A talidomida — um remédio que, comprovadamente, causa defeitos congênitos em bebês quando administrado em grávidas — foi objeto de estudo de pesquisadores do Instituto Duve, na Bélgica, mostrando uma outra utilidade terapêutica para o medicamento.
A pesquisa — publicada na revista científica Nature Cardiovascular Research (que você pode ler neste link) e apresentada na conferência anual da Sociedade Europeia de Genética Humana — mostra resultados positivos do uso da talidomida em pacientes com malformações arteriovenosas graves (MAVs).
As MAVs são emaranhados anormais de vasos sanguíneos conectando artérias e veias e alteram o fluxo sanguíneo normal. Eles são muito dolorosos e causam sangramento e deformação da parte do corpo afetada, bem como problemas cardíacos.
Geralmente congênitas, elas muitas vezes só são perceptíveis na adolescência ou na idade adulta e o tratamento é feito por meio de cirurgia ou embolização (injeção de um agente que destrói os vasos sanguíneos localmente, induzindo assim a criação de tecido cicatricial), embora isso raramente seja totalmente eficaz e possa piorar a situação.
Não é incomum que pessoas com MAVs tenham uma vida normal, no entanto, mesmo nos casos menos severos há sempre o risco de que os emaranhados anormais dos vasos sanguíneos possam estourar e causar um acidente vascular cerebral (AVC) — quando no cérebro. Cerca de uma em cada cem pessoas com MAVs sofre um AVC todos os anos.
Como funcionou o estudo
A pesquisa foi inicialmente testada em camundongos e depois os pesquisadores fizeram testes clínicos. Foram escolhidos 18 pessoas com idades entre 19 e 70 anos e que tinham MAVs. As más formações dos escolhidos não haviam sido tratadas usando os métodos tradicionais.
As pacientes mulheres que participaram do estudo tiveram ainda que concordar em usar métodos contraceptivos por pelo menos quatro semanas antes de iniciar a talidomida e continuar por quatro semanas após a interrupção do tratamento. Como a talidomida está presente no sêmen, os homens também tiveram que concordar em usar preservativos durante o sexo.
Os pacientes receberam 50mg, 100mg ou 200mg de talidomida por dia por entre dois e 52 meses. Oito pacientes apresentaram quadro estável após 54 meses e 4 em apenas 11 meses e meio.
Além disso, o tratamento combinado com embolização — em que as artérias ou veias da MAVs são bloqueadas por um agente que destrói as células da parede vascular — permitiu que a dose de talidomida fosse reduzida para 50mg por dia em cinco pacientes.
“Todos os pacientes experimentaram uma rápida redução da dor, juntamente com a cessação do sangramento e a cicatrização de úlceras onde estavam presentes”, relata Miikka Vikkula, uma das autoras do estudo.
“Sabemos que a talidomida atua através do fator de crescimento endotelial vascular (VEGF) uma proteína sinalizadora que promove o crescimento de novos vasos sanguíneos. Os níveis de VEGF são altos em anormalidades vasculares, como MAVs e, portanto, é provável que a talidomida reduza a sinalização através das vias promotoras da angiogênese. Embora nosso estudo seja pequeno, os resultados são convincentes e esperamos que sejam confirmados por ensaios maiores”, complementa.
O custo também foi um fator positivo para o uso da talidomida. Dois outros medicamentos, desenvolvidos recentemente para uso em oncologia e testados para tratar MAVs, custam até doze vezes mais, além de apresentarem inúmeros efeitos colaterais.
“Em nossa opinião, esta é uma descoberta inovadora e fornece uma base sólida para o desenvolvimento de tratamentos moleculares para MAVs", declara Vikkula.
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