Se você acompanha as redes sociais, provavelmente já se deparou com propagandas ou famosos que já se submeteram a — popular — harmonização facial. A atual queridinha dos influencers e artistas, a procura pelo procedimento estético tem aumentado com o passar dos anos. A promessa de um rosto harmônico e a ideia da imagem perfeita (onde se molda a boca, as sobrancelhas, as mandíbulas e as maçãs do rosto) já levou milhares de brasileiros às clínicas de estética.
De acordo com uma pesquisa da Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética (ISAPS), divulgada em dezembro de 2019, mostrou que no Brasil (ainda em 2018) teve um milhão e meio de cirurgias plásticas estéticas, além de outros 969 mil procedimentos estéticos não-cirúrgicos.
É difícil identificar empiricamente a ligação direta entre os grandes número de procedimentos e a dinâmica das redes sociais, mas especialistas estão se questionando se não há uma banalização da harmonização facial — e outros procedimentos estéticos.
Os procedimentos
O crescimento no número de procedimentos também pode ser por causa de outro fator, nos últimos 20 anos, houve um aumento significativo nas possibilidades de ações médicas nessa área.
“A harmonização facial é um conjunto de procedimentos pouco invasivos, portanto a maioria deles não é cirúrgico, exceto alguns procedimentos, entre eles a bichectomia para afinar as bochechas.” explica a cirurgiã dentista, especialista em harmonização facial, Karina Braga.
A cirurgiã plástica, Raquel Camelo, profissional da clínica Casal Plástica Brasília, explica que a harmonização facial é composta por um conjunto procedimentos; “Muita gente acha, e considera, que harmonização apenas é apenas preenchedores, e no meu ponto de vista é impossível fazer uma harmonização facial apenas com preenchedores. Afinal de contas, como o nome já diz, a harmonização facial precisa manter a harmonia das estruturas da face. Então, normalmente eu utilizo mais um tipo de procedimento para ter um resultado mais natural e mais harmonioso.”
Karina explica que na maioria dos casos o paciente pode voltar para a rotina normal imediatamente, e em alguns casos em até 24 horas depois.
A “Dismorfia”, o fenômeno social e digital
A dysmorphia, é um fenômeno recente que mostrou que um grande número de jovens mulheres norte-americanas estão levando aos cirurgiões plásticos fotos de si mesmas com filtros, dizendo que é assim que elas querem parecer. Além dos filtros, as redes sociais como um todo influenciam e muito as pessoas, no sapato que as pessoas compram, na viagem que as pessoas marcam e também nos procedimentos estéticos mais procurados.
Karina Braga entende que em parte o aumento da procura por procedimento tem relação com as redes sociais, mas que também está relacionado à auto estima das pessoas. “Uma das causas, está associada ao aumento dos acessos nas redes sociais. Muitas vezes impondo um padrão de beleza. E a harmonização facial nos ajuda a devolver ou a melhorar a face , trazendo de volta, ou apenas aumentando a auto estima das pessoas.”
Raquel Camelo também comenta o impacto das redes sociais nos consultórios: "Os filtros do Instagram mudam a forma dos rostos, na busca do rosto perfeito, na busca das estruturas perfeitas. É até um exagero, a gente, como profissional, como médicos, como cirurgiões plásticos, temos que cuidar e orientar os nossos pacientes com relação a isso. Porque o que a gente vê é essa febre".
O psicólogo do Hospital Anchieta, Fernando Machado entende que as redes sociais têm um papel importante nesse processo e cita que o Instagram está passando por um processo de revisão no seu modelo. “O Instagram estava sendo processado em alguns países aí por essa questão de grande exposição de imagem perfeita. (Existem) adolescentes fazendo cirurgias e mais cirurgias para ter principalmente o rosto perfeito dos filtros.”
A ditadura do perfeito — um alerta
“Pele sem poros, do rosto saliente, o olhar, os cílios alongados, o nariz delicado, a boca carnuda. Até eu quando eu coloco esse filtro eu quero ter esse rosto perfeito, mas na hora da prática não saí dessa forma. Então as redes sociais têm uma influência muito grande na ditadura do perfeito”, explica Fernando Machado.
O psicólogo também argumenta que as pessoas estão assistindo famosos que já gastaram milhões para alterar a estética e estão querendo se comparar. “Existe um processo de insatisfação do seu próprio eu, do próprio corpo, da própria imagem corporal. Então é uma questão que a gente coloca dentro da autoimagem corporal. O queixo nunca está bom, o nariz não está bom. É um sentimento de que sempre está faltando alguma coisa para atingir a perfeição.”
Professor do departamento de Filosofia da Universidade de Brasília (UnB), Rogério de Mello Basali, comenta que a subjetividade das pessoas está sendo esmagada pelo sistema. “As pessoas nem escolhem isso, são levadas a se comportarem dentro de universos de referência muito precarizados. É preciso trabalhar ao mesmo tempo com o conhecimento, a sensibilidade, a imaginação e o desejo, a fim de favorecer as singularidades.”
A busca pelo perfeito e ideal é muito mais antiga do que as redes sociais e blogueiros, mas, a cada ano, vem sendo explorada de forma direta pela sociedade do consumo. “Atualmente são famosos os que se prestam a algum padrão uniformizante de existências, na maioria das vezes usados também. Perdemos entre nossas referências a noção de excelência, uma noção de reconhecimento pelos outros daquilo que a auto elaboração de si pode mostrar, um tipo de beleza efetiva e singular, mas que daria trabalho para ser alcançada e, por isso, é mais cômodo seguir tais padrões uniformizantes. As pessoas já não têm segurança na vida ou no trabalho e necessitam se construir e se fabricar, se identificar, e nesse sentido os famosos se converteram em modelos no reforço desse padrão”, pontua o filósofo.
*Estagiária sob supervisão de Ronayre Nunes
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