Cada vez mais presentes no solo, nos oceanos e na atmosfera, amostras de microplástico foram detectadas, pela primeira vez, nos pulmões de pessoas vivas. Cientistas da Universidade de Hull, na Inglaterra, encontraram grandes quantidades de fibras sintéticas no tecido pulmonar de 11 voluntários — a presença no órgão já havia sido detectada em autópsias. As minúsculas partículas podem variar de 10 nanômetros a 5mm de diâmetro (o tamanho da borracha na ponta de um lápis) e resultam da degradação de diversos produtos industriais.
Pesquisas anteriores demonstraram os riscos em potencial para a saúde quando esses materiais entram em contato com o organismo, incluindo a morte celular. Na semana passada, um estudo holandês detectou microplásticos na corrente sanguínea, abrindo a possibilidade de o material chegar aos mais diversos órgãos do corpo, incluindo, como divulgado agora, os pulmões.
O estudo britânico testou amostras de tecidos pulmonares de 13 pessoas vivas. Dessas, 11 apresentaram 39 microplásticos, uma quantidade consideravelmente maior do que as detectadas em qualquer teste laboratorial anterior com material orgânico. Segundo Laura Sadofsky, principal autora, a descoberta indica que a inalação é uma rota de exposição importante. Por isso, defende, é preciso pesquisar mais os impactos das fibras sintéticas no sistema respiratório. O artigo foi publicado na revista Science of the Total Environment.
Um dos problemas com o microplástico, aponta Martin Wagner, biólogo da Universidade Norueguesa de Ciência e Tecnologia, é que essas fibras não contêm apenas plástico, como o nome sugere. "Elas podem ter ftalatos, um composto que deixa o material maleável, metais e uma variedade de químicos tóxicos", lista. Recentemente, Wagner publicou um artigo, na revista Environmental Health Perspectives, apontando os riscos das partículas para a saúde fetal e de crianças. "Existe uma carência muito grande de estudos nessa área", destaca.
Em nota, Laura Sadofsky contou que não imaginava chegar ao resultado do estudo que conduziu. "Não esperávamos encontrar o maior número de partículas (já detectadas) em regiões inferiores dos pulmões ou partículas dos tamanhos que encontramos. Isso é surpreendente, pois as vias aéreas são menores nas partes inferiores dos pulmões, e esperávamos que partículas desses tamanhos fossem filtradas ou presas antes de chegar tão fundo no órgão."
De acordo com ela, a caracterização de tipos e níveis dos microplásticos encontrados "pode informar condições realistas para experimentos de exposição em laboratório, com o objetivo de determinar os impactos na saúde". Dos materiais detectados, havia 12 tipos, que têm usos diversos e são comumente encontrados em embalagens, garrafas, roupas e cordas e compõe diversos processos de fabricação. "Também houve níveis consideravelmente mais altos de microplásticos em pacientes do sexo masculino, em comparação com as mulheres", afirma a cientista.
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Corrente sanguínea
Há uma semana, pesquisadores da Universidade de Amsterdã, na Holanda, indicaram a possibilidade de se encontrar microplásticos em órgãos, pois eles detectaram as fibras em 80% de 22 amostras de sangue humano que analisaram. Os pesquisadores descobriram diversos tipos de materiais: polietileno tereftalato, polietileno e polímeros de estireno, entre eles.
De acordo com os cientistas, há várias maneiras pelas quais os plásticos podem ter entrado na corrente sanguínea: pelo ar, pelo consumo de alimentos e água, via produtos de higiene pessoal, como creme dental e brilho labial, polímeros dentários e resíduos de tinta de tatuagem. O que acontece com os microplásticos quando entram na corrente sanguínea não é claro, destacaram. Porém, estudos in vitro fornecem algumas pistas.
Um trabalho recente, publicado na revista Cell, mostra que as partículas têm potencial de desestabilizar as membranas lipídicas — as barreiras que cercam todas as células —, o que pode afetar seu funcionamento. Outro estudo constatou, inclusive, a morte de células expostas a esses compostos.
Para Tamara Galloway, professora de toxicologia ambiental da Universidade de Exeter, no Reino Unido, métodos mais refinados de pesquisa permitirão detectar microplásticos em todas as partes do organismo. "É altamente provável, dada a prevalência de microplásticos no ar, na água, na vida selvagem, na cadeia alimentar, que eles também entrem no corpo humano, mas as dificuldades técnicas de medir partículas de microplástico no corpo humano tornaram difícil confirmar isso." O mundo produz cerca de 300 milhões de toneladas métricas de plástico por ano, e 80% disso acaba em aterros e outras partes do meio ambiente, como os mares.
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Estudo brasileiro
Pesquisadores brasileiros foram os primeiros a detectar microplásticos no tecido pulmonar. As amostras, porém, eram de cadáveres. Em junho do ano passado, uma equipe da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) encontrou as fibras sintéticas em 13 de 20 pulmões estudados. "O tema sobre microplásticos e saúde humana ainda é extremamente recente. Com os resultados, evidenciando que diferentes tipos de microplásticos chegam até o sistema respiratório humano, os estudiosos do assunto poderão trabalhar para elucidar quais os potenciais efeitos adversos desses compostos na saúde, o próximo passo da nossa pesquisa", disse, à época, o patologista Luís F. Amato Lourenço, um dos autores do trabalho.