Se você tivesse uma hora de vida, o que faria? Para quem ligaria? O que diria? Essas perguntas ajudam a quebrar o tabu deste tema tão presente na vida de muitos brasileiros, principalmente nesses últimos anos de pandemia de COVID-19. Para se libertar do peso do luto, o primeiro processo é falar, falar sobre a morte, sobre o luto por alguém querido ou sobre a própria finitude. É a única forma possível de tornar essa realidade ou perspectiva menos assustadora.
"O luto é algo que não se pode apenas deixar de lado e tentar esquecer. Ele é um processo natural, a morte acontece a cada um de nós como resultado do nascimento e temos que aprender a lidar com ela para termos uma vida plena", destaca a hipnoterapeuta Débora Diniz.
Débora Diniz conta que aprendeu que há uma forma leve e bonita de falar sobre o assunto. "Vivemos como se fôssemos eternos, despreparados para morrer ou ajudar alguém a morrer. A morte e%u0301 um processo biológico e natural, constituído também por aspectos psicológicos e sociais. Sendo assim, a morte se apresenta como um movimento impregnado de valores e significados que dependem do contexto social e histórico em que se manifesta".
Buscar ajudar para a saúde mental
A hipnoterapeuta alerta que é preciso buscar ajuda caso perceba que seu sofrimento está muito intenso, se prolongando ou mesmo impedindo que consiga manter suas atividades, causando muito impacto na sua vida e em suas relações. "Outro sinal de que é preciso buscar suporte emocional pode surgir quando as pessoas à sua volta sinalizam que estão preocupadas com sua saúde mental. Esses sinais podem significar que as perdas vivenciadas neste período estejam lhe sobrecarregando e, neste caso, pode ser necessário o auxílio de um profissional qualificado para que não haja agravamento das dificuldades."
Ela recomenda ressignificar o momento da perda com a hipnoterapia. "Este processo visa ajudar o paciente a buscar dentro de si uma maneira de transformar os sentimentos de dor em boas lembranças, por meio de diferentes técnicas que podem ser usadas para o paciente se reconectar com a sua energia vital."
Na hipnoterapia do luto, ela conta, "o compartilhamento dessa dor pode ajudar o paciente a reaprender a viver em uma nova realidade e lidar com seus próprios sentimentos, onde uma pessoa importante já não está mais presente fisicamente. O suporte profissional deve contribuir para que uma memória dolorosa não seja tão incapacitante. Não carregue um fardo como esse sem auxílio."
Débora Diniz diz que, claro, seria mais fácil apagar as memórias de momentos que gostaríamos de não ter vivido, mas a pessoa não precisa voltar ao passado para ressignificá-lo. "Apesar do tema ser a morte, todas as conversas e técnicas utilizadas nas terapias acabam girando em torno da vida, sobre como as pessoas desejam viver mais plenamente, como podem compartilhar seus desejos, medos e escolhas com as pessoas que amam. E tem uma questão que sempre sugiro a partir dessa conversa que é procurar essas pessoas e falar aquilo que pensou em dizer se só tinha uma hora de vida. Muitas vezes a gente pensa que é muito cedo até que é muito tarde”.
A morte é um tabu na cultura brasileira
Conforme hipnoterapeuta, no Brasil, culturalmente a morte e%u0301 um tabu, tema pouco discutido se comparado às pesquisas feitas no mundo. "Sem reflexão acerca da morte e do morrer, perde-se a oportunidade de construir novos sentidos sobre a finitude. Embora a morte faça parte de cada dia como uma certeza na vida, ninguém conversa abertamente sobre ela. Sem conversa, não ha%u0301 preparação".
Ela explica que as interpretações religiosas dadas à morte variam com a cultura. "Assim, no budismo a morte não e%u0301 o fim, mas a continuação de um ciclo existente entre vida e morte; no hinduísmo também se interpreta a morte como um recomeço, em que a reencarnação e%u0301 o passo seguinte, mesma interpretação dada pelo espiritismo. Portanto, a morte como “fim” não existe para essas religiões".
Já no Brasil, a maior parte da população tem suas crenças influenciadas pelo cristianismo e, para essas pessoas, "a morte e%u0301 o fim da vida terrena, e só haverá outra vida após a vinda de Cristo, quando todos serão julgados e levados ao paraíso ou ao inferno. Assim, um reencontro com o morto só se dará após a morte dos que estão em luto e, por isso, estes choram a morte de uma pessoa querida, que estará ausente para sempre da sua vida presente", pontua Débora Diniz.
