Muito associado a religiões e filosofias que defendem a libertação dos animais, o vegetarianismo passou a chamar a atenção da ciência nos últimos anos. Seja devido à contribuição da pecuária para a emissão de gases de efeito estufa ou a descobertas de que o consumo de carne vermelha pode não ser saudável, o estilo alimentar que exclui esse tipo de fonte proteica tem sido alvo de estudos que avaliam seus potenciais benefícios à saúde. De melhora da cognição a redução do risco de hipertensão, diabetes e pré-eclâmpsia, as pesquisas sugerem que uma dieta à base de vegetais traz diversos benefícios para o organismo.
Há mais de uma década, Frank Hu, professor do Departamento de Nutrição da Escola de Saúde Pública TH Chan, de Harvard, estuda a relação do consumo de carne vermelha com diabetes. Recentemente, a equipe do cientista analisou amostras de sangue de 10.648 pessoas que participaram de três grandes estudos epidemiológicos norte-americanos. Ao cruzar as informações sobre hábitos alimentares fornecidas pelos voluntários com o diagnóstico da doença metabólica em um período de 20 anos, o pesquisador descobriu que uma dieta à base de plantas, incluindo frutas, legumes, nozes e café, está associada a um risco menor de desenvolver a enfermidade.
Segundo Hu, o estudo teve como objetivo identificar os perfis de metabólitos relacionados a diferentes dietas à base de plantas e relacioná-los ao risco de desenvolver diabetes tipo 2. Essas substâncias são produzidas no organismo e incluem o grande número de compostos encontrados em diferentes alimentos, assim como as moléculas formadas à medida que esses conjuntos de químicos são decompostos e transformados para serem usados pelo corpo. "As diferenças na composição química dos alimentos significam que a dieta de um indivíduo deve ser refletida em seu perfil metabólito", explica Hu.
O pesquisador lembra que a carga global do diabetes 2 nos sistemas de saúde é aumentada pelas inúmeras complicações decorrentes da doença, tanto macrovasculares (como enfermidades cardiovasculares) quanto microvasculares — condições que danificam os rins, os olhos e o sistema nervoso. A epidemia do distúrbio metabólico é causada principalmente por dietas pouco saudáveis, excesso de peso ou obesidade, predisposição genética e outros fatores de estilo de vida, como falta de exercício. "As dietas à base de plantas, especialmente as saudáveis, ricas em alimentos de alta qualidade, como grãos integrais, frutas e vegetais, têm sido associadas a um menor risco de desenvolver diabetes 2, mas os mecanismos subjacentes envolvidos não são totalmente compreendidos", diz Frank Hu.
Os participantes dos estudos avaliados pela equipe de Harvard preencheram questionários de frequência alimentar que foram pontuados de acordo com a adesão a dietas à base de plantas e aos regimes que incluem proteína e gordura animal. Em comparação com os voluntários que não desenvolveram diabetes, aqueles que foram diagnosticados com a doença durante o acompanhamento tiveram uma ingestão menor de alimentos vegetais saudáveis e comeram mais carnes e derivados Além disso, tinham um índice de massa corporal (IMC) médio mais alto e eram mais propensos a exibir níveis elevados de pressão arterial e colesterol, usar medicamentos para pressão arterial e colesterol, ter histórico familiar de diabetes e ser menos ativos fisicamente.
Os dados sobre os metabólitos encontrados no sangue dos participantes também revelaram que as dietas à base de plantas estavam associadas a perfis únicos, inversamente associados ao diabetes, independentemente do IMC e de outros fatores de risco. Análises posteriores revelaram que os níveis de trigonelina, hipurato, isoleucina e triacilgliceróis podem desempenhar um papel fundamental no mecanismo protetivo. Encontrada no café, a trigonelina, por exemplo, demonstrou efeitos benéficos na resistência à insulina em estudos com animais, enquanto níveis mais altos de hipurato estão relacionados a melhor controle glicêmico, aumento da secreção de insulina e menor risco de diabetes 2. A equipe sugere que esses metabólitos sejam melhor investigados para fornecer explicações fisiológicas de como mudanças alimentares podem ter um efeito benéfico na redução de diabetes 2.
Excesso de sal
Já em um dois estudos com animais, pesquisadores norte-americanos constataram que a dieta vegetariana oferece "proteção significativa" contra hipertensão em roedores criados com uma dieta rica em sal que desenvolveram a doença. Quando as fêmeas engravidam, o regime também protege as mães e seus filhotes da pré-eclâmpsia, uma condição que pode ser letal. As pesquisas, publicadas nas revistas Acta Physiologica e Pregnancy Hypertension, fornecem mais evidências do potencial das intervenções nutricionais para melhorar a microbiota intestinal e, consequentemente, a saúde em longo prazo, diz David L. Mattson, presidente do Departamento de Fisiologia da Escola de Medicina da Georgia e autor sênior dos dois estudos.
Ambos resultam da observação inesperada de que a proteção funciona mesmo em um modelo bem estabelecido de hipertensão sensível ao sal. Esses roedores são criados para desenvolver essa condição, além de doença renal progressiva. Os animais utilizados nas pesquisas foram alimentados com um regime proteico, à base de leite. Quando chegaram ao laboratório de Mattson, passaram para uma alimentação baseada em grãos. Ambas são relativamente pobres em sódio, observa o cientista.
Segundo Mattson, mesmo aumentando o teor de sal na dieta, os animais que consumiam apenas grãos integrais não apresentaram hipertensão, ao contrário dos que continuavam com o regime à base de leite. O fato de o ingrediente não ter alterado as taxas dos roedores alimentados com plantas indica que ele não age sozinho, mas que sua combinação com outros elementos é que tem o potencial maléfico. "A proteína animal amplificou os efeitos do sal", diz o pesquisador.
"Uma vez que a microbiota intestinal tem sido implicada em doenças crônicas como a hipertensão, levantamos a hipótese de que as alterações na dieta alteram a microbiota para mediar o desenvolvimento de hipertensão sensível ao sal e doença renal", escreveu o grupo de pesquisadores, na revista Acta Physiologica. Ao sequenciar o microbioma intestinal dos roedores dos dois grupos, os cientistas descobriram que eram praticamente idênticos, apesar da diferença na resposta ao ingrediente. Essas disparidades podem ser explicadas, segundo eles, pela composição de bactérias em cada regime alimentar.
Além disso, seis fêmeas (três de cada grupo) engravidaram. Enquanto as que consumiam trigo integral foram protegidas da pré-eclâmpsia, cerca de metade das incluídas na dieta de caseína proveniente do leite desenvolveram essa complicação. Agora, os pesquisadores estão explorando o impacto do regime à base de plantas no sistema renina-angiotensina, que ajuda a regular a pressão arterial. Eles também querem identificar melhor as bactérias associadas à hipertensão.