Dormir bem é tão importante para o coração e o cérebro quanto não fumar, fazer exercícios físicos, controlar o colesterol e a pressão arterial, entre outros. Uma nova diretriz da Associação Norte-Americana do Coração (AHA) incluiu os padrões de sono entre os fatores de risco para enfermidades como infarto e acidente vascular cerebral. Em um artigo publicado na revista Circulation, a diretoria do colegiado, que influencia sociedades médicas de todo o mundo, considera que, após 12 anos de avaliações e 2,4 mil pesquisas científicas sobre o tema, a relação entre a qualidade do descanso noturno e a saúde cardiovascular está bem estabelecida.
Há 12 anos, a AHA elaborou uma lista de medidas essenciais para evitar doenças cardiovasculares que, até então, se chamava Life's Simple 7 . Com a atualização, as estratégias sobem para oito (veja arte). De acordo com a associação, nas duas últimas décadas, estudos determinaram que mais de 80% dos eventos que afetam coração e cérebro podem ser evitados por um estilo de vida saudável. Isso inclui dormir o suficiente e com regularidade.
"Cada pessoa tem seu tempo e padrão de sono, mas dormir menos de sete horas por noite, se deitar depois de 0h e acordar antes das 4h ou depois das 9h já é considerado patológico", aponta o otorrinolaringologista José Netto, especialista em medicina do sono. "A nova métrica da duração do sono (de sete a nove horas) reflete as últimas descobertas científicas: o sono afeta a saúde geral, e as pessoas que têm padrões mais saudáveis gerenciam indicadores de saúde, como peso, pressão arterial ou risco de diabetes tipo 2, de forma mais eficaz", disse, em nota, o presidente da AHA, Donald M. Lloyd-Jones.
As doenças cardiovasculares são as que mais matam no Brasil e no mundo e estão associadas a uma série de fatores de risco. Excetuando o histórico familiar, os agentes que influenciam a saúde do coração e do cérebro são relacionados a estilo de vida e, portanto, modificáveis. Por isso, médicos insistem na importância da higiene do sono: medidas como se deitar e levantar nos mesmos horários, evitar bebidas alcoólicas e refeições pesadas à noite, desligar o celular e não assistir TV na cama.
Mesmo no caso de ronco e apneia do sono — quando há uma interrupção da respiração por mais de 10 segundos —, é possível reverter os sintomas com algumas intervenções simples. Segundo José Netto, a apneia aumenta em 12 vezes o risco de evento cardiovascular e pode ser evitada combatendo tabagismo e obesidade, que também são fatores de risco para infarto e derrame cerebral. Em casos que envolvem disfunções anatômicas, cirurgias ou uso de aparelhos pode fazer a correção. "O importante é não ignorar apneia nem ronco. O impacto na saúde é muito grande", destaca.
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Exaustivamente estudada, a relação entre qualidade do sono e risco de enfermidades — não só cardiovasculares — tem múltiplas explicações. As pesquisas que encontraram a associação são observacionais, ou seja, não estabelecem causa e efeito. Porém, Antonio Carlos Chagas, cardiologista do Hcor, em São Paulo, explica que processos fisiológicos desencadeados pela falta do repouso adequado podem comprometer a saúde do coração e do cérebro. "Por exemplo, pessoas com apneia, especialmente obesos e hipertensos, têm níveis de oxigênio alterados. Sem dormir, acorda-se cansado e irritado, o que pode produzir arritmias", diz.
Chagas explica que a inclusão do padrão de sono nas diretrizes da AHA indica que, sozinho, esse fator já aumenta o risco de doenças cardiovasculares. Porém, o cardiologista lembra que um acúmulo de vulnerabilidades, como também fumar, ter excesso de peso, diabetes 2, colesterol elevado ou hipertensão, é ainda mais perigoso. "O conjunto é muito importante. Mas, sozinha, a qualidade do sono também fornece uma pista importante para que se possa pensar em prevenção", diz o médico, destacando que a publicação norte-americana tem um caráter especialmente educativo.
Para Luciano Drager, cardiologista da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), o principal mérito da publicação da AHA é olhar para o paciente como um todo, apontando que diferentes aspectos da rotina, como hábitos alimentares, atividade física e padrão de sono, influenciam a saúde cardiovascular. "Quando se controla os vários fatores de risco, maior a longevidade", afirma. Drager, que preside a Associação Brasileira do Sono (ABS), diz que a ampliação das medidas protetivas proposta pelo colegiado norte-americano valoriza a importância do dormir bem.
Em 2018, o médico foi o primeiro autor de um artigo publicado na revista Arquivos Brasileiros de Cardiologia defendendo a importância da qualidade do sono na saúde cardiovascular. "Muitas pessoas, especialmente as mais jovens, pensam que dormir é perda de tempo. Na verdade, a privação do sono influencia na qualidade e na quantidade de vida", ressalta Drager.