Agricultura

Uso de fungicidas está tornando fungos resistentes a medicamentos

O uso das mesmas substâncias em plantas e seres humanos reduz a eficácia do tratamento, mostra estudo britânico. Quase metade dos micro-organismos retirados de amostras ambientais e de pacientes infectados apresentou essa característica

O uso indiscriminado de fungicidas na agricultura está tornando um mofo muito comum resistente a medicamentos, quando inalado por humanos. Presente no ar, o Aspergillus fumigatus é responsável por 90% dos casos de aspergilose, doença oportunista que afeta entre 10 milhões e 20 milhões de pessoas em todo o mundo. A enfermidade é tratada com antifúngicos azólicos. Porém, essas mesmas substâncias são amplamente utilizadas em plantas, o que, segundo pesquisadores do Imperial College de Londres, provoca a queda da eficácia da droga.

Em um artigo publicado na revista Nature Microbiology, os pesquisadores explicam que, em pessoas com pulmões saudáveis, o próprio corpo expulsa os esporos inalados do Aspergillus fumigatus. Contudo, em pacientes de doenças respiratórias, como asma e fibrose cística, além daqueles imunocomprometidos, o fungo pode permanecer no organismo. Nos casos mais graves da aspergilose, o patógeno cai na corrente sanguínea e afeta múltiplos órgãos.

"A prevalência de aspergilose resistente a medicamentos cresceu de níveis insignificantes antes de 1999 para até 40% dos casos agora, em toda a Europa", destaca o autor sênior do artigo, Matthew Fisher, da Escola de Saúde Pública da Imperial. No Brasil, doenças fúngicas não são de notificação compulsória, por isso faltam estatísticas sobre a aspergilose. "Ao mesmo tempo, mais e mais pessoas podem ser suscetíveis à infecção por Aspergillus fumigatus devido ao número crescente de indivíduos que recebem transplantes de células-tronco ou de órgãos sólidos, que estão em terapia imunossupressora ou têm doenças pulmonares ou infecções respiratórias virais graves."

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Sequenciamento

No estudo, os pesquisadores isolaram 218 amostras de Aspergillus fumigatus coletadas na Inglaterra, País de Gales, Escócia e Irlanda entre 2005 e 2017. Cerca de sete em cada 10 foram extraídas de pacientes infectados (153 exames feitos em 1432 pacientes). O restante — 65 — foi retirado do meio ambiente, incluindo solo, bulbos de plantas e ar.

Os cientistas extraíram o DNA dos fungos e o sequenciaram. Das 218 amostras, quase metade (106) era resistente a pelo menos um dos medicamentos azólicos de primeira linha usados no tratamento da aspergilose. Especificamente, 48% apresentaram resistência à substância itraconazol; 29% ao voriconazol e 21% ao posaconazol. Mais de 10% do material analisado (26, 23 ambientais e três de pacientes) fez dois ou mais medicamentos azólicos perderem ou reduzirem a eficácia.

No total do material coletado, os pesquisadores encontraram 50 novos genes associados à resistência aos medicamentos. Analisando mais profundamente o DNA dos fungos, eles também detectaram cinco novas combinações de alterações de um único dígito no DNA (chamadas polimorfismos de nucleotídeo único, ou SNPs), que foram relacionadas a esse fenômeno. Além disso, os cientistas descobriram seis cepas de Aspergillus fumigatus que existiam tanto nas amostras ambientais quanto nos pacientes. De acordo com eles, as semelhanças genéticas indicaram que o patógeno se espalhou do ambiente para os seres humanos.

"Cada vez mais, os casos de aspergilose vistos na clínica são resistentes aos medicamentos azólicos de primeira linha", assinala, em nota, Johanna Rhodes, principal autora do estudo. "No entanto, não temos certeza de como os pacientes estão adquirindo essas infecções: se elas se desenvolvem nos pulmões durante o tratamento ou se os esporos de mofo que os infectam são resistentes aos remédios. Nosso estudo conclui que ambas as vias de infecção são possíveis e confirma as preocupações de que esporos de mofo pré-resistentes no ambiente são capazes de entrar e infectar os pulmões das pessoas, causando doenças mais difíceis de tratar", alerta.

