Entre os ambientalistas, é comum a afirmação de que plásticos e outros lixos acumulados na superfície de rios e mares são a "ponta do iceberg" de uma grande complicação ambiental. Resultados de estudos recentes têm revelado a amplitude desse problema, indicando, por exemplo, que a locomoção de espécies marinhas é comprometida pelo excesso de detritos nas águas, o que pode desequilibrar ecossistemas diversos, inclusive não aquáticos. A expectativa dos autores é de que esses novos dados ajudem a mobilizar a busca por formas mais eficazes de enfrentar essa questão complexa, já que um mundo sem plásticos parece ser uma ideia difícil.
"Os bilhões de toneladas de produtos plásticos produzidos no último meio século radicalizaram a maneira como vivemos — e para melhor —, mas esses resíduos estão apresentando novos desafios para a natureza", enfatiza, em comunicado à imprensa, Atsuhiko Isobe. O professor do Instituto de Pesquisa de Mecânica Aplicada da Universidade de Kyushu, no Japão, e colegas decidiram quantificar a "face oculta" desse problema.
Para isso, basearam-se em estudos que descrevem como os plásticos se quebram e envelhecem ao longo do tempo, além de dados relacionados aos ventos — colhidas por satélites, essas informações ajudaram a avaliar o movimento das partículas plásticas nas águas. A equipe também considerou a produção desse material descartável de 1961 a 2017. "Para avaliar a quantidade e o paradeiro de resíduos plásticos nos oceanos da Terra, temos que considerar todo o processo, desde o seu nascimento até o enterro, além de detalhes relacionados ao transporte e à fragmentação contínua", explica Isobe.
Pelas análises, os pesquisadores estimam que 25,3 milhões de toneladas métricas de resíduos plásticos foram jogados nos oceanos no período analisado e que mais de dois terços desse montante estão "estacionados" no fundo dos oceanos. "São plásticos pesados que se depositaram no fundo do mar porque são mais densos que a água. Metade deles é feita de tereftalato de polietileno (PET) e cloreto de polivinila (PVC)", detalham os autores.
Publicado na revista especializada Science of The Total Environment, o artigo informa, ainda, que os plásticos grandes e os pedaços menores (microplásticos) encontrados facilmente flutuando na superfície das águas representam apenas cerca de 3% de todos os plásticos oceânicos. A equipe também decidiu fazer cálculos preditivos do acúmulo de plástico nos oceanos, entre 2017 e 2021. A estimativa é de que esse número possa ter subido para 540 milhões de toneladas de resíduos plásticos.
"Precisamos de análises mais detalhadas, mas acreditamos que, caso esse número recente não esteja correto, ele deve ser ainda maior. É uma situação que pode se agravar ainda mais nos próximos anos se nada for feito", afirma Isobe. O cientista acredita que os dados obtidos reforçam a necessidade de repensar o uso do plástico e devem ser considerados na criação de medidas que ajudem a retirar os detritos que poluem os oceanos.
"Poucos avanços foram feitos até agora nesse campo, e um dos motivos que explicam isso é a falta de métodos de observação disponíveis. Acreditamos que nossa análise pode abrir caminhos nessa área e contribuir para estratégias de conservação mais eficazes", aposta.
Navegações
Na avaliação de Valéria Regina Bellotto, professora do Instituto de Química da Universidade de Brasília (UnB), os dados obtidos no estudo japonês reforçam a importância de frear o consumo desenfreado de plásticos. "Precisamos parar de produzir e consumir esse material, pois sabemos que a maioria desse lixo acumulado nos oceanos, cerca de 80%, é fruto da atividade na terra", justifica.
A especialista lembra do papel das navegações no acúmulo de plástico no fundo do oceano. "Temos também o lixo produzido pela área de turismo naval, como cruzeiros, além de navios da pesca industrial. Eles usam grandes redes pesadas que, ao se perderem, ficam acumuladas no fundo do mar, presas com garrafas e embalagens, prejudicando os animais, como os golfinhos e tubarões", detalha. "Temos também a presença de metais e hidrocarbonetos de petróleo que se dissolvem na água e que, assim como o plástico, quando são ingeridos pelos animais, podem gerar problemas ainda mais graves à saúde dos bichos."
Mercedes Bustamante, bióloga e também professora da UnB, chama a atenção para o fato de o trabalho permitir novas formas de enfrentamento a esse problema ambiental. "Até então, as avaliações consideram somente a contaminação superficial dos oceanos", diz. "Trata-se de um tema que demanda ações urgentes da indústria, dos consumidores e dos governos para reduzir o uso de tais materiais, ampliar a reciclagem e lidar de forma responsável com os resíduos sólidos."