Cientistas japoneses produziram com sucesso camundongos clonados usando células desidratadas, em uma técnica que eles acreditam que, um dia, poderá ajudar a preservar espécies e superar os desafios dos métodos atuais. O estudo foi publicado na revista Nature Communications.
As Nações Unidas alertaram que as extinções estão se acelerando em todo o mundo, e pelo menos 1 milhão de espécies podem desaparecer por causa de impactos induzidos pelo homem, como as mudanças climáticas. Há um esforço global para preservar aquelas mais ameaçadas, com objetivo de clonagem futura. Geralmente, as amostras são criopreservadas usando nitrogênio líquido ou mantidas em temperaturas extremamente baixas, o que pode ser caro e vulnerável a quedas de energia. A técnica também envolve o uso de espermatozoides e óvulos, que podem ser difíceis ou impossíveis de se coletar — no caso de animais velhos ou inférteis, por exemplo.
Cientistas da Universidade de Yamanashi, no Japão, queriam ver se poderiam resolver esses problemas liofilizando células somáticas — qualquer célula que não seja um espermatozoide ou um óvulo — e tentando produzir clones. A liofilização é um processo de desidratação que consiste em congelar um produto a vácuo, que permanece viável por pelo menos três décadas.
Os pesquisadores testaram dois tipos de células de camundongos e descobriram que, embora a liofilização as matasse e causasse danos significativos ao DNA, elas ainda podiam produzir blastocistos clonados — uma bola de células que se desenvolve em um embrião. A partir desse material, os cientistas extraíram linhas de células-tronco e as usaram para criar 75 roedores.
Um dos camundongos sobreviveu um ano e nove meses, e a equipe também acasalou com sucesso fêmeas e machos clonados com parceiros naturais, com produção de filhotes normais. Os roedores fruto do processo de liofilização produziram menos descendentes do que seria esperado daqueles nascidos de forma natural, e uma das linhagens de células-tronco desenvolvidas a partir de células masculinas produziu apenas clones de camundongos fêmeas.
"A melhoria não deve ser difícil", disse Teruhiko Wakayama, professor da Faculdade de Ciências da Vida e Ambientais da Universidade de Yamanashi, que ajudou a liderar o estudo. "Acreditamos que, no futuro, poderemos reduzir as anormalidades e aumentar a taxa de natalidade, procurando agentes protetores de liofilização e melhorando os métodos de secagem", disse ele à agência France-Presse de notícias (AFP).
Biobancos
A taxa de sucesso da clonagem de camundongos a partir de células armazenadas em nitrogênio líquido ou em temperaturas ultrabaixas está entre 2% e 5%, enquanto no método liofilizado é de apenas 0,02%. Mas Wakayama diz que a técnica está em seus estágios iniciais, comparando-a com o estudo que produziu Dolly, o famoso clone de ovelha — um único sucesso após mais de 200 tentativas. "Acreditamos que o mais importante é que camundongos clonados foram produzidos a partir de células somáticas liofilizadas e que conseguimos um avanço nesse campo."
Embora seja improvável que o método substitua totalmente a criopreservação, ele representa um "avanço muito empolgante para os cientistas interessados em biobancos da biodiversidade global ameaçada", enfatizou Simon Clulow, pesquisador sênior do Centro de Ecologia e Genômica de Conservação da Universidade de Canberra. "Pode ser difícil e caro elaborar protocolos de criopreservação e, portanto, alternativas, especialmente aquelas mais baratas e robustas, são extremamente bem-vindas", acrescentou Clulow, que não participou da pesquisa.
O estudo armazenou as células liofilizadas a menos 30ºC, mas a equipe já havia mostrado anteriormente que o esperma de camundongo liofilizado pode sobreviver pelo menos um ano à temperatura ambiente, e a aposta do grupo é de que as células somáticas, também. A técnica pode eventualmente "permitir que recursos genéticos de todo o mundo sejam armazenados de forma barata e segura", disse Wakayama.
Esta não é a primeira vez que Wakayama trabalha com o método. Um de seus projetos recentes envolveu a liofilização de esperma de camundongo que foi enviado para a Estação Espacial Internacional. Mesmo depois de seis anos no espaço, as células foram reidratadas com sucesso de volta à Terra e produziram filhotes saudáveis.
Saiba Mais
- Ciência e Saúde Como zika e dengue podem deixar seres humanos mais atraentes para mosquitos
- Ciência e Saúde Abacate: 13 benefícios dessa fruta considerada um superalimento
- Ciência e Saúde Câncer de cólon: como reconhecer sintomas e sinais nas fezes
- Ciência e Saúde Bolhas azuis "misteriosas" no universo revelam novo tipo de sistema estelar
Notícias pelo celular
Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.
Dê a sua opinião
O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.
Palavra do especialista: Mais tempo de observação
"A capacidade de armazenar material genético é extraordinariamente importante, não apenas para manter amostras de espécies, mas também para garantir sua variação genética. Além disso, técnicas mais baratas e eficazes de armazenamento de material genético seriam muito úteis para o armazenamento dos recursos existentes de linhagens celulares e de uma grande variedade de amostras. A abordagem descrita no trabalho oferece uma alternativa (aos biobancos) e, certamente, permitir temperaturas mais permissivas seria uma grande vantagem. No entanto, a técnica ainda é muito trabalhosa, com baixo índice de sucesso e, mais importante, embora a integridade do material genético nessas condições de armazenamento tenha sido demonstrada ao longo de nove meses, seria primordial observá-la em um período de tempo maior."
Alena Pance, professora sênior de genética da Escola de Vida e Ciências Médicas da Universidade de Hertfordshire, no Reino Unido