Pesquisadores revelaram, ontem, o episódio mais longo de infecção pelo Sars-CoV-2. Um paciente inglês imunossuprimido testou positivo para a covid-19 por 16 meses, até morrer, em consequência da doença. Detalhes relacionados ao caso foram divulgados em um estudo que também avaliou mutações genéticas sofridas pelo patógeno em um grupo de indivíduos com falhas no sistema de defesa do corpo. O artigo será apresentado na íntegra durante a próxima edição do Congresso Europeu de Microbiologia e Doenças Infecciosas, que tem início hoje em Lisboa, Portugal.
O paciente, cuja identidade não foi divulgada, testou positivo pela primeira vez em meados de 2020 e apresentava problemas respiratórios. O avaliado continuou com o mesmo resultado em todos as análises de detecção (cerca de 45) feitas até sua morte, 505 dias depois, revelou à agência de notícias France-Presse Gaia Nebbia, coautora do estudo e pesquisadora do Guy's and St Thomas' Hospital, no Reino Unido. De acordo com a cientista, o caso de infecção (confirmado por PCR) mais longo registrado anteriormente era de 335 dias.
Na mesma pesquisa, os especialistas analisaram outros oito indivíduos imunodeprimidos com infecção persistente pelo vírus, todos diagnosticados entre março de 2020 e dezembro de 2021. O objetivo dos cientistas foi observar possíveis alterações genéticas sofridas pelo Sars-CoV-2 no organismo desses pacientes. "Uma teoria que paira na área de infectologia é a de que as variantes virais evoluem em pessoas cujos sistemas imunológicos estão enfraquecidos por doenças ou tratamentos médicos como quimioterapia", justificou Luke Blagdon Snell, também pesquisador do centro médico inglês e coautor do estudo. "Queríamos investigar quais mutações surgem e de que formas elas evoluem nesses grupo com infecção persistente", acrescentou.
Todos os analisados na pesquisa testaram positivo por pelo menos oito semanas. Os casos persistiram por 73 dias, em média, mas dois pacientes tiveram infecções prolongadas por mais de um ano. O grupo de avaliados apresentava um sistema imunológico enfraquecido por fatores diversos, como transplante de órgãos, HIV, câncer ou terapias médicas para outras doenças. Por meio de frequentes análises genéticas virais, os cientistas constataram que cinco das nove pessoas desenvolveram pelo menos uma mutação em variantes preocupantes do patógeno, como a alfa, a delta e a ômicron, sendo que, em algumas delas, o micro-organismo passou por alterações múltiplas. "Esses dados fornecem evidências muito relevantes, pois reforçam a ideia de que novas cepas do vírus podem se desenvolver em indivíduos imunocomprometidos", explicou Snell. "É importante notar, no entanto, que nenhum dos indivíduos avaliados em nosso trabalho desenvolveu mutações que transformassem a cepa em uma variante de preocupação", acrescentou o especialista.
Os pesquisadores explicaram no estudo que cinco dos nove pacientes sobreviveram. Entre esse grupo, dois avaliados se curaram sem tratamento, dois se livraram da enfermidade com o uso de anticorpos e antivirais e um dos indivíduos segue infectado. "Em seu último acompanhamento no início de 2022, esse paciente estava infectado há mais de um ano (412 dias). Ele foi tratado com anticorpos monoclonais para tentar eliminar a infecção, e se permanecer positivo em sua próxima consulta de acompanhamento, provavelmente ultrapassará a infecção anterior mais longa conhecida, de 505 dias, que foi descrita nesse relatório", destacaram os pesquisadores no artigo.
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Oculta
No artigo, os especialistas também relataram um dos primeiros casos de uma "infecção oculta" por covid-19. "O termo descreve um paciente que acredita ter eliminado o vírus, por exemplo, com testes negativos, mas depois se descobre que ele tem uma infecção em andamento, demonstrando sintomas e um PCR positivo meses após essa 'pseudo' cura", detalhou Snell. Segundo os pesquisadores, esse fenômeno também já foi registrado em outras enfermidades provocadas por vírus, como ebola ou hepatite B. A infecção oculta também é diferente da covid longa, em que o patógeno não está mais no organismo, mas os sintomas persistem.
Para os autores do trabalho, os dados vistos na pesquisa mostram que indivíduos com falhas no sistema imune precisam ser alvo de mais estudos científicos relacionados a covid-19. Os cientistas acreditam que é necessário compreender melhor o efeito do novo coronavírus no organismo desses doentes e desenvolver mais opções terapêuticas para o grupo. "Pacientes imunocomprometidos com infecção persistente têm maus resultados, e novas estratégias de tratamento são urgentemente necessárias para eliminar a infecção. Com base no nosso estudo, vemos que essas medidas também podem prevenir o surgimento de mais variantes", defendeu Nebbia.
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Novo teste poderá antecipar evolução clínica
Uma pesquisa apresentada também no Congresso Europeu de Microbiologia Clínica e Doenças Infecciosas revela que a atividade exagerada de citocinas — uma reação irregular do sistema imunológico — pode indicar previamente pacientes com covid-19 que apresentam um pior prognóstico. No estudo, os pesquisadores explicam que esse fenômeno desencadeia níveis prejudiciais de inflamação, que podem levar à falência de órgãos e morte.
Os cientistas chegaram a essa conclusão após avaliar um grupo de 415 pacientes com média de 70 anos, que apresentavam formas leves, moderadas e graves da doença, entre o período de maio de 2020 e março de 2021. Por meio da análises genéticas, feitas durante todo o tratamento, os especialistas constataram que as pessoas com mais complicações apresentavam uma atividade mais alta de citocinas desde os primeiros dias da internação em centros médicos.
Os especialistas ainda não sabem dizer quais dessas moléculas são as responsáveis pela piora dos pacientes, mas acreditam que, caso seja possível medir, futuramente, os níveis dessas citocinas, e usar os testes no momento da internação, será possível identificar aqueles com pior prognóstico, fazendo com que os médicos indiquem uma terapia personalizada. "Nosso trabalho pode ajudar a selecionar pacientes com pior prognóstico que precisam ser internados em unidades intensivas, além de potencialmente ajudar a personalizar seu tratamento", declarou, em um comunicado à imprensa, Emanuela Sozio, pesquisadora da Clínica de Doenças Infecciosas, Azienda Sanitaria Universitaria Friuli Centrale, na Itália, e uma das autoras do estudo.