Uma pesquisa brasileira revela que o risco de obesidade é 45% maior entre adolescentes que comem ultraprocessados regularmente. Os especialistas chegaram a essa conclusão após avaliarem dados relacionados à dieta de mais de 3 mil jovens. E os dados obtidos, acreditam, servem como um alerta para familiares e autoridades de saúde sobre a importância da adoção de ações que ajudem a melhorar os comportamentos alimentares de indivíduos dessa faixa etária. Detalhes do trabalho foram publicados na revista especializada Journal of the Academy of Nutrition and Dietetics.
A equipe da Universidade de São Paulo (USP) analisou dados de 3.587 adolescentes, com 12 a 19 anos, participantes do National Health and Nutrition Examination Survey (NHANES), um estudo realizado nos Estados Unidos, entre 2011 e 2016. Os participantes tiveram que descrever todos os alimentos e bebidas consumidos diariamente, detalhando quantidades, horários e locais, foram divididos em grupos de acordo com a quantidade de alimentos ultraprocessados consumidos. Dados antropométricos dos participantes, como peso, altura e circunferência da cintura, também foram coletados.
Toda essa diversidade de dados disponíveis levou a equipe brasileira a usar, na análise, os dados de jovens estadunidenses. "O Brasil não realiza pesquisas de nutrição de adolescentes que também coletam dados antropométricos pessoalmente. Pesquisas desse tipo em todo o país são muito caras e exigem financiamento contínuo. Temos alguns estudos semelhantes, mas eles são mais simples", explica Daniela Neri, uma das autoras do estudo e membro do Núcleo de Estudos Epidemiológicos em Nutrição e Saúde (Nupens), da Faculdade de Saúde Pública da USP, em entrevista à Agência Fapesp de notícias.
Ao comparar os jovens com o nível mais alto de consumo de ultraprocessados (64% da dieta total, em média) com aqueles com nível mais baixo (18,5%), a equipe descobriu que os integrantes do primeiro grupo tinham 45% mais risco de serem obesos e 52% mais risco de terem obesidade abdominal (excesso de gordura ao redor da cintura). Outro dado chamou ainda mais atenção dos cientistas: esses jovens também tinham uma probabilidade 63% maior de sofrerem com obesidade visceral, que é o excesso de gordura sobre e ao redor dos órgãos abdominais, incluindo fígado e intestinos. A complicação está relacionada ao desenvolvimento de enfermidades preocupantes, como pressão alta, doença arterial coronariana, diabetes tipo 2 e colesterol alto, além de um risco aumentado de morte.
Segundo os autores do estudo, as descobertas também retrataram a realidade dos adolescentes brasileiros, que são expostos a ultraprocessados desde muito cedo, embora em menor proporção do que os americanos. Elas também ajudam, avaliam, a enxergar melhor um problema que preocupa especialistas há alguns anos. "Existem evidências científicas substanciais do papel negativo dos ultraprocessados na pandemia da obesidade. Isso é muito bem estabelecido para adultos. Com relação aos jovens, já havíamos constatado que o consumo desses produtos é alto, representando cerca de dois terços da dieta dos adolescentes nos Estados Unidos, mas pesquisas sobre a associação entre o consumo de ultraprocessados e desfechos de saúde, incluindo a obesidade, eram escassas e inconsistentes", detalha Neri.
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Dietas deterioradas
O mesmo grupo de pesquisadores avaliou dados sobre a dieta de adolescentes brasileiros, considerando a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) de 2017/2018, conduzida pelo IBGE, e os comparou com informações semelhantes de jovens que vivem em Argentina, Austrália, Chile, Colômbia, México, Reino Unido e Estados Unidos. Constatou-se uma porcentagem de ingestão de ultraprocessados entre os brasileiros de 27% — maior do que a dos colombianos (19%) e menor do que as taxas britânicas (68%) e estadunidenses (66%).
Nesse estudo, os jovens também foram divididos em grupos de acordo com o consumo de ultraprocessados. "Observamos uma deterioração na qualidade da dieta à medida que cresce a proporção desses alimentos, aumentando a densidade energética e o teor de açúcar e reduzindo o teor de fibras. O efeito negativo é muito semelhante em todos os países, independentemente da proporção de alimentos ultraprocessados, região ou cultura", diz Neri.
A cientista alerta que, mesmo os alimentos ricos em proteínas e nutrientes, como o arroz e o feijão, constituírem a maior parte da dieta básica da maioria dos brasileiros, os ultraprocessados têm sido cada vez mais comuns na dieta de crianças. "Ao serem expostos a esses alimentos obesogênicos, crianças e adolescentes estão sendo programados para futuros problemas de saúde. É extremamente preocupante", enfatiza.