Quando representantes de 195 países assinaram o histórico Acordo de Paris, há quase sete anos, concordaram não apenas em reduzir as emissões de gases de efeito estufa, mas que deveriam fazê-lo o mais breve possível. O documento, construído a partir de discussões direcionadas por evidências científicas, fala claramente na urgência da implementação de medidas para limitar o aumento de temperatura até o fim do século, as chamadas contribuições determinadas nacionalmente.
O acompanhamento dessas ações, contudo, mostra um ritmo tão lento que a meta mais ambiciosa — restringir a 1,5°C essa elevação, com base nos níveis pré-industriais — dificilmente será alcançada. Novas modelagens indicam, porém, que ainda é possível alcançar, ao menos, o alvo dos 2ºC. A mais recente, liderada pela Universidade de Melbourne, na Austrália, afirma que o resultado do Acordo de Paris não será um fiasco, como muitos já temem. Mas, para isso, é preciso que as nações cumpram todas as promessas individuais. O que será um grande desafio, destacam os autores.
O grupo de cientistas, que inclui pesquisadores da Agência Internacional de Energia (AIE) e da Organização das Nações Unidas (ONU), analisou os relatórios de 154 países que, nos últimos cinco anos, apresentaram novas metas ou objetivos revisados. Até antes da COP26, a Conferência Climática do ano passado, que aconteceu em Glasgow, as estimativas eram de que a chance de se alcançar o alvo dos 2ºC era menos de 50%.
Projeções
Porém, a nova análise, que também levou em conta os documentos científicos mais recentes do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), calcula que há possibilidade de se chegar ao fim do século com um aumento de temperatura limitado a 1,8ºC e 2ºC, com a implementação total das promessas. Os autores projetaram retrospectivamente o aquecimento registrado no século 21 e combinaram esses dados com o nível de ambição das metas entre 2015 e 2021.
Além disso, incluíram no modelo projeções publicadas nos relatórios do IPCC. Se, por um lado, o objetivo principal do acordo poderá ser atingido, as chances do alvo mais ambicioso são praticamente inexistentes: entre 6% e 10%.
"O que nosso artigo mostra é que, se todos os países cumprirem todas as promessas de zero líquido (remover o tanto que se emite), teremos um aumento de 1,8ºC a 2ºC até o fim do século", explica Christophe McGlade, coautor do estudo e chefe da unidade de fornecimento de energia da AIE.
"Essa é uma grande notícia, porque é a primeira vez que os governos apresentam metas específicas que podem manter o aquecimento global abaixo do nível simbólico de 2ºC." A maioria dos países ricos anunciou que chegará à neutralidade de carbono até 2050, mesmo prazo apresentado pelo Brasil. A China e a Índia, importantes emissores, prometeram chegar a esse ponto em 2060 e 2070, respectivamente.
A ressalva da modelagem é que o aquecimento global só poderá ser contido se houver ação suficiente nos próximos 10 anos, e no caso de as metas de longo prazo serem cumpridas e mantidas além das datas previstas. "As metas de longo prazo devem ser tratadas com ceticismo se não forem apoiadas por compromissos de curto prazo para que, na próxima década, os países estejam no rumo certo para atingi-los", diz Zeke Hausfather, pesquisador climático da Universidade de Berkeley, nos EUA, comentando o estudo.
Também é essencial, diz McGlade, que os países respeitem os compromissos incondicionais e condicionais; os primeiros referem-se a objetivos alcançáveis sem assistência externa, como apoio financeiro de outras nações. Já os condicionais são aqueles que necessitam desse tipo de ajuda. Como depende de tantos cumprimentos de promessas, o estudo, embora otimista, também pode ser o contrário, alertam os próprios autores.
"O nosso estudo é uma boa notícia? Sim, porque, pela primeira vez, podemos manter o aquecimento abaixo de 2°C com as promessas que estão na mesa. E não, porque mostramos claramente que o aumento da ação nesta década é necessário para que tenhamos uma chance de não ultrapassar 1,5°C por uma grande margem", destaca Malte Meinshausen, professor da Universidade de Melbourne e principal autor do artigo.
Recentemente, o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, ressaltou que muitos países têm falado mais do que fazendo. "Alguns líderes governamentais e empresariais estão dizendo uma coisa, mas fazendo outra", afirmou, no lançamento do último relatório do IPCC. "Simplesmente, eles estão mentindo", afirmou. Segundo o documento, divulgado no início de abril, a poluição por carbono deve atingir o pico antes de 2025 e ser reduzida pela metade até 2030, para se ter uma chance de atingir a meta dos 2ºC.
Se nenhum esforço adicional for feito além das promessas, a superfície da Terra "aquecerá a catastróficos 2,8ºC", informou o IPCC. "O otimismo deve ser contido até que as promessas de reduzir as emissões no futuro sejam apoiadas por ações mais fortes de curto prazo", afirma Frances Moore, cientista da Universidade da Califórnia, em Davis, comentando o estudo.
Palavra de especialista
"É agora ou nunca. Sem reduções imediatas e profundas de emissões em todos os setores, será impossível atingir a meta do acordo. A falta de progresso global é deprimente. No entanto, o que me dá esperança é o progresso de alguns países que reduziram as emissões de gases de efeito estufa ano após ano por mais de uma década, e a queda nos custos das tecnologias solar, eólica e de bateria em até 85%. O que me dá mais esperança, porém, é o número de pessoas que querem agir, que estão pedindo à indústria e aos governos que façam algo a respeito. Se pudermos aproveitar essa esperança em ações e investimentos rápidos, teremos as ferramentas e tecnologias para evitar os efeitos mais devastadores."
Joanna House, pesquisadora de política ambiental da Universidade de Bristol, na Inglaterra, e um dos autores do relatório mais recente do IPCC
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"É agora ou nunca"
"É agora ou nunca. Sem reduções imediatas e profundas de emissões em todos os setores, será impossível atingir a meta do acordo. A falta de progresso global é deprimente. No entanto, o que me dá esperança é o progresso de alguns países que reduziram as emissões de gases de efeito estufa ano após ano por mais de uma década, e a queda nos custos das tecnologias solar, eólica e de bateria em até 85%. O que me dá mais esperança, porém, é o número de pessoas que querem agir, que estão pedindo à indústria e aos governos que façam algo a respeito. Se pudermos aproveitar essa esperança em ações e investimentos rápidos, teremos as ferramentas e tecnologias para evitar os efeitos mais devastadores."
Joanna House, pesquisadora de política ambiental da Universidade de Bristol, na Inglaterra, e um dos autores do relatório mais recente do IPCC