questão de agregar. E cada pessoa vai ter uma indicação. Então, há pessoas que vão precisar de medicamentos. Outras, não. Tem pessoas que vão precisar de psicoterapia cognitiva comportamental. Outras, não", afirma Demarzo.

Monezi sugere que os pacientes conversem com o médico antes de recorrer à terapia complementar. "Como no caso de outras práticas integrativas, a gente sempre recomenda que a pessoa nunca busque esses métodos sem o conhecimento do seu médico, principalmente se a pessoa está ali no decorrer de outro tratamento."

* Estagiária sob a supervisão de Carmen Souza