Estabelecer uma dieta adequada faz parte da rotina de pessoas com síndrome metabólica: um conjunto de condições como hipertensão, nível elevado de açúcar no sangue, acúmulo de gordura na cintura e colesterol excessivo, que aumenta o risco de doença cardíaca, acidente vascular cerebral (AVC) e diabetes. Em busca de novas estratégias alimentares para esse grupo, pesquisadores brasileiros e dinamarqueses compararam os efeitos entre a restrição proteica e calórica na alimentação.
Os resultados, publicados na revista Nutrients, sugerem que reduzir a quantidade de proteínas é tão eficaz quanto cortar calorias, o que aumenta o arsenal terapêutico para lidar com um problema com prevalência estimada em 38% na população adulta brasileira. "O estudo mostrou que diminuir o consumo de proteínas para 0,8g por quilo de peso corporal foi suficiente para atingir quase os mesmos resultados clínicos de uma dieta com restrição calórica, mas sem a necessidade de reduzir as calorias ingeridas", destaca Rafael Ferraz Bannitz, pesquisador da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP) e primeiro autor do artigo (leia entrevista nesta página).
De acordo com o pesquisador, os resultados sugerem a possibilidade de a diminuição da ingestão de proteína ser um dos principais fatores que levam aos efeitos reconhecidamente benéficos da moderação alimentar. "Com isso, a dieta de restrição de proteínas pode ser uma estratégia nutricional mais atrativa e relativamente mais simples de ser seguida por indivíduos com síndrome metabólica", afirmou.
Foram selecionados 21 participantes, e todos tinham diagnóstico de síndrome metabólica. Eles foram divididos em dois grupos e, durante todo o período, permaneceram internados no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP), para que os profissionais monitorassem e garantissem que a dieta seria seguida corretamente.
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Dieta individualizada
A necessidade calórica diária de cada participante foi calculada de forma individual, com base no gasto de energia em repouso, chamado metabolismo basal. A investigação envolveu uma equipe multidisciplinar e internacional com cientistas da Universidade de São Paulo (USP), da Universidade de Copenhage (Dinamarca), do Instituto Nacional do Câncer (Inca) e do Centro de Pesquisa em Obesidade e Comorbidades (OCRC) — um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) da (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), sediado na Universidade de Campinas (Unicamp).
Os pacientes do primeiro grupo receberam uma dieta individualizada com 25% menos calorias que o considerado ideal. A escolha dos alimentos foi feita de acordo com o padrão recomendado para a população em geral (50% carboidrato, 20% proteína e 30% gordura). No segundo grupo, embora o valor de calorias indicado para cada indivíduo fosse respeitado (nunca ultrapassado), a proporção de proteínas da dieta foi reduzida, ficando em cerca de 10% (60% carboidrato e 30% gordura). Ambos os grupos consumiram apenas 2g de sal por dia.
A pesquisa mostrou que tanto a dieta de restrição calórica quanto a de restrição proteica promoveram perda de peso devido à redução da gordura corporal e, desse modo, melhoraram os sintomas da síndrome metabólica. Ainda segundo o estudo, a diminuição da massa de gordura está ligada à redução de glicemia, dos níveis lipídicos e da pressão arterial.
"Após os dias de monitoramento, os dois grupos tiveram resultados semelhantes: redução dos níveis glicêmicos, perda de peso, controle da pressão arterial e queda dos níveis de triglicérides e colesterol", relatou Maria Cristina Foss de Freitas, professora da FMRP-USP e coordenadora do estudo, à Agência Fapesp. "Tanto a dieta de restrição calórica quanto a que reduziu o consumo de proteína melhoraram a sensibilidade à insulina após o tratamento. Os pacientes tiveram ainda diminuição da gordura corporal, especialmente na região da circunferência abdominal e de quadril, porém, sem redução da massa magra (músculos)", afirmou.
Controle
Os resultados confirmaram pesquisas anteriores realizadas em camundongos, explicou a pesquisadora. "Só que, desta vez, conseguimos fazer um estudo clínico randomizado e totalmente controlado durante 27 dias, com cardápio personalizado segundo as necessidades de cada paciente", disse Maria Cristina Freitas à agência Fapesp. O atual estudo mostrou que para bons resultados em humanos, é necessária apenas uma reestruturação dos macronutrientes — considerados os nutrientes "grandes", a proteína, gordura ou carboidrato — de uma dieta para que os benefícios sejam percebidos.
