UNIVERSO

Pedra extraterrestre encontrada no Egito traz indícios de rara supernova

Os cientistas acreditam que a formação da Hypatia ocorreu nos estágios iniciais do nosso próprio sistema solar

Talita de Souza
postado em 17/05/2022 23:55 / atualizado em 18/05/2022 00:35
Em uma amostra de 3 gramas da pedra Hypatia, os pesquisadores encontraram um padrão consistente de 15 elementos, completamente diferente de qualquer coisa em nosso sistema solar ou nossa vizinhança solar, na Via Láctea. -  (crédito: Jan Kramers)
Em uma amostra de 3 gramas da pedra Hypatia, os pesquisadores encontraram um padrão consistente de 15 elementos, completamente diferente de qualquer coisa em nosso sistema solar ou nossa vizinhança solar, na Via Láctea. - (crédito: Jan Kramers)

Um estudo que analisou uma pedra do espaço encontrada no deserto egípcio em 1996, a Hypatia, descobriu que os elementos químicos presentes no objeto só são compatíveis com uma explosão de supernova raríssima, classificada como tipo Ia. A supernova Ia é considerada um dos eventos mais energéticos do universo.

A Hypatia tem intrigado cientistas desde o momento em que foi encontrada. Nos 26 anos em que está sob investigação, apenas agora os especialistas Jan Kramers, Georgy Belyanin e Hartmut Winkler, da Universidade de Joanesburgo, conseguiram achar uma comparação satisfatória para definir a possível origem da pedra. O relatório do estudo foi publicado nesta terça-feira (17/5), no jornal Icarus.

Para a descoberta, o grupo identificou 15 elementos químicos da pedra para submeter a análise, além disso perceberam que havia alto teor de ferro, enxofre, fósforo, cobre e vanádio, junto a um nível "surpreendentemente baixo de silício, incomum em rochas terrestres”.

“Encontramos um padrão consistente de abundância de oligoelementos que é completamente diferente de qualquer coisa no sistema solar, primitivo ou evoluído. Objetos no cinturão de asteroides e meteoros também não combinam com isso. Então, em seguida, olhamos para fora do sistema solar”, disse Kramers.

Em seguida, fizeram testes para verificar se os elementos eram parecidos com os encontrados em poeiras interestelares no braço onde a Terra fica na Via Láctea. “Novamente, não houve nenhuma semelhança”, acrescenta Kramers.

O grupo entendeu, então, que a pedra não se formou nem na Terra, não foi feita a partir da poeira do sistema solar interno e não era de qualquer tipo conhecido de cometa ou meteorito. Os cientistas então testaram os elementos para o tipo mais comum de supernovas, do tipo II. No entanto, o fenômeno tinha pouco nível de ferro, o que difere da Hypatia.

Foi quando os cientistas testaram para as supernovas do tipo Ia, que também produzem muito ferro, mas são super raras: só ocorrem uma ou duas vezes na galáxia em cada século. São essas supernovas que fabricam a maior parte do ferro do universo, inclusive a maior parte do aço na Terra, dizem os especialistas.

“Todos os dados e modelos teóricos de supernova Ia mostram proporções muito maiores de ferro em comparação com silício e cálcio do que os modelos de supernova. A este respeito, os dados do laboratório de feixe de prótons encontrados em Hypatia se encaixam nos dados e modelos da supernova Ia”, conta Kramers.

As pequenas amostras da pedra extraterrestre Hypatia ao lado de uma pequena moeda. As raras supernovas do tipo Ia são alguns dos eventos mais energéticos do universo
As pequenas amostras da pedra extraterrestre Hypatia ao lado de uma pequena moeda. As raras supernovas do tipo Ia são alguns dos eventos mais energéticos do universo (foto: Jan Kramers)

Supernova Ia: um evento que ocorre apenas duas vezes em cada século

Dos 15 elementos identificados na Hypatia, oito são encontrados nas supernovas Ia: silício, enxofre, cálcio, titânio, vanádio, cromo, manganês, ferro e níquel. Esses elementos são deixados no universo, chamado de química forense, a partir das explosões, que ocorrem em etapas.

Primeiro, uma estrela gigante vermelha, que está no fim de sua vida, colapsa com uma estrela anã branca, um tipo de estrela altamente densa, cuja massa é comparável a do Sol, mas de tamanho maior que o da Terra. Por serem altamente estáveis, as anãs brancas não explodem — apenas em alguns casos, e quando ocorre se torna algo único como a supernova Ia.

A anã branca começa a “puxar” matéria de outra estrela, em um processo que pode ser entendido como um devoramento de outra estrela. Assim, a anã branca se torna tão pesada, quente e instável que explode em um resultado da supernova Ia.

A explosão é tão poderosa que cria padrões de concentração de elementos altamente incomuns, ou seja, além de explodir em pedaços, a anã branca explode átomos de gás. Esses átomos, com o resfriamento da explosão, se unem nas partículas da nuvem de poeira.

Milhões de anos se passariam e essa união se tornaria sólida, uma rocha que seria o que os cientistas chamam de “corpo-mãe” da Hypatia. Isso porque, ao iniciar a queda em direção à Terra, o calor da atmosfera do planeta alterou a Hypatia e a transformou no que é visto hoje.

Os cientistas acreditam que a formação da Hypatia ocorreu nos estágios iniciais de formação do nosso próprio sistema solar e que é tão singular que não se misturou com as “poeiras” convencionais que formaram o sistema solar em que a Terra está.

“Se esta hipótese estiver correta, a pedra Hypatia seria a primeira evidência tangível na Terra de uma explosão de supernova tipo Ia. Talvez igualmente importante, mostra que uma 'parcela' anômala individual de poeira do espaço sideral pode realmente ser incorporada na nebulosa solar da qual nosso sistema solar foi formado, sem ser totalmente misturado ”, diz Kramers.

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