A lista de fenômenos espaciais intrigantes acaba de ganhar um novo registro inédito. Em um artigo divulgado na última edição da revista Nature Astronomy, uma equipe internacional de cientistas relata ter detectado o primeiro buraco negro de massa estelar adormecido fora da Via Láctea. Há muito tempo previsto na teoria, o fenômeno é de difícil detecção. “Encontramos uma agulha no palheiro”, comemorou, em comunicado, o principal autor do estudo, Tomer Shenar, que iniciou o estudo na Universidade Católica de Leuven, na Bélgica, e, agora, pesquisa na Universidade de Amsterdã, na Holanda.
Foram seis anos de observação com o Very Large Telescope (VLT), do Observatório Europeu Austral (ESO, na sigla em inglês), no Chile, para chegar ao fenômeno inédito. Os buracos negros de massa estelar — incomparavelmente menores que seus irmãos supermassivos — são estrelas massivas (com cinco a 50 vezes a massa do Sol) no fim da vida e estão colapsando sobre a própria gravidade. Esses objetos são tão densos e sua força de gravidade tão poderosa que nem mesmo a luz pode escapar: são, portanto, por definição, invisíveis. Os cientistas podem, porém, observar a matéria que circula em volta, antes de ela ser engolida.
Em um sistema binário, de duas estrelas girando em torno uma da outra, esse processo deixa para trás um buraco negro em órbita com uma estrela companheira luminosa. Mas quando o buraco negro está adormecido, ela não emite altos níveis de radiação de raios X, que é como essa regiões são normalmente detectadas. “É incrível que quase não saibamos de buracos negros adormecidos dado o quão comuns os astrônomos acreditam que eles sejam”, explica o coautor Pablo Marchant, também da uiversidade belga.
O buraco negro recém-descoberto tem pelo menos nove vezes a massa do Sol, está na Grande Nuvem de Magalhães, uma galáxia vizinha à nossa, e orbita uma estrela azul e quente que pesa 25 vezes a massa solar. “A estrela viva está longe o suficiente para não ser engolida. Permanece, por enquanto, em equilíbrio nessa órbita que tem duração de 14 dias”, explica à agência France-Presse de Notícias (AFP), Hugues Sana, também autor do estudo. Segundo o pesquisador da instituição belga, o equilíbrio não deve durar muito. “A estrela viva crescerá e, neste momento, parte de sua superfície será engolida pelo buraco negro, que emitirá raios X e, portanto, sairá de seu estado adormecido”, diz.
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Como uma dança
Durante três anos, surgiram vários candidatos ao título de buraco negro adormecido, mas nenhum havia sido aceito pela equipe internacional de astrônomos, batizada, pela ESO, de “polícia dos buracos negros”. “Pela primeira vez, a gente se reuniu para relatar uma descoberta de buraco negro em vez de rejeitar uma”, diz Shenar.
Para chegar ao sistema binário VFTS 243, a equipe pesquisou cerca de 1.000 estrelas massivas na região da Nebulosa da Tarântula da Grande Nuvem de Magalhães. Um dos desafios era, diante de possíveis evidências, descartar “muitas possibilidades alternativas”. “Como pesquisador que desmascarou potenciais buracos negros nos últimos anos, eu estava extremamente cético em relação a essa descoberta”, confessa Shenar.
Para ter certeza de que o objeto fantasma era de fato um buraco negro, os pesquisadores procederam por eliminação, descartando vários cenários, como o de uma estrela perdendo seu envelope. Hugues Sana ilustra como eles chegaram às evidências de que se tratava de um fenômeno ainda não registrado.
“Imagine um casal de dançarinos de mãos dadas que você observa no escuro. Um vestindo preto, o outro, um traje luminoso. Você só vê a dança do segundo, mas sabe que ele tem um parceiro de dança graças ao estudo do movimento”, detalha. “A única explicação razoável é que se trata de um buraco negro porque nenhuma outra estrela consegue reproduzir esses dados observacionais.”
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De acordo com modelos recentes, cerca de 2% das estrelas massivas em nossa galáxia provavelmente têm um buraco negro ao seu redor, de acordo com Sana. A equipe acredita que o trabalho publicado na Nature Astronomy pode ajudar na descoberta de outras regiões parecidas na Via Láctea e fora delas. “É claro que espero que outros estudiosos da área analisem cuidadosamente nossa análise e tentem criar modelos alternativos. É um projeto muito empolgante para se envolver”, afirma Kareem El-Badry, do Centro de Astrofísica Harvard & Smithsonian, nos EUA.
A descoberta também permite uma visão única dos processos que acompanham a formação dos buracos negros. Sabe-se que há o colapso de uma estrela massiva moribunda, mas permanece incerto se isso é ou não acompanhado por uma poderosa explosão de supernova. “A estrela que formou o buraco negro em VFTS 243 parece ter colapsado completamente sem nenhum sinal de uma explosão anterior”, explica Shenar. “Evidências para esse cenário de colapso direto têm surgido recentemente, mas nosso estudo provavelmente fornece uma das indicações mais diretas. Isso tem enormes implicações para a origem das fusões de buracos negros no cosmos.”