Pessoas vacinadas, sem dose de reforço, que tiveram infecções leves por covid-19 podem apresentar sintomas debilitantes e persistentes que afetam órgãos, como rins e estômago, bem como a saúde mental. É o que mostra um estudo realizado por cientistas americanos, divulgado na mais recente edição da revista especializada Nature Medicine. Os pesquisadores avaliaram dados médicos de milhares de pacientes nos Estados Unidos e constataram que esses problemas são ainda mais frequentes em imunocomprometidos. A despeito disso, os especialistas ressaltaram que as vacinas reduzem os riscos de morte e de contrair a enfermidade.
Para o estudo, os pesquisadores analisaram os registros médicos de veteranos de guerra disponíveis em um banco de informações relacionados à prestação de servidos de saúde no país, mantido pelo governo americano. Foram examinados dados de 113.474 não vacinados contra a covid-19 e de 33.940 já imunizados. Os especialistas pesquisaram ainda referências de outras 100 mil pessoas vacinadas, de idades e etnias distintas, infectadas pelo vírus. Todos os avaliados tiveram a doença entre 1º de janeiro e 31 de outubro de 2021 — antes, portanto, do surgimento da variante ômicron.
Os pesquisadores classificaram como totalmente imunizados quem havia recebido duas doses dos produtos da Moderna ou da Pfizer-BioNTech ou uma dose do fármaco criado pelo laboratório Janssen. “No momento em que a pesquisa foi realizada, o banco de dados utilizado para esse estudo não incluía informações relacionadas a reforços vacinais”, destacaram. Na análise, eles constataram que de 8% a 12% dos vacinados infectados desenvolveram sintomas associados à covid longa, que incluem distúrbios envolvendo os rins, saúde mental, problemas no metabolismo e nos sistemas gastrointestinal e musculoesquelético.
Os especialistas também constataram que esse risco foi 17% maior entre os imunocomprometidos vacinados. Os imunizantes mostraram-se mais eficazes na prevenção de algumas das manifestações graves da covid longa — distúrbios pulmonares e de coagulação do sangue diminuíram cerca de 49% e 56%, respectivamente, entre os vacinados. A vacinação também reduziu o risco de morte dos pacientes em 34% e o de contrair a enfermidade em 15%, na comparação com não vacinados infectados.
“As vacinas continuam sendo extremamente importantes na luta contra a covid-19”, declarou Ziyad Al-Aly, epidemiologista clínico da Universidade de Washington, nos EUA, e um dos autores do estudo. “Essas armas protetivas reduzem a probabilidade de hospitalização e morte por covid- 19, mas parecem fornecer apenas uma proteção modesta contra a covid longa”, acrescentou.
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Alerta
Para os cientistas, os dados vistos no estudo são um alerta importante à área médica. “Agora que entendemos que a covid-19 pode ter consequências persistentes para a saúde, mesmo entre os vacinados, precisamos avançar no desenvolvimento de estratégias de mitigação que possam ser implementadas a longo prazo, pois não parece que o novo coronavírus vá desaparecer tão cedo”, ressaltou Al-Aly.
Segundo o autor do estudo, as vacinas nasais, mais fáceis de serem aplicadas do que as atuais, e medicamentos destinados a minimizar os danos gerados pela covid-19 a longo prazo, podem ser boas opções a serem adotadas. “Contrair essa infecção, mesmo entre indivíduos imunizados, parece algo quase inevitável hoje em dia”, ressaltou o epidemiologista. “Por isso, precisamos criar essas fontes extras de proteção”, frisou o especialista.
Para o infectologista Leandro Machado, os dados verificados no estudo refletem o que especialistas da área já esperavam. “Nós sabemos que o papel da vacina é evitar danos mais graves, que podem gerar a morte dos pacientes. Essas complicações de covid longa podem, sim, acontecer. São um risco, mesmo em quem foi imunizado. Por isso, é importante adotar outras medidas preventivas, como a máscara e o uso do álcool em gel, por exemplo”, afirmou.
Machado também disse acreditar que outras medidas de auxílio no combate a essa enfermidade podem surgir no futuro, principalmente, devido ao avanço da tecnologia. “Com a covid-19, tivemos um recorde na produção de imunizantes, usando técnicas totalmente novas. É bastante possível que venham surgir novos fármacos e medicamentos que evitem essas sequelas longas e até a forma leve da doença”, opinou.
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Mais investigações necessárias
"A covid longa é um problema de saúde que ainda não compreendemos totalmente. Sabemos que as pessoas podem sofrer danos diversos por meses após a cura da doença, como cansaço, dificuldade de raciocinar e memória fraca, entre outras falhas. Agora, vemos que as vacinas também não conseguem driblar esses prejuízos em alguns pacientes, apesar de ela ser extremamente efetiva no combate a casos graves dessa enfermidade e também ao óbito. Essa nova informação é valiosa, pois pode nos ajudar a entender melhor esses prejuízos. Apenas com dados como esses podemos trabalhar em busca de elementos que evitem essas sequelas. Precisamos de mais pesquisas que nos mostrem os mecanismos que estão por trás dessas falhas e, com base nisso, iremos desenvolver ferramentas que ajudem a freá-las."
Lucas Albanaz, clínico geral do Hospital Santa Lúcia, em Brasília
Molécula do café está relacionada à alteração no olfato
Um dos possíveis efeitos colaterais desencadeados pela infecção do novo coronavírus consiste na falha no olfato — ou mesmo perda temporária desse sentido. Os pacientes podem sentir cheiros repulsivos em diversos alimentos, mesmo depois de curados. Em um estudo científico publicado na última edição da revista Nature Medicine, especialistas ingleses identificaram uma molécula presente no café que está relacionada a essa alteração no cheiro.
Os autores do trabalho explicam que uma grande parcela das pessoas que contraíram covid-19 desenvolve a parosmia, problema de saúde em que um indivíduo tem dificuldade para sentir odores. Segundo os cientistas, alguns dos alimentos "gatilhos" mais comuns relacionados a essa enfermidade são café, chocolate, carne, cebola e creme dental. "No nosso estudo, resolvemos investigar se havia compostos específicos dentro desses produtos que poderiam ser os culpados por essas falhas olfativas", destacaram os pesquisadores no artigo.
O estudo acabou focando especificamente o café. Os especialistas separaram 100 compostos que compõem a bebida já pronta para serem avaliados individualmente por dois grupos de voluntários, sendo o primeiro formado por 29 pessoas que tiveram parosmia. O outro foi formado pela mesma quantidade de indivíduos que não manifestaram esse problema de saúde.
Nas análises, os especialistas encontraram 15 compostos que desencadearam a parosmia, sendo um deles o principal culpado por falhas relacionadas ao cheiro, um produto químico chamado de 2-furanmethanethiol. "Os analisados com um olfato normal identificaram o odor desse composto como oriundo de café ou pipoca, mas aqueles com parosmia geralmente descreveram seu cheiro como repugnante, repulsivo ou sujo", destacaram os pesquisadores.
Os cientistas acreditam que outros elementos podem estar relacionados ao problema, mas ressaltam que a identificação dessa molécula é um passo importante. "Ainda temos um longo caminho a percorrer", admitiu Simon Gane, pesquisador do Royal National Ear, Nose and Throat Hospital, no Reino Unido, e um dos autores do estudo.