O Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) é uma condição do neurodesenvolvimento que afeta cerca de 2 milhões de pessoas no Brasil, segundo dados da Associação Brasileira do Déficit de Atenção (ABDA). Dificuldades em gerenciar o tempo, se concentrar e seguir instruções são algumas características do transtorno.
O TDAH se manifesta em três tipos: desatento, hiperativo/impulsivo e misto. A psicóloga Aline Provensi explica que o tipo predominantemente desatento não está relacionado com a falta de atenção, mas sim com a dificuldade de manter o foco para realizar determinadas atividades e organizar o dia a dia. "Por isso, lembramos de um jogo incrível, mas esquecemos de burocracias; começo diversas atividades mas não termino nenhuma delas. Então podemos nos atentar ininterruptamente por horas em um tema de interesse e outros que não nos motivam, não conseguimos prestar atenção nem por um minuto sem nos distrairmos", conta a psicóloga, diagnosticada com TDAH.
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Já no predominantemente hiperativo/impulsivo, é comum a agitação motora e/ou mental, tomada de ações precipitadas e dificuldade em pensar nas consequências a longo prazo. Aline destaca que a característica de constante movimento do corpo e/ou mente se apresenta de maneira diferente nas meninas e meninos. "A movimentação física acima da média é mais comum de ser rastreada em pessoas designadas meninos, e em designadas meninas, a hiperatividade é geralmente mais internalizante e não tão perceptível".
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E por fim, há o tipo misto, que é uma combinação das características, demonstrando seis ou mais sinais de desatenção e seis ou mais de hiperatividade/impulsividade. Aline Martinez, psicoterapeuta e especialista em neurociência comportamental, listou algumas das principais características do transtorno:
- sonhar acordado;
- distrair-se e ter dificuldade em se concentrar nas tarefas;
- cometer erros por descuidos;
- parecer não ouvir enquanto os outros falam;
- ter dificuldade com o gerenciamento e organização do tempo;
- perder itens do dia a dia frequentemente;
- evitar tarefas que precisam de foco e reflexão prolongados;
- dificuldade em seguir as instruções
- parece estar em constante movimento, incapaz de permanecer parado;
- tem dificuldade em alternar nas conversas e atividades;
- inquietação;
- fala e faz barulho excessivamente;
- assume riscos desnecessários.
Aline Martinez também foi diagnosticada com TDAH. Ela conta que o diagnóstico veio "por acaso", após lutar contra um câncer por mais de 2 anos. Sem o diagnóstico, é comum que as pessoas sejam rotuladas e acreditem nesses rótulos impostos a elas. "Muitas pessoas passam a vida crendo ser ineficientes, incapazes ou preguiçosas. Ter o diagnóstico significa, finalmente, entender o motivo dos problemas", diz a psicoterapeuta.
"Após o diagnóstico pude entender melhor meu funcionamento, me policiar em certas situações, criar estratégias para minhas dificuldades e ser franca com as pessoas sobre minha inabilidade de socialização", acrescenta Aline Martinez.
O TDAH costuma afetar as funções executivas, que são as capacidades cognitivas mantidas principalmente pelo córtex pré-frontal, como explica a psicóloga Aline Provensi. "No TDAH, estão incluídas, majoritariamente: gerenciamento de tempo, organização e resolução de problemas, motivação, autocontrole, autorregulação e memória de curto prazo", pontua a especialista.
A ativista e palestrante Polyana Sá relata que, por o TDAH afetar as funções executivas, muitas vezes ela tem dificuldade de realizar atividades simples, como lavar a louça, estudar ou ler um livro. "Minhas maiores dificuldades são manter o foco em uma única atividade, prestar atenção em comandos longos, não conseguir terminar tarefas e ter desregulação emocional recorrente", conta a ativista. Com o diagnóstico, ela passou a se conhecer mais e respeitar seus limites.
Dificuldades no diagnóstico e a importância do tratamento
A tradutora Elena David foi diagnosticada com TDAH aos 32 anos, após "uma busca incessante e muito cansativa". Antes de ser diagnosticada com o transtorno, Elena recebeu diagnósticos de bipolaridade e depressão crônica, mas eles não explicavam, de fato, como ela se sentia. Até que, em 2019, ela começou a pesquisar sobre TDAH e passou a se identificar com as características do transtorno. "Eu estava sendo descrita dos pés à cabeça. A única pergunta que não saia da minha cabeça era: como nenhum profissional havia percebido antes?", indagou.
Elena passou por vários médicos até conseguir o diagnóstico e o acolhimento necessário. "Alguns até me receitavam a pílula mágica, mas não era aquilo que eu buscava. Eu queria orientação. Minha vida toda estava passando como um filme na minha frente... E eu só repensava como tudo poderia ter sido diferente", lembra.