"Esse trabalho deixa ainda mais claro os perigos de usar os mesmos compostos antifúngicos para proteger as plantações de doenças fúngicas e tratar pacientes com infecção fúngica", destaca Neil Gow, professor de microbiologia da Universidade de Exeter, no Reino Unido, comentando o estudo. "O Aspergillus é um fungo que gera milhares de esporos transportados pelo ar. Todos nós inalamos seus esporos todos os dias de nossas vidas. A maioria deles é rapidamente morta pelo patrulhamento das células imunes em nossos pulmões, mas, às vezes, um paciente vulnerável com imunidade fraca precisa de um medicamento azólico para matá-lo. A preocupação é que os esporos inalados por um paciente vulnerável já sejam resistentes aos azólicos porque vieram de um fungo que foi pulverizado com um antifúngico semelhante por um agricultor."

De acordo com Gow, o resultado obtido pelos cientistas do Imperial College "estimula discussões sobre a melhor forma de gerenciar nossos recursos para controlar infecções fúngicas em culturas e pessoas".

Anticoncepcional sob demanda

Realizado com nove mulheres, um pequeno estudo publicado na edição on-line da revista BMJ Sexual & Reproductive Health sugere que a combinação de um anticoncepcional de emergência e um anti-inflamatório não esteroide pode ser a receita de uma pílula anticoncepcional sob demanda. Segundo a pesquisa, o coquetel formado pelo acetato de ulipristal e pelo inibidor de COX-2 meloxicam interrompeu a ovulação no ponto do ciclo em que o risco de gravidez é maior.

Nos dias que antecedem a ovulação, conhecidos como surto lúteo, a fertilização do óvulo é muito provável de acontecer. A pílula emergencial acetato de ulipristal interrompe a ovulação, mas somente se tomada antes do início dessa fase. Drogas como inibidores de COX-2, por outro lado, ainda podem cumprir esse papel, mesmo após o início do pico de fertilidade.

Os pesquisadores, portanto, queriam descobrir se a combinação de ambas as drogas poderia funcionar, com o objetivo de identificar um candidato principal para uma pílula anticoncepcional sob demanda e altamente eficaz para uso antes ou depois do sexo, conforme necessário, ou como uma emergência. Um artigo de 2014 que fez a revisão de 19 estudos multinacionais constatou que a maioria das mulheres gostaria de tomar o medicamento apenas quando realmente necessário.

Eficácia

Nove mulheres saudáveis com idades entre 18 e 35 anos foram incluídas no novo estudo, todas com períodos regulares. Cada uma foi monitorada em dois ciclos menstruais: um basal, para identificar padrões ovulatórios normais, e um sob tratamento, quando as participantes receberam uma dose combinada de 30mg de acetato de ulipristal e 30mg de meloxicam na época do surto lúteo. Foram realizados exames de ultrassom, e os principais hormônios foram medidos para identificar o aumento lúteo e se houve ovulação.

Em seis mulheres, houve interrupção da ovulação com a administração do coquetel. Os especialistas explicam que esse é um estudo exploratório e com um número pequeno de participantes, o que justifica a realização de mais pesquisas sobre segurança e eficácia. Mas, no artigo, destacaram que os resultados são promissores. “Quando comparamos as taxas de interrupção da ovulação em nosso estudo com os estudos anteriores nos quais nosso protocolo se baseia, a combinação de acetato de ulipristal e meloxicam interrompeu a ovulação em cada fase da janela fértil mais do que qualquer outro medicamento pesquisado anteriormente.”

Transmissão zoonótica

Um estudo que investigou amostras da superbactéria Clostridioides difficile em 14 fazendas de porcos na Dinamarca descobriu o compartilhamento de vários genes de resistência a antibióticos entre suínos e pacientes humanos, fornecendo evidências de que a transmissão do patógeno de animal para humano (zoonótica) é possível. "O uso excessivo de antibióticos na medicina humana e como ferramentas baratas de produção na pecuária está desfazendo nossa capacidade de curar infecções bacterianas", disse o principal autor, Semeh Bejaoui, da Universidade de Copenhague. Ele apresentou a pesquisa no Congresso Europeu de Microbiologia Clínica e Doenças Infecciosas, em Lisboa.