MEIO AMBIENTE

Pela primeira vez, cientistas fazem mapeamento do fundo do mar da Antártida

Projeto cobre área equivalente a 5,8 bilhões de campos de futebol. Geofísico integrante da equipe cita potenciais da pesquisa

Foram cinco anos de trabalho e de constantes atualizações até a conclusão da Carta Batimétrica Internacional do Oceano Antártico (IBCSO, pela sigla em inglês. O primeiro mapa detalhado e preciso do fundo das águas que circundam a Antártida cobre uma área de 48 milhões de quilômetros quadrados — o equivalente a 5,8 bilhões de campos de futebol — e abre um leque de conhecimentos científicos sobre as correntes marítimas ao redor do continente gelado, o relevo e a vida marinha. A ICBSO rastreou cânions, planícies e montanhas do relevo oceânico.

Em entrevista ao Correio, o britânico Robert D. Larter, geofísico marinho da British Antarctic Survey e membro da equipe que produziu o mapa, destacou a importância do "retrato" do Oceano Antártico para a ciência. "Por meio dele, poderemos identificar diferentes habitats no fundo do mar, alguns dos quais pode merecer proteção. Também será possível apontar áreas onde existam riscos potenciais, como encostas passíveis de sofrerem grandes desmoronamentos, capazes de causar tsunamis", disse.

De acordo com Larter, a Carta Batimétrica Internacional do Oceano Antártico representa uma modelagem precisa da circulação oceânica. "Com o mapa, compreenderemos como os principais sistemas de correntes do Oceano Antártico são orientados pela topografia do fundo do mar. Isso é um elemento importante para as previsões de mudanças climáticas", afirmou o cientista. "Muitas outras aplicações científicas podem advir do mapa, inclusive a minha área de pesquisa: o estudo da extensão passada das calotas polares, os regimes de fluxo entre eles e como interagiram com o assoalho oceânico", acrescentou.

Apesar da utilização de sistemas de sonares multifeixes ultramodernos, capazes de rastrear uma faixa do fundo do mar com uma largura até quatro vezes maior, a pesquisa levou um tempo significativo. "É por isso que os dados atuais somente contemplam um quarto das células da grade no mapa. Ainda que os nossos sistemas sejam altamente automatizados e sofisticados, uma fração das profundidades que eles registram se mostram passíveis de erros, e os dados exigem processamento para obtermos mapas 'limpos'", comentou Larter.

Entre as descobertas feitas por meio da IBCSO, está a localização do novo ponto mais abissal do Oceano Antártico: a Depressão Factoriana, com 7.432m de profundidade. Segundo a emissora britânica BBC, o novo mapa cobre uma área de 50 graus ao sul do Oceano Antártico. Para se ter uma perspectiva do nível de detalhamento do mapa, se os cientistas dividirem os 48 milhões de quilômetros quadrados rastreados em quadrados de grades de 500m, 23% dessas células passaram por pelo menos uma medição de profundidade moderna.

Cobertura

Antes, a IBCSO começava a 60 graus ao sul, com menos de 17% das grades sujeitas à medição moderna. "É preciso entender exatamente o que significa a mudança de 60 para 50 graus; nós mais que dobramos a área do gráfico", esclareceu Boris Dorschel, cientista do Instituto Alfred Wegener da Alemanha e líder do projeto, em entrevista à BBC."Assim, aumentamos a cobertura da área, mas também aumentamos a densidade de dados, porque, paralelamente, continuamos adquirindo novos dados", disse ele à BBC News.

Em 2013, os cientistas participantes do Projeto IBCSO realizaram a primeira tentativa de criar um mapa detalhado do fundo do mar da Antártida. Dessa vez, eles conseguiram cobrir uma área 2,4 vezes maior do que a versão anterior. No estudo publicado na revista Nature, a equipe de pesquisadores sublinhou que as interações do Oceano Antártico com as geleiras e as plataformas de gelo são os principais impulsionadores do equilíbrio da massa polar que cobre a Antártida. A importância da compreensão desse sistema está na possibilidade de aferir mudanças globais no nível dos mares, o que pode causar inundações de áreas costeiras.

Ainda que seja uma das áreas mais remotas e severas — sob o ponto de vista do clima — do planeta, o Oceano Antártico tem sofrido cada vez mais o impacto das atividades humanas, como as próprias pesquisas científicas, a pesca e o turismo. Os estudiosos esperam que, com o mapa detalhado do fundo do mar, a ciência consiga melhor entender o Oceano Antártico e seus processos, e estabelecer medidas de gerenciamento de conservação e de impacto da influência do ser humano.

Esforço conjunto

A Carta Batimétrica Internacional do Oceano Antártico é fruto de um esforço coordenado dos cientistas, mas, também, das embarcações que navegam pela Antártida. As embarcações e navios têm sido encorajados a ativar os sonares para fazerem medições de profundidade. Por sua vez, governos, corporações e instituições de pesquisa são instadas a não ocultar dados.

Robert D. Larter advertiu que a IBCSO não tem o propósito de orientar a navegação, apesar da riqueza de detalhes. "As cartas de navegação são produzidas por muitas organizações hidrográficas nacionais espalhadas pelo mundo, com foco no registro de áreas rasas, que poderiam representar perigo para as embarcações", explicou o estudioso da British Antarctic Survey.

Especialista em calotas polares, Larter afirmou que, em muitas partes da Antártida, a camada de gelo se estendeu até a borda da plataforma continental durante a última era glacial, 20 mil anos atrás. "Em grande parte da região oeste da Antártida, a maior parte do recuo do placa de gelo já havia ocorrido 10 mil anos antes. Nessa região, a taxa média de recuo da camada polar durante os últimos 10 mil anos era muito mais lenta, até acelerar por causa das mudanças climáticas, no século passado", disse.

O conhecimento do formato do assoalho oceânico também pode ajudar a decifrar o clima e a história geológica da Terra. O novo mapa recebeu o financiamento da Fundação Nippon, do Japão, e o apoio da Seabed2030, um consórcio internacional para mapear todo o fundo dos oceanos até o fim desta década. Até o momento, a ciência desenhou quatro quintos do terreno submarino, a partir de medições de baixa resolução feitas por satélites. Os altos montes e os vales abissais foram detectados a partir de sua influência gravitacional sobre a superfície do oceano.

 

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"Características, como montes submarinos e a forma das encostas das margens continentais são importantes no controle das correntes oceânicas e em áreas ricas em nutrientes e, portanto, em muitos tipos de vida marinha. É uma informação importante para a gestão da pesca. Algumas espécies que vivem no fundo do mar são encontradas em tipos específicos de encostas ou em áreas de topografia acidentada. Portanto, a informação que obtivemos será importante para o planejamento de sua preservação."

Robert Larter, geofísico marinho da British Antarctic Survey e um dos cientistas responsáveis pela confecção do mapa do mar da Antártida