Uma amiga da Elena indicou um instituto especializado em TEA (Transtorno do Espectro Autista) e TDAH, voltado apenas para crianças e adolescentes. No entanto, ela insistiu pelo atendimento. "Eu precisava de orientação, de atendimento especializado, e elas me acolheram. Fiz minha avaliação neuropsicológica, recebi encaminhamento para o psiquiatra especializado, que é o que me trata até hoje, orientação sobre tudo... Praticamente salvaram minha vida. Eu tive o privilégio de poder arcar com os custos. A saúde mental ainda é um privilégio, quando deveria ser um direito", diz.
Saiba Mais
O diagnóstico é importante tanto para o autoconhecimento, quanto para o acesso à medicação e tratamento. Recentemente, o Ministério da Saúde aprovou o protocolo clínico e diretrizes terapêuticas do Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH). "As dificuldades, muitas vezes, só se tornam evidentes a partir do momento em que as responsabilidades e a independência se tornam maiores, como quando a criança começa a ser avaliada no contexto escolar ou quando precisa se organizar para alguma atividade ou tarefa sem a supervisão dos pais. Embora o Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade seja frequentemente diagnosticado durante a infância, não é raro o diagnóstico ser feito posteriormente", diz a pasta.
Além disso, também foi sancionada a Semana de Conscientização do TDAH, a ser realizada no período que abrange o dia 1º de agosto de cada ano. Para a ativista Polyana Sá, essa medida legitima a condição e a luta das pessoas diagnosticadas com o transtorno. "Medidas como essa são de extrema importância para mostrar que pessoas com TDAH existem e precisam ter suas demandas atendidas e respeitadas", defende.
Dupla excepcionalidade
Dupla excepcionalidade é a presença de mais de uma condição do neurodesenvolvimento. Aline Martinez e Elena David são diagnosticadas com TDAH e Transtorno do Espectro Autista (TEA). Já a Aline Provensi e a Polyana Sá têm os diagnósticos de TDAH, TEA e AH/SD (Altas habilidades/Superdotação). "O diagnóstico de autismo, recebi em março deste ano. É bem recente, mas definitivamente foi a virada de chave para mim, pois o de TDAH, apesar de ter sido significativo, não preencheu as principais lacunas, como o de autismo vem preenchendo”, destaca a tradutora Elena David.
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Aline Provensi lembra que sempre suspeitou da possibilidade de ter TDAH. “Eu entrei em um quadro significativo de depressão assim que saí da casa dos meus pais, grande parte disso foi por não saber como dar conta das minhas obrigações sozinha. Sempre tive ajuda, principalmente da minha mãe, para conseguir me estruturar todos os dias. Mas sem isso, tudo ficava pela metade e eu mal estava dando conta de me alimentar, por não conseguir gerenciar meu tempo”, conta.
“Mesmo com todos esses desafios, eu sempre conseguia encontrar um jeito de não me prejudicar muito financeiramente, profissionalmente e nem academicamente, o que era confuso para quem estava me acompanhando. 'Como pode você ter tanta dificuldade e não ter nada que comprove isso?' Elas se perguntavam – e eu também. Mesmo diagnosticada com TDAH e isso ter feito todo o sentido, ainda não explicava todas as minhas dificuldades e déficits. Foi nesse momento que decidi procurar por outra avaliação, para identificar alguma outra possível condição”, acrescenta a psicóloga.
A partir desse momento, Aline começou a suspeitar da possibilidade do TEA. “A neuropsicóloga a quem recorri, identificou todos os pontos do TEA e todas as nuances que foram causando prejuízos acumulados no meu desenvolvimento, porque não tive suporte para isso. Mas eu realmente não me 'prejudiquei tanto quanto o esperado' para meu nível de dificuldades, o que a fez cogitar sobre AH/SD. Fui encaminhada para outra profissional que fechou essa identificação”.
Dicas práticas para lidar com o TDAH no cotidiano
A psicóloga Aline Provensi orienta que é necessário entender o próprio funcionamento. “Perceba como você age naturalmente e não lute contra si, dessa forma, podemos formular diversas estratégias. Facilite tudo o que for possível, deixe tudo o que é importante a vista, distribua anotações pela casa, procure por novidades em projetos antigos”, elenca a especialista. “Você não é preguiçoso por precisar dessas adaptações, é assim que seu cérebro funciona”, conclui.
Confira outras dicas práticas listadas pela psicoterapeuta Aline Martinez:
- faça as tarefas difíceis primeiro, sempre peço que façam as tarefas mais difíceis pela manhã, que é quando estamos menos cansados;
- faça atividade física, que é um excelente modo de conseguir dopamina e lidar com hiperatividade física também;
- aceite que terá de ter um gerenciamento de tempo, use o planner a agenda do Google e coloque alarmes para te lembrarem das atividades importantes ao decorrer do dia;
- mantenha seu ciclo cicardiano em dia, dormindo cedo, acordando cedo e se expondo a luz solar de manhã, um ciclo circadiano regulado significa hormônios mais regulados e mais dopamina!
- defina prioridades e as faça agora, nem olhe para as outras tarefas antes de terminar o que é prioritário;
- faça uma tarefa de cada vez!
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