Nos últimos anos, especialistas da área médica têm compreendido, cada vez mais, a importância de uma microbiota saudável para manter o equilíbrio do corpo humano. Estudos sobre a flora intestinal ajudaram muito nesse processo, e a evolução dessas investigações fez com que os cientistas voltassem os olhos também para as bactérias presentes na boca. Estudos recentes nessa área são promissores, trazendo a possibilidade de desenvolvimento de abordagens terapêuticas com efeitos além dos benefícios bucais, como o combate à hipertensão.
Uma das investigações foca no efeito dos cigarros eletrônicos sobre a flora bucal. Segundo cientistas americanos, esses dispositivos podem ser responsáveis por desequilíbrios nesse microbioma. Para chegar à conclusão, Deepak Saxena, da Universidade de Nova Iorque, e colegas realizaram, durante um ano, exames odontológicos em 84 adultos com três perfis distintos: fumantes, usuários de cigarros eletrônicos e não fumantes. Todos os voluntários apresentavam alguma doença gengival no início do estudo.
Após seis meses de análises, os cientistas concluíram que esses problemas bucais pioraram em alguns participantes dos três grupos, mas principalmente nos do cigarro eletrônico. Esses mesmos voluntários tinham uma composição de bactérias diferente das dos outros participantes, sendo mais parecida com a dos fumantes. Entre as disparidades constatadas, estão a quantidade maior de microorganismos responsáveis pelas doenças gengivais e um desequilíbrio nos níveis de citocinas — proteínas que ajudam a regular o sistema imunológico.
"Certas citocinas estão ligadas a um desequilíbrio nas bactérias orais e podem piorar a doença gengival, tornando as pessoas propensas a mais inflamações e infecções", explica Saxena. "A TNF-alfa, uma citocina que causa inflamação, foi vista em altos níveis entre os usuários de cigarros eletrônicos, o que sugere que certas bactérias presentes na boca de pessoas que usam esses dispositivos podem estar suprimindo ativamente as suas respostas imunológicas", detalha Fangxi Xu, também autor do estudo.
Saxena aponta algumas especificidades do cigarro eletrônico. "O vaping parece influenciar o crescimento de alguns microrganismos nocivos, de maneira semelhante ao tabagismo, mas com os próprios perfis e riscos para a saúde bucal." "O uso de cigarros eletrônicos é um hábito humano relativamente novo (...) Sabemos pouco sobre as consequências para a saúde do uso desses dispositivos, e estamos apenas começando a entender essas questões, incluindo os efeitos no microbioma oral", acrescenta Scott Thomas, também autor do estudo.
A dentista Thais Ferreira avalia que os dados vistos no estudo podem contribuir para uma maior conscientização da população quanto à saúde bucal. "Os jovens acreditam que a troca do fumo convencional por esse aparelho pode acarretar em diminuição ou em se livrar de doenças orais e sistêmicas. O contato prolongado com qualquer forma de uso de tabaco, eletrônica ou convencional, vai interferir na qualidade das bactérias da boca e na saúde dos dentes e dos tecidos que o sustentam (osso e gengiva)", alerta.
Sob a gengiva
Como os cigarros, alguns tipos de alimentos podem interferir na composição das bactérias — as boas e as ruins — da boca. Em busca de mais dados sobre esse fenômeno, pesquisadores americanos avaliaram a dieta de um grupo de mais de mil mulheres e os efeitos das escolhas alimentares sobre a microbiota oral.
"Nosso estudo é único porque as amostras foram retiradas da placa subgengival, que fica sob as gengivas, em vez da saliva. Isso é importante porque as bactérias orais envolvidas na doença periodontal residem principalmente nessa região", destaca Amy Millen, professora de epidemiologia e saúde ambiental na Universidade de Buffalo e uma das autoras do estudo.
Ao todo, 1.204 voluntárias participaram da pesquisa. Uma série de bactérias relacionadas ao consumo de carboidratos e doces em geral, como a Leptotrichia spp., foram associadas a uma microbiota menos diversa e a problemas como a gengivite. Segundo os pesquisadores, as constatações podem ajudar a desenvolver estratégias de combate a problemas bucais relacionados à microbiota, como alterações na dieta como uma medida preventiva.
"Nenhum outro estudo examinou as bactérias orais em relação a uma variedade tão ampla de tipos de carboidratos. Também analisamos a carga glicêmica, que ainda não foi estudada de forma aprofundada em relação ao microbioma oral. São dados novos, que podem ser reaproveitados em fórmulas de combate a problemas bucais", explica Millen.
Agora, a questão-chave, avalia o grupo, é entender o que todos os dados obtidos significam para a saúde geral. "À medida que mais estudos são realizados analisando o microbioma oral e usando técnicas semelhantes à nossa, acredito que podemos começar a fazer melhores inferências sobre como a dieta se relaciona com essa microbiota e sobre suas consequências para a doença periodontal e outras enfermidades", frisa a autora do estudo.
Elisa Grillo, periodontista e mestranda em odontologia na Universidade de Brasília (UnB), também avalia que o aprofundamento do estudo trará informações valiosas. "Essas descobertas chamam atenção para o potencial da dieta em interferir na composição do microbioma oral. Há um crescente interesse no papel das bactérias que povoam o organismo humano em relação às doenças desde a conclusão do Projeto Microbioma Humano, em 2012", diz.
A dentista aposta, ainda, no desenvolvimento de abordagens mais individualizadas com o avançar dos conhecimentos nessa área. "Na era da medicina de precisão, é imperativo que a saúde oral também se integre a esse conceito de tratamento personalizado. A adequação da dieta com o objetivo de evitar doenças bucais não é uma estratégia nova, mas a compreensão do papel dos diferentes tipos de carboidratos e de como cada um deles interfere no metabolismo bacteriano e na diversidade do microbioma em grupos específicos de pacientes pode levar a estratégias de prevenção personalizadas e mais efetivas", explica.