doença respiratória

Vírus sincicial respiratório causou a morte de 101 mil crianças apenas em 2019

As vítimas do sincicial respiratório têm até 5 anos e a maioria delas, 97%, mora em países de renda média e baixa, mostra estudo global com dados de 2019. Brasil enfrenta uma temporada de alta disseminação do patógeno

Vilhena Soares
postado em 20/05/2022 06:00
 (crédito: CESAR VON BANCELS)
(crédito: CESAR VON BANCELS)

Com alta circulação no Brasil, o vírus sincicial respiratório (VSR) é o responsável por mais de 100 mil mortes de crianças com até 5 anos em 2019, no mundo, alertam cientistas. Em um trabalho publicado na última edição da revista The Lancet, a equipe internacional mostra que o alto índice de óbitos se deu pela infecção aguda do trato respiratório desencadeada pelo micro-organismo. Esse tem sido o motivo do atual aumento das internações pediátricas em diferentes partes do país, incluindo o Distrito Federal. Para os autores da pesquisa, os dados obtidos reforçam a necessidade de desenvolvimento de vacinas e de outras estratégias eficazes de combate ao patógeno.

O artigo mostra que, em 2019, foram registrados 33 milhões de casos de infecção por VSR em crianças menores de 5 anos, levando a 3,6 milhões de internações e 101.400 óbitos. Esse número representa 2% — uma a cada 50 — das mortes anuais por qualquer causa nessa faixa etária. Para crianças com menos de 6 meses, o cenário é mais grave. No mesmo período, houve 6,6 milhões episódios de infecção, o que desencadeou 1,4 milhão de internações e 45.700 óbitos.

Nesse caso, a relação é de uma vítima a cada 28 registros. "O VSR é a causa predominante de infecção respiratória aguda inferior em crianças pequenas, e nossas estimativas atualizadas revelam que crianças de 6 meses ou menos são particularmente vulneráveis", enfatiza, em comunicado à imprensa, Harish Nair, coautor do artigo e pesquisador da Universidade de Edimburgo, no Reino Unido.

A análise mostra, ainda, que boa parte das vítimas morreu fora dos hospitais. Globalmente, apenas 26% dos óbitos associados ao VSR ocorrem em um centro médico. Os pesquisadores explicam que esse dado é particularmente evidente em países de baixa e média renda, onde a proporção de casos de óbito hospitalar para crianças menores de 5 anos é de 1,4%, em comparação a 0,1% em nações mais desenvolvidas.

De acordo com o estudo, no geral, 97% das mortes em decorrência da infecção pelo vírus sincicial respiratório em crianças menores de 5 anos ocorreram em países de baixa e média renda. "Nosso trabalho estima que três quartos das mortes por VSR estão acontecendo fora do ambiente hospitalar. Essa lacuna é ainda maior em países com renda econômica mais baixa, e especialmente em crianças menores de 6 meses, onde mais de 80% das mortes acontecem na comunidade", detalha Xin Wang, coautor do estudo e pesquisador da Universidade Médica de Nanjing, na China.

Os especialistas avaliam que os dados obtidos evidenciam a falta de acesso e disponibilidade de atendimento nas regiões menos desenvolvidas do mundo, além de indicarem a urgência de adoção de medidas capazes de reverter esse cenário preocupante. "A identificação precoce de casos na comunidade, o encaminhamento para internação hospitalar de crianças doentes e programas de imunização universais eficazes e acessíveis serão vitais no futuro", indica Wang. "Esse apelo é necessário especialmente com os casos aumentando à medida que as restrições do covid-19 estão diminuindo em todo o mundo. A maioria das crianças nascidas nos últimos dois anos nunca foi exposta ao VSR e, portanto, não tem imunidade contra esse vírus", acrescenta Nair.

Os dados usados no estudo foram coletados antes do surgimento de casos de infecção pelo novo coronavírus. Por isso, os autores enfatizam que novas análises devem ser conduzidas, considerando que o Sars-CoV-2 também causa complicações respiratórias. "Ainda não sabemos como a pandemia pode ter afetado a carga mundial dessa doença", pontuam.

Defesa em formação

Larissa Camargo, médica otorrinolaringologista clínica e pediatra do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, explica que as crianças com até 6 meses são as mais vulneráveis devido a características próprias do sistema imune. "Ele ainda não se desenvolveu bem. E os dados altos relacionados a mortes em geral, de pacientes que não passaram por hospitais, chamam a atenção", diz. "É uma enfermidade que pode ser identificada cedo, pois temos testes para isso, o que aumenta as chances de cura. Porém, como vemos no trabalho, em locais menos desenvolvidos, isso não acontece, justamente por problemas na identificação e no tratamento."

A médica brasileira lembra que, no momento, o Brasil é um dos países que têm sofrido com as altas taxas de infecções pelo VSR. "Existem diversas cidades brasileiras com filas enormes na UTI pediátrica por causa dos inúmeros casos dessa doença, incluindo Brasília. Esse é um problema nacional que sufoca a saúde pública. Isso tem chamado a atenção de toda a área médica. Por isso, temos feito esse apelo, de ficar de olho nas crianças, principalmente quem já apresenta problemas respiratórios, como a asma", indica.

Vacina

Segundo os autores do estudo, o investimento em vacinas é um caminho estratégico para reduzir o número de vítimas. No caso dos bebês, a aposta se volta para a imunização passiva, ou seja, a vacinação durante a gravidez. "Felizmente, temos inúmeras pesquisas de candidatos a imunizantes contra o VSR em andamento, e nossos dados por faixas etárias ajudam a identificar os grupos que devem ser priorizados, incluindo as gestantes. Esse é o mesmo tipo de estratégia usada no combate a outras enfermidades infantis, como a coqueluche, a febre tifoide e o tétano", explica Nair.

A médica brasileira também acredita que a mensagem principal da investigação é a urgência nos investimentos em estratégias que reduzam essas taxas. "Precisamos dar assistência a essas crianças, aumentar a acessibilidade e oferecer atendimento nas regiões mais vulneráveis", indica. Segundo Larissa Camargo, a imunização para outras enfermidades também pode ajudar na proteção contra o VSR. "Quando vacinamos as crianças para outras doenças, o sistema imune é estimulado, e isso já auxilia bastante, reduzindo o risco de contrair esse vírus", explica.

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