Saúde mental

Efeitos psicodélicos dos cogumelos "ajudam" a abrir o cérebro

Pesquisadores descobrem que os efeitos cerebrais da psilocibina são mantidos tempos depois do uso da droga. A substância, extraída de um cogumelo, aumenta a conectividade em regiões incomunicáveis nos pacientes de depressão

Correio Braziliense
postado em 12/04/2022 06:00 / atualizado em 12/04/2022 06:09
 (crédito: Bernard Spragg/Divulgação )
(crédito: Bernard Spragg/Divulgação )

A psilocibina, o composto psicodélico encontrado nos cogumelos mágicos, ajuda a "abrir" o cérebro das pessoas deprimidas de maneira prolongada, permitindo que as diferentes regiões do órgão se conectem mais livremente umas com as outras. Estas são as conclusões de uma análise de exames cerebrais de cerca de 60 pacientes recebendo tratamento para o distúrbio mental, liderada pelo Centro de Pesquisa Psicodélica do Imperial College de Londres. A equipe que realizou o estudo acredita que pode ter desvendado como a substância exerce seus efeitos terapêuticos.

O composto investigado é um dos muitos psicodélicos que estão sendo explorados como uma terapia potencial para transtornos psiquiátricos. Várias pesquisas testam uma forma sintetizada da droga para tratar pacientes com depressão e ansiedade, com resultados promissores. Os novos dados, retirados de dois estudos combinados, revelam que as pessoas que responderam à terapia assistida por psilocibina mostraram aumento da conectividade cerebral não apenas durante o tratamento, mas até três semanas depois.

O efeito de "abertura" foi associado a melhorias autorrelatadas na depressão. No entanto, mudanças semelhantes na conectividade cerebral não foram observadas naqueles tratados com um antidepressivo convencional (chamado escitalopram), sugerindo que o psicodélico funciona de maneira diferente no tratamento do transtorno mental. O estudo foi publicado na edição de ontem da revista Nature Medicine e, segundo a equipe responsável, as descobertas são um avanço promissor para a terapia com o composto, sendo que os efeitos foram replicados em dois estudos.

Os pesquisadores explicam que os padrões de atividade cerebral na depressão podem se tornar rígidos e restritos, e que a psilocibina poderia ajudar o cérebro a sair dessa rotina de uma maneira que as terapias tradicionais não conseguem. "O efeito observado com a psilocibina foi consistente em dois estudos, mostrando a melhora dos pacientes, e não foi obtido com um antidepressivo convencional", diz o autor sênior do artigo, Robin Carhart-Harris, ex-chefe do Centro de Pesquisa de Psicodélicos do Imperial, e agora sediado na Universidade da Califórnia, em San Francisco. "Em estudos anteriores, vimos um efeito semelhante no cérebro quando as pessoas foram escaneadas enquanto tomavam um psicodélico, mas aqui estamos o observando semanas após o tratamento para a depressão, o que sugere uma 'transmissão' da ação aguda da droga", afirma.

Comunicação

Em um dos estudos, uma equipe do Centro de Pesquisa de Psicodélicos analisou exames de ressonância magnética funcional de participantes dos dois ensaios, que incluíram quase 60 pessoas. Um dos testes voltou-se a pacientes com depressão resistente ao tratamento e todos eles receberam a psilocibina. O outro experimento comparou a substância com o escitalopram, um inibidor seletivo da recaptação da serotonina bastante usado em tratamentos psiquiátricos. Todos os voluntários também fizeram sessões de terapia com profissionais de saúde mental. Os exames cerebrais foram feitos antes e, um dia ou três semanas após a ingestão controlada da droga.

Ambos os ensaios detectaram melhorias com a terapia com psilocibina, conforme medido pelas pontuações atribuídas pelos participantes em questionários clínicos. A análise dos exames cerebrais revelou comunicação alterada, ou conectividade, entre as regiões do órgão. 

Mais especificamente, os pesquisadores encontraram um aumento na comunicação entre as regiões do cérebro que são mais segregadas em pacientes deprimidos. Foi observada uma correlação entre esse efeito e a melhora dos sintomas em ambos os ensaios - enquanto a força e a duração variaram entre os participantes, foi mais expressiva naqueles que relataram um alívio na depressão.

Os pesquisadores acrescentaram que, embora os dados de acompanhamento ainda estejam sendo analisados, as mudanças iniciais na atividade cerebral um dia após o tratamento foram um bom preditor de se uma pessoa ainda mostraria melhora em seis meses. "Ainda não sabemos quanto tempo duram as mudanças na atividade cerebral observadas com a terapia com psilocibina e precisamos fazer mais pesquisas para entender isso. Sabemos que algumas pessoas recaem, e pode ser que depois de um tempo seus cérebros voltem aos padrões rígidos de atividade que vemos na depressão", adverte Carhart-Harris.

Os autores também alertam que, embora essas descobertas sejam encorajadoras, ensaios anteriores que avaliaram a psilocibina para depressão ocorreram sob condições clínicas controladas, usando uma dose regulamentada formulada em laboratório, e envolveram amplo apoio psicológico antes, durante e após a dosagem, fornecido por profissionais de saúde mental. Pacientes com distúrbios mentais não devem tentar se automedicar com a substância, pois tomar cogumelos mágicos ou seu composto na ausência dessas precauções cuidadosas pode ter um resultado negativo.

"Uma implicação emocionante de nossas descobertas é que descobrimos um mecanismo fundamental pelo qual a terapia psicodélica funciona não apenas para a depressão, mas para outras doenças mentais, como anorexia ou vício. Agora precisamos testar se esse é o caso", complementa Carthart-Harris. "Essas descobertas são importantes porque, pela primeira vez, descobrimos que a psilocibina funciona de maneira diferente dos antidepressivos convencionais, tornando o cérebro mais flexível e fluido e menos enraizado no pensamento negativo, padrões associados à depressão", destaca David Nutt, chefe do Centro de Pesquisa Psicodélica do Imperial. "Isso apoia nossas previsões iniciais e confirma que a psilocibina pode ser uma abordagem alternativa real para tratamentos de depressão."

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