"Alguns anos atrás, muitos acreditavam que a restrição de carboidratos era eficiente para o controle da síndrome metabólica. Nosso artigo mostrou que a modulação de um macronutriente, nesse caso, a proteína, é suficiente para reduzir o peso corporal, a glicose e os lipídios no sangue e controlar a pressão arterial", comenta Ferraz Bannitz. Além disso, ressaltou o especialista, a massa magra é mantida mesmo com a perda da gordura e, dessa forma, o paciente não enfrenta o problema de reduzir também a massa muscular.
"Devido à limitação dos estudos clínicos, os mecanismos moleculares ainda não estão totalmente compreendidos", reconheceu o pesquisador. Sendo assim, ainda não há explicações sobre o motivo da restrição proteica ser benéfica, mas a suposição dos cientistas é de que o consumo mínimo de proteínas promova alteração no metabolismo dos pacientes, ou seja, uma melhora na capacidade do organismo em propiciar a queima de gordura como forma de produção de energia para as células.
"Temos apenas hipóteses ainda, e uma delas seria a ativação de vias moleculares que interpretam a redução de aminoácidos essenciais como sendo um sinal de redução da ingestão alimentar, levando, assim, à produção de hormônios normalmente aumentados durante o jejum", explicou à Agência Fapesp Marcelo Mori, coordenador do Projeto Temático da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), cujo objetivo é mimetizar, por meio de diferentes estratégias, os efeitos da restrição calórica. "Estudos em modelo animal já demonstraram que essas vias estão envolvidas tanto nos efeitos da dieta de restrição calórica quanto na de restrição proteica, fazendo com que haja perda de gordura nos dois casos."
Mori, porém, ressaltou que a pesquisa foi realizada com uma população específica: pacientes com síndrome metabólica que apresentavam diabetes, obesidade, hipertensão e colesterol alto. "No entanto, fica difícil não pensar em extrapolar esse resultado. Sabemos que uma dieta vegana tem se mostrado positiva para casos de síndrome metabólica e também já foi verificado que o excesso de ingestão proteica, como é o padrão ocidental, pode ser um problema. Por isso, é preciso avaliar caso a caso. Não se pode esquecer que a carência de proteína pode levar a problemas graves", finalizou o pesquisador.
Naum Charles, conselheiro do Conselho Federal de Nutricionistas (CFN) que não participou do estudo, compartilha da mesma opinião. "É preciso ser acompanhado por um nutricionista para avaliar, ao longo do tempo, possíveis deficiências nutricionais. Os requisitos levados devem ser, em primeiro lugar, o respeito das escolhas alimentares e da filosofia de vida de cada indivíduo", assinalou.
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Três perguntas para...
Rafael Ferraz Bannitz, pesquisador da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP)
Existe algum risco de um déficit de proteínas a longo prazo?
Essa dieta foi desenvolvida para ser aplicada em indivíduos que apresentam obesidade, diabetes e hipertensão arterial. Os nossos dados mostram que a dieta de restrição de proteínas é eficiente para esse grupo de pessoas. Não há risco de déficit. A dieta de restrição proteica foi calculada utilizando o mínimo necessário de proteínas recomendado para uma refeição ideal.
Qual é a dieta convencional aplicada a pacientes com síndrome metabólica hoje?
Não existe uma dieta convencional para indivíduos com SM (síndrome metabólica). Alguns anos atrás, muitos acreditavam que a restrição de carboidratos era eficiente para o controle da SM. O nosso artigo mostrou que a modulação de um macronutriente, nesse caso a proteína, é suficiente para reduzir o peso corporal, reduzir a glicose e lipídios no sangue e controlar a pressão arterial.
Como vocês chegaram a esse valor ideal de proteínas para o estudo? Para que esses resultados sejam solidificados e utilizados, de fato, em campo, é preciso realizar mais alguma investigação?
Só reduzimos a porcentagem de proteína na dieta ao mínimo recomendado para uma dieta ideal. O nosso artigo mostrou de forma sistemática e controlada a melhora clínica em indivíduos que foram submetidos a dieta de restrição de proteínas. A metodologia utilizada em nosso estudo demonstrou a eficácia da restrição de proteínas no controle da síndrome metabólica. No entanto, devido à limitação dos estudos clínicos, os mecanismos moleculares ainda não estão totalmente compreendidos. Por isso, precisamos de novos estudos para responder essa pergunta.