A hipnoterapeuta diz que, segundo pesquisa feita pelo Studio Ideias, encomendado pelo Sindicato dos Cemitérios e Crematórios Particulares do Brasil (SINCEP) e apresentado pela BBC News Brasil, uma parcela considerável da população brasileira não se sente confortável com assuntos relacionados a morte, que vão da realização de cerimônias fúnebres à liberdade que uma pessoa deve ter ou não para decidir sobre o fim da própria vida.
"Falar sobre o tema foi visto por uma parcela significativa dos entrevistados como algo depressivo (48%) e mórbido (28%). A pesquisa mostrou também que os brasileiros têm ressalvas sobre como e com quem falar sobre a morte: 55% concordaram que "é importante conversar sobre a morte, mas as pessoas geralmente não estão preparadas para ouvir"".
O luto não se trata apenas de morte
Mas o luto, ao contrário do que a maioria pensa, lembra a hipnoterapeuta Débora Diniz, não se trata apenas de morte: "É um processo que se dá diante da perda de alguém ou algo de importância emocional para alguma pessoa. Pode ser, sim, morte, mas também pode acontecer por motivos de rompimentos, fim de um namoro, demissão etc. Há o luto da perda da juventude, dos cabelos coloridos, das amizades perdidas, dos filhos idealizados. São muitos lutos e renascimentos."
Débora Diniz enfatiza que não e%u0301 possível falar em luto sem falar em dor, ou seja, o luto sempre produz o sentimento de dor. "Após uma perda é esperado que sentimentos como medo, tristeza, culpa, raiva e insegurança sejam potencializados. E, com isso, alguns comportamentos se evidenciam, como o desejo de ficar só e a sensação de falta de energia ou de motivação, por exemplo. É importante observar que, durante o período de luto, suas emoções são respostas às mudanças ocorridas a partir da falta que a pessoa faz em sua vida."
Cada pessoa reage ao luto de uma maneira
No processo de luto, alerta a hipnoterapeuta, as pessoas deveriam encontrar uma maneira de suportar a dor da perda, não negá-la, bloqueá-la ou lutar contra, mas encontrar a própria maneira de processá-lo. "Como disse Augustus Waters “esse e%u0301 o problema da dor, ela precisa ser sentida”. Cada pessoa tem a sua maneira de reagir, por isso nunca há um padrão, até mesmo sobre os estágios do luto: eles podem durar dias, meses ou até mesmo anos. Tudo depende da estrutura emocional da pessoa e de como ela desenvolve esse vínculo com a perda."
Débora Diniz lembra que "a morte chega em nossa casa, num dia qualquer, interrompe um projeto, engaveta sonhos, esvazia os abraços, emudece a voz, silencia os passos. Sua chegada não pede grandes acontecimentos, se espreita pelos cantos da casa em horários corriqueiros – após o jantar, dormindo, antes do amanhecer, vendo um programa de TV, no meio de um filme, esperando o almoço de domingo – sem cerimônias, uma visita certa, mas ainda assim intrusa” (citação de Quando a morte chega em casa: o luto e a saudade de Teresa Gouvêa, 2018)".
As fases do luto
Os sentimentos de perda e luto levam um tempo para que sejam aceitos, infelizmente não somem tão rápido quanto se gostaria. "O luto, como a maioria das coisas, muda. Ele é temporário, mesmo que às vezes pareça permanente", lembra ela.
Por esse motivo, Débora Diniz apresenta uma pequena explicação sobre as cinco fases que compõem o processo do luto, segundo Ku%u0308bler-Ross.
Primeira fase: choque
“Choque é um termo geral para descrever a intensidade do trauma que enfrentamos. Essa fase depende de inúmeros fatores, como a causa da morte, onde ela aconteceu, a forma, entre outras questões, que acabam influenciando diretamente no "nível traumático"."
Segunda fase: pensamentos caóticos
"Sentimentos caóticos começam a sensibilizar o corpo, expressando emoções projetadas no ambiente externo e pelo sentimento de inconformismo. Uma das fases mais difíceis, pois algumas atitudes não têm justificativa plausível."
Terceira fase: afastamento
"Quando você acha que finalmente acabou, você começa a se afastar. Isso não é depressão, mas uma tentativa de conservar energia e se renovar. Parte importante do processo."
Quarta fase: cura
"Reconhecer que, desde a perda, você é apenas uma lembrança do que costumava ser, e você precisa descobrir quem você é e viver sua própria vida. O enlutado chega agora, ao momento em que a saudade se torna mais sossegada".
Quinta fase: renovação
"Muitas vezes não acreditamos que conseguiremos voltar ao fluxo normal de nossas vidas, mas com o tempo conseguimos. Por isso, após uma sequência de fases difíceis, mas necessárias, conseguimos perceber a mudança e percorrer todo o processo do luto".
