A pandemia da covid-19 nos Estados Unidos causou mais do que mortes pelo novo coronavírus: um estudo revelou um aumento expressivo do número de óbitos por uso abusivo de bebidas alcoólicas em 2020 e 2021. O trabalho feito por pesquisadores do instituto e hospital Cedars-Sinai, da Califórnia, descobriu, ainda, que o aumento dos óbitos foi maior em adultos entre 25 a 44 anos.
De acordo com os médicos pesquisadores, o estudo, publicado em 4 de maio no jornal científico Jama Network Open (e que você pode ler na íntegra neste link), comprovou o que os profissionais viram no centro médico da unidade em que trabalham. “Durante os primeiros meses da pandemia, meus colegas e eu vimos um número crescente de pacientes sendo tratados por condições agudas relacionadas ao uso de álcool na unidade de terapia intensiva (UTI) e em todo o centro médico”, disse Yee Hui Yeo, autor principal do estudo.
“Também tomamos conhecimento de relatos de outros centros sobre complicações relacionadas ao uso elevado de álcool. Isso nos levou a pensar que talvez esta tenha sido, e ainda seja, uma crise significativa de saúde pública”, acrescentou.
Para atestar se os casos observados no dia a dia era uma realidade nacional, os pesquisadores recorreram a um método de projeção e comparação. Primeiro, fizeram uma projeção das mortes que ocorreriam em 2020 e 2021 por complicações do uso abusivo de álcool, com base nos óbitos por este motivo registrados entre 2012/13; 2014/15; 2016/17 e 2018/2019.
As informações foram extraídas do banco de dados dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças, uma plataforma que cobre mais de 99% das mortes dos EUA. Em seguida, os cientistas compararam o número de mortes esperadas pelo que chamaram de transtorno por uso de álcool para os anos de 2020 e 2021 com o real registro de óbitos neste período pelo mesmo motivo.
O resultado foi um aumento geral na mortalidade por álcool ou por doenças provocadas pela bebida, em todas as idades e gêneros durante a pandemia. Em 2020, as taxas de mortalidade aumentaram 24,79%; já em 2021, o aumento foi de 21,95% do que era projetado para esses anos.
Apesar dos falecidos entre 25 a 44 anos serem os mais jovens com mortes registradas — comparados aos de 45 a 64 anos e de mais de 65 anos — foi nessa faixa etária que as mortes mais aumentaram nos dois primeiros anos da pandemia. Em 2020, foi registrado 40,47% a mais e, em 2021, 33,95% do que era o esperado.
Para o autor do estudo, as taxas de mortalidade podem ser ainda maiores. “Sabemos que o transtorno por uso de álcool é frequentemente subnotificado, então as taxas reais de mortalidade relacionadas ao uso de álcool podem ser ainda maiores do que as relatadas”, disse Yeo.
Estudo é importante para formulação de políticas públicas, diz pesquisadores
Para classificar os óbitos como transtorno por uso de álcool, os pesquisadores utilizaram um guia médico chamado Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, que categoriza o transtorno.
De acordo com o documento, uma pessoa tem o transtorno por uso de álcool quando “leva a prejuízo ou sofrimento clinicamente significativo manifestado por uso recorrente da bebida que resulta em descumprimento de obrigações na escola, no trabalho ou em casa”.
Os pesquisadores também analisaram a relação do transtorno com o perfil socioeconômico da vítima. A descoberta foi que a maioria deles pertencem a classes sociais que não têm poder aquisitivo suficiente para ter acompanhamento médico, o que dificultou o acesso a tratamentos de doenças ocasionadas pelo álcool.
Na pandemia, os médicos afirmam que os lockdowns e o direcionamento das instalações médicas apenas para a covid-19 afetaram o tratamento das pessoas com o transtorno. “Ao publicar este artigo, queremos que todos, especialmente formuladores de políticas e médicos na linha de frente, saibam que, durante a pandemia, houve realmente um aumento significativo nas mortes relacionadas ao uso de álcool”, disse Yeo.
“Nossos achados sugerem que efeitos indiretos da pandemia, como políticas de permanência em casa e recursos médicos e sociais reduzidos para pacientes com transtornos por uso de álcool, sugere o excesso de mortes”, acrescenta.
“Queremos garantir que os pacientes que procuram tratamento por uso de álcool ou substâncias tenham acesso a cuidados de acompanhamento para evitar complicações secundárias. Subgrupos com alta vulnerabilidade demandam estratégias personalizadas para prevenção e intervenção de pessoas com esse transtorno para combater essa crise de saúde pública”, conclui o médico.