Cada vez mais presente fora do continente africano, a varíola do macaco — considerada, desde o último sábado, uma emergência de saúde pública internacional pela Organização Mundial da Saúde (OMS) — tem apresentado características que justificam a preocupação das autoridades. Estudos indicam, cada vez mais, que pessoas que, recentemente, se infectaram fora da África apresentam sintomas distintos (Leia Para saber mais) dos esperados. Agora, uma pesquisa divulgada na última edição do The British Medical Journal (The BMJ) sinaliza que há fortes indícios de que a doença pode ser considerada sistêmica — quando compromete diferentes partes do corpo humano, como a covid-19.
Para chegar à conclusão, cientistas do Guys and St Thomas NHS Foundation Trust, no Reino Unido — onde o primeiro caso da atual crise foi detectado, em maio — analisaram 197 casos confirmados de varíola dos macaco em um centro de doenças infecciosas em Londres, entre maio e julho de 2022. A maioria dos pacientes, 86%, relatou sintomas que condizem com uma doença sistêmica. As complicações mais comuns foram febre (62%), linfonodos inchados — as populares ínguas — (58%), dor retal (36%) e dores musculares (32%). Também houve relatos de dor de garganta (16%), edema peniano (15%), lesões orais (13%), lesões solitárias (11%) e inchaço das amígdalas (4%).
Todos os pacientes apresentavam lesões na pele ou nas membranas das mucosas, mais comumente nos genitais ou na região perianal. E, em contraste com relatos recentes que indicam que os sintomas sistêmicos precedem as lesões cutâneas, nessa amostra britânica, 38% dos pacientes desenvolveram sintomas sistêmicos após o início das lesões mucocutâneas. Além disso, 14 apresentaram lesões sem as características sistêmicas.
Também chamou a atenção da equipe britânica a ocorrência de novos sintomas ligados à varíola do macaco. São eles: dor retal, inchaço peniano (edema), lesões solitárias e amígdalas inchadas. Há nesses casos, avaliam os pesquisadores, o risco de essas manifestações serem confundidas com as de outras doenças, dificultando o diagnóstico precoce. Para os autores, os resultados sugerem "um novo curso clínico para a doença (...) que deve ser incluído nas mensagens de saúde pública, com o objetivo de ajudar precocemente no diagnóstico e reduzir a transmissão".
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Perfil
Os 197 participantes do estudo eram homens (idade média de 38 anos), sendo que 196 se identificaram como gays, bissexuais ou homens que fazem sexo com homens. Pouco mais de um terço (36%) dos pacientes também tinha infecção por HIV e 32% testaram positivo para outras infecções sexualmente transmissíveis.
Apenas um participante havia viajado recentemente para uma região endêmica, e 25% haviam tido contato com alguém sabidamente infectado. Na avaliação dos autores, esses resultados "confirmam a continuidade sem precedentes da transmissão comunitária do vírus da varíola dos macaco entre gays, bissexuais e homens que fazem sexo com homens vistos no Reino Unido e em muitos outros países não endêmicos".
Hospitalizações
Desde o começo de maio, mais de 18 mil casos da varíola do macaco foram detectados em 78 países. Segundo a OMS, 70% deles estão na Europa e 25%, na América. A agência estima que 10% dos infectados precisam de internação hospitalar para controlar a dor causada pela doença. A previsão é a mesma constatada no trabalho que acaba de ser divulgado por cientistas britânicos. Dos 197 infectados, 10% foram hospitalizados para o tratamento principalmente de dor retal e inchaço peniano. Nenhuma morte foi registrada, mas algumas pessoas necessitaram de cuidados hospitalares intensivos.
"Aqueles com infecção confirmada por varíola de macaco com lesão extensa no pênis ou dor retal intensa devem ser considerados para um acompanhamento contínuo ou para o gerenciamento durante a internação", defendem os autores do estudo. O grupo também alerta que, apesar de os casos atuais se concentrarem em um perfil específico de pessoas, não se pode descartar a possibilidade de diversificação de pacientes. "O crescimento contínuo desse surto significa que a disseminação para populações vulneráveis é possível, incluindo indivíduos imunocomprometidos e crianças, e as implicações disso ainda não são compreendidas", justificam.