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Esponja marinha é eficaz contra microorganismos que causam doenças infecciosas

Nativa do Caribe e presente em Fernando de Noronha, espécie marinha mostra eficácia contra micro-organismos causadores de doenças infecciosas e resistentes aos medicamentos disponíveis atualmente. Ela produz substâncias que atacam os patógenos

A resistência a antibióticos é uma ameaça à saúde global, com estimativa de 10 milhões de mortes anuais em 2050, causadas por bactérias para as quais os medicamentos são inócuos. Agora, uma equipe de pesquisadores liderada pela Universidade de São Paulo (USP) em São Carlos identificou compostos em uma esponja marinha encontrada em Fernando de Noronha que podem ajudar no desenvolvimento de fármacos mais eficazes. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), quase todos os remédios da classe lançados nas últimas décadas são variações de fórmulas antigas, descobertas na década de 1980.

O estudo, publicado no Journal of Natural Products, teve apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e foi parte da tese de doutorado de Vitor Freire, no Instituto de Química de São Carlos (IQSC-USP). "Essa esponja marinha já havia sido estudada anteriormente por grupos fora do Brasil, principalmente na década de 1990", relata Freire. "Usamos técnicas de última geração para analisar substâncias de seu metabolismo secundário, procurar novas moléculas e testar sua atividade biológica. Fomos capazes de descrever uma série de novos compostos. O principal potencial detectado foi contra bactérias resistentes a medicamentos", detalha.

A esponja marinha analisada no estudo é a Agelas dispar, uma espécie nativa do Caribe e que está presente em parte da costa brasileira. Esses estão entre os organismos mais antigos da Terra e passam a vida ancorados em recifes ou no fundo do mar. Em milhões de anos de evolução, desenvolveram um metabolismo complexo, produzindo substâncias necessárias para a competição com outros invertebrados e para evitar a infecção por bactérias patogênicas.

As substâncias com maior potencial terapêutico identificadas no estudo foram três tipos diferentes de ageliferina, nomeados em homenagem à esponja marinha do gênero Agelas. "Outro fator importante é a capacidade das esponjas de armazenar microrganismos simbiontes, que também as ajudam a se defender. Quando analisamos compostos encontrados em esponjas, nem sempre sabemos o que foi produzido por elas e o que vem dos simbiontes", complementa Roberto Berlinck, professor do IQSC-USP e principal pesquisador do estudo. Os ensaios com bactérias foram realizados no Instituto Adolpho Lutz (IAL), laboratório de referência em vigilância epidemiológica do estado de São Paulo, e liderados por André Gustavo Tempone, também com apoio da Fapesp.

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Tumores

Treze compostos foram testados em uma linhagem de células de câncer de ovário conhecida como OVCAR3, mas não estavam biologicamente ativos. Outros grupos de pesquisa que investigaram ageliferinas em células de tumores de pulmão, cólon e mama não observaram ação antitumoral, e um não teve efeito sobre células de linfoma.

No entanto, três ageliferinas eliminaram as bactérias resistentes aos medicamentos Escherichia coli e Enterococcus faecalis, que são extremamente comuns e encontradas em vários ambientes, bem como no corpo humano. Também mostraram efeito contra Staphylococcus aureus, Klebsiella pneumoniae, Acinetobacter baumannii e Pseudomonas aeruginosa, listadas pela OMS como alvos prioritários para novos antibióticos, pois estão entre os micro-organismos responsáveis pela maioria das infecções hospitalares.

Os pesquisadores queriam saber se o uso dessas ageliferinas poderia levar à destruição dos glóbulos vermelhos (hemólise) nos intestinos, um efeito colateral potencialmente letal frequentemente observado em pacientes submetidos à quimioterapia que precisam de antibióticos. Em células murinas, os compostos não causaram esse tipo de dano, sugerindo potencial promissor de desenvolvimento de drogas.

O próximo passo é analisar outras esponjas marinhas usando a mesma metodologia. "Descobrir como essas substâncias são produzidas é extremamente importante, pois são distribuídas por várias classes de esponjas e podem ajudar no tratamento de doenças no futuro", disse Freire, atualmente pesquisador de pós-doutorado no Instituto Nacional do Câncer, nos Estados Unidos.

Multimorbidade tem fator socioeconômico

A multimorbidade — condição caracterizada pela presença de doenças concomitantes numa mesma pessoa — surge, em média, 10 anos antes em indivíduos que se encontram em vulnerabilidade social. Um estudo internacional publicado na revista Nature Reviews Disease Primers, com a participação de pesquisadores brasileiros, destaca que esse é um problema de saúde pública global, relacionado diretamente a fatores socioeconômicos.

"A multimorbidade está diretamente associada com determinantes de piora de qualidade de vida, como marcadores do envelhecimento, inflamação crônica, hábitos de vida (atividade física, dieta, tabagismo) e efeitos de remédios (como interações medicamentosas)", afirmou à Agência Bori Bruno Pereira Nunes, professor da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), no Rio Grande Sul, e coautor do estudo. O artigo traz as evidências na literatura sobre o tema, por meio de uma revisão bibliográfica, e organiza as informações como prevalência, epidemiologia e manejo desse fenômeno.

Além da relação com a vulnerabilidade socioeconômica, o artigo demonstrou a urgência de mais produções científicas a respeito do assunto, destaca o pesquisador. De acordo com Nunes, os mecanismos que impactam a multimorbidade são amplos, complexos e demandam uma atenção especial dos tomadores de decisão, uma vez que a estrutura social, de distribuição de renda e de bens tem papel importante na forma como a saúde dos indivíduos e da sociedade é afetada.

Covid

De acordo com a pesquisa, a pandemia de covid-19 repercutiu nas questões de multimorbidade. Se, antes da crise sanitária, afirma Bruno Nunes, esses pacientes já enfrentavam desafios, após o curso da pandemia, essa situação parece ter se agravado, principalmente para pessoas que precisam consultar diferentes serviços e profissionais de saúde para lidar com suas doenças.

"Os problemas de saúde podem ter se agravado e novas doenças podem ter surgido, como depressão e ansiedade, em razão da pandemia e sua condução pelos países", analisa Nunes.

O pesquisador também afirma que o risco de agravamento da infecção pelo vírus Sars-CoV-2 é maior em pessoas com multimorbidade, tornando a carga para enfrentar a pandemia maior entre essas pessoas. Ainda, países que tiveram um enfrentamento ruim da covid-19, como o Brasil, prolongaram a pandemia e suas consequências de forma desnecessária, causando mais desgaste para esses pacientes.

Pela urgência em se compreender melhor esse fenômeno e traçar estratégias mais efetivas de manejo, mais estudos são necessários, já que a falta de evidências sobre o assunto desafia toda a rede de cuidado, como profissionais, serviços e sistemas de saúde, ressalta Nunes. "Vale lembrar que o cuidado às pessoas com multimorbidade passa por uma atenção integral, humanizada, equitativa e longitudinal, com foco na atenção primária à saúde na coordenação da rede de cuidados." No Brasil, o Sistema Único de Saúde (SUS) e a Estratégia Saúde da Família são, na avaliação do pesquisador, capazes de fornecer a atenção para toda a população, "desde que tenham as condições adequadas para isso, incluindo financiamento e gestão de qualidade", finaliza.