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Cientistas detalham como ocorre a replicação do vírus da hepatite A

Cientistas descobrem mecanismo usado pelo HAV para se espalhar pelo corpo humano, abrindo as portas para a criação de um primeiro tratamento para a doença

Correio Braziliense
postado em 05/07/2022 06:00
 (crédito: Maryna Kapustina, UNC School of Medicine)
(crédito: Maryna Kapustina, UNC School of Medicine)

Entender o ciclo de replicação de um vírus é crucial para a criação de mecanismos que impeçam que ele dissemine pelo organismo que infectou. Uma equipe de cientistas da Escola de Medicina da Universidade da Carolina do Norte, nos Estados Unidos, acaba de descobrir detalhes cruciais sobre como o vírus da hepatite A (HAV) se espalha dentro do corpo humano, abrindo a possibilidade de criação do primeiro tratamento específico para uma doença que pode ter um processo de cura longo.

Os cientistas descobriram que a replicação do HAV requer interações específicas entre a proteína humana ZCCHC14 e um grupo de enzimas chamadas polimerases TENT4 poli(A). Em uma segunda etapa do estudo, o grupo identificou, em testes com camundongos, que o composto oral RG7834 consegue interromper a disseminação do vírus, impedindo a ocorrência de complicações nas células hepáticas.

"Nossa pesquisa demonstra que direcionar esse complexo proteico com uma terapia de pequenas moléculas administrada por via oral interrompe a replicação viral e reverte a inflamação do fígado, fornecendo prova de princípio para terapia antiviral e os meios para impedir a propagação da doença hepatite A em cenários de surtos", detalha, em comunicado, Stanley M. Lemon, autor sênior do estudo, divulgado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (Pnas), da Associação Americana de Ciências.

Lemon fez parte de uma equipe de cientistas que desenvolveu, nas décadas de 1970 e 1980, a primeira vacina inativada contra HAV administrada em humanos. Na avaliação dele, a quantidade de pesquisas sobre esse vírus diminuiu à medida que a fórmula protetiva se tornou amplamente disponível, em meados da década de 1990, e os casos de infecção despencaram. Os pesquisadores se dedicaram a investigar os vírus da hepatite B e C, que são muito diferentes do HAV e causam doenças crônicas. "É como comparar maçãs com nabos", ilustra Lemon. "A única semelhança é que todos eles causam inflamação do fígado."

Porém, mesmo com uma vacina eficaz, os surtos de hepatite A estão aumentando desde 2016. "Nem todos são vacinados, e o HAV pode existir por longos períodos de tempo em um ambiente — como em nossas mãos e em alimentos e água —, resultando em mais de 44 mil casos, 27 mil hospitalizações e 400 mortes nos Estados Unidos desde 2016", ilustra Lemon, embasado por dados do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC). A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que 0,5% das mortes anuais por hepatites virais sejam pelo HAV, o que representa cerca de 7,3 mil óbitos.

"Ponto de inflexão"

Em 2013, Lemon e colegas descobriram que o vírus da hepatite A muda drasticamente dentro do fígado humano. O patógeno sequestra pedaços da membrana celular à medida que deixa as células do fígado, ocultando-se de anticorpos que o colocariam em quarentena para não se espalhar amplamente pela corrente sanguínea. Esse trabalho foi publicado na revista Nature e forneceu informações sobre o quanto os pesquisadores ainda precisavam aprender sobre o HAV, descoberto há 50 anos.

Pouco tempo depois, um outro grupo de cientistas anunciou que tinha descoberto que o vírus da hepatite B precisava das enzimas TENT4A/B para sua replicação. Enquanto isso, Lemon liderava experimentos para procurar proteínas humanas usadas pelo HAV para o mesmo processo. Eles chegaram à ZCCHC14. "Esse foi o ponto de inflexão para o estudo atual", conta o pesquisador. "Descobrimos que a ZCCHC14 se liga muito especificamente a uma certa parte do RNA do HAV, a molécula que contém a informação genética do vírus. E, como resultado dessa ligação, o vírus é capaz de recrutar a TENT4 da célula humana"

Na biologia humana, a TENT4 faz parte de um processo de modificação de RNA durante o crescimento celular. Quando infecta uma pessoa, porém, o vírus da hepatite A sequestra essa enzima e a usa para replicar o seu genoma. O novo trabalho conduzido por Lemon e colegas sugere que interromper o recrutamento da TENT4 poderia quebrar a replicação viral e limitar a doença.

O grupo, então, testou o composto RG7834 para interromper a replicação do HAV. Em testes com camundongos modificados geneticamente para ter hepatite A, o composto reduziu "drasticamente" a capacidade de o vírus causar lesões hepáticas, de forma segura. Apesar dos resultados, Lemon é prudente quanto à aplicação clínica da abordagem. "Esse composto está muito longe do uso humano, mas aponta o caminho para uma maneira eficaz de tratar uma doença para a qual não temos tratamento", diz.

O composto foi desenvolvido para bloquear ativamente o vírus da hepatite B. A empresa farmacêutica Hoffmann-La Roche, que criou o remédio, o testou em humanos em ensaios de de fase 1, que tem o objetivo de demonstrar a segurança da abordagem. Os estudos em animais, porém, sugeriram que o RG7834 pode ser muito tóxico se usado por longos períodos de tempo.

Os resultados não desanimaram a equipe de Lemon. "O tratamento para a hepatite A seria de curto prazo, e, mais importante, nosso grupo e outros estão trabalhando em compostos que atingiriam o mesmo alvo sem efeitos tóxicos", justifica.

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Em até 60 dias

Não existe um tratamento para a hepatite A, que é mais incidente em regiões com pouco saneamento básico. Em mais de 90% dos casos, a cura é espontânea, com os sintomas desaparecendo em, em média, 10 dias e a recuperação completa ocorrendo em cerca de dois meses. Febre, icterícia (pele de cor amarelada), náuseas, vômitos e urina escura são as principais manifestações clínicas da doenças e podem ser amenizadas com medicamentos. Quando a hepatite A se agrava, ela pode levar à insuficiência hepática aguda.

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