"A esperança é o sentimento mais comum em todos os estágios do luto. Até os mais conformados esperam por uma possibilidade de cura. Nesse momento, é fundamental o papel do terapeuta,
conservando no paciente a esperança e tentando salvá-lo para que ninguém se entregue. Afinal, a ausência de esperança é o prenúncio do fim."
Rituais ligados ao luto
Débora Diniz destaca que existem quatro etapas que compõem os rituais referente ao Luto. "Com eles, conseguimos traduzir a habilidade externa que as pessoas em processo de luto usam para lidar com o mundo e suas dores. Importante ressaltar que os rituais ajudam a processar o luto de modo seguro e por um determinado período."
Primeira etapa: contenção
"Precisamos de um espaço contido para processar nossa perda, caso contrário, acabamos em uma montanha-russa sem barras de proteção que nos segurem durante a viagem. A maioria das pessoas ficam por conta própria na hora de lidar com o luto, quando o que elas precisam é da orientação solidária de alguém mais sábio com a habilidade de se afastar dos rituais socialmente aceitos para ajudá-las a definir o que funciona para elas como um lugar seguro que as apoie enquanto lidam com o caos criado pela perda. Por esse motivo, é importante que um lugar seguro seja criado de forma conjunta pelo facilitador e o cliente para que o processo de luto seja bem-sucedido.
Segunda etapa entrega
"Para estar aberto ao ritual, você precisa aceitar o caos. O caos é dizer sim ao luto. Quando dizemos não ao luto, raramente sentimos que o espaço contido é seguro".
Terceira etapa: desconstrução
"Simbolicamente, esta etapa refere-se à desconstrução do antigo “eu” que existia antes da perda. Isso inclui desconstruir os antigos desejos… E construir com o cliente um modo de lidar com a morte do seu antigo “eu”. A desconstrução que acontece durante o processo de luto é o desmantelamento do antigo “eu” e antigos desejos."
Quarta etapa: reconstrução
"Uma das etapas mais demoradas, visto que, entre a desconstrução e reconstrução, é necessário reintegrar alguns aspectos importantes como: papéis em ação; identificação com pessoas; identificação com coisas; hábitos; atitudes e sentimentos."
Débora Diniz alerta que os rituais ajudam a pessoa a processar o luto de um modo seguro e por um determinado período. "O processo de luto, se for prosseguir, requer habilidades e recursos que nos permitem tolerar a ambiguidade que não só é persistente em tantas áreas da nossa vida, mas também no que quer que seja, e que talvez nunca saibamos."
A hipnoterapeuta enfatiza que viver o luto é fundamental, pois quando o reprime, pode se tornar algo patológico. "Ou seja, em vez de sofrermos por um período de um ano, podemos enfrentar a angústia por muito mais tempo, desenvolvendo sentimentos profundos de tristeza e até mesmo depressão. Quando a sintomatologia do luto passa a interferir na qualidade de vida e saúde mental, compreende-se que se trata de um luto complicado e deve ser tratado. “O luto não e%u0301 a roupa, e%u0301 tristeza, e%u0301 a falta da pessoa, de sentir a presença em cada coisa que vai fazer, e%u0301 algo que vem de dentro, e%u0301 a saudade”. (ERICKSON, 1998). "
Aceitação da perda
A hipnoterapeuta enfatiza que a vida precisa continuar e a aceitação da perda conduz o sujeito a reformular o pensamento de seguir em frente, estabelecendo um conceito pessoal de que a dor e%u0301 o combustível para que se possa aprender a lidar com o sofrimento.
"Como disse o Padre Fábio de Melo: “organize este luto. Há sepultamentos que são necessários para o prosseguimento da vida. Não prolongue no tempo o sofrimento. Não seja orgulhoso. Assuma a perda de forma criativa. A perda sofrida pode se transformar num ganho. É só permitir que dela você receba os ensinamentos. Semente que não aceita morrer não pode produzir frutos. É a regra vegetal a nos propor um jeito sábio de viver. Diante desse sofrimento, há um jardim de ensinamentos que precisa ser cultivado”", destaca a hipnoterapeuta.
Para Débora Diniz, ao conseguir aceitar a perda, "ressignificamos o sentido da palavra luto em saudade, construindo um novo pensamento de que a saudade pode trazer nostalgia, mas nunca melancolia. E que a saudade se eterniza no tempo produzindo uma realidade de aceitação e vida, considerando que a saudade eterniza a presença de quem se foi."
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