Durante a pandemia da covid-19, o isolamento social fez com que crianças e adolescentes deixassem de frequentar a escola e ficassem mais tempo em casa, estudando e realizando atividades de lazer em frente a telas de dispositivos eletrônicos por horas seguidas. Essa falta de movimentação física preocupa pais e especialistas e motivou cientistas de 23 países a elaborarem uma série de recomendações que podem ajudar a evitar problemas mais sérios à saúde dos jovens em função do sedentarismo. O documento, com dicas direcionadas a famílias e escolas, foi publicado na última edição da revista International Journal of Behavioral Nutrition and Physical Activity.
Os autores definem como comportamentos sedentários aqueles que envolvem baixo gasto de energia, realizados geralmente na posição sentada ou deitada, e observam que eles ficaram mais recorrentes na crise sanitária. "Essas atividades, especialmente um maior tempo em frente às telas digitais, estão associadas a danos à saúde de crianças e jovens em idade escolar. Desde o surgimento do novo coronavírus, as atividades escolares realizadas por meio de computadores se intensificaram, o que também aumentou a nossa preocupação", afirma, em comunicado à imprensa, Travis Saunders, principal autor do estudo e professor da Universidade da Ilha do Príncipe Eduardo, no Canadá.
Um grupo de 148 especialistas, de 23 países, se reuniram para propor soluções para o problema, sob coordenação da Sedentary Behavior Research Network (SBRN), uma organização canadense voltada para a promoção da saúde. As medidas incluem uma série de pequenas intervenções cotidianas, como ao menos uma pausa de 10 minutos, a cada 30 minutos, para que crianças com 5 a 11 anos se movimentem e, a cada hora, para adolescentes de 12 a 18 anos. Os pesquisadores destacam que diferentes tipos de atividades precisam ser incorporadas nesses intervalos. "Considere uma variedade de intensidades e durações de movimentos. Por exemplo, ficar em pé, realizar exercícios de alongamento e se mudar para outra sala de aula", sugerem.
Outra recomendação é que o uso de eletrônicos, tanto em casa quanto na escola, sirva a um propósito pedagógico específico, que melhore o aprendizado, em comparação a métodos alternativos. Além disso, indicam os especialistas, é importante limitar o tempo dedicado a eles, especialmente para crianças com 5 a 11 anos. "Faça uma pausa nas telas de pelo menos uma vez a cada 30 minutos e desencoraje o uso diário delas em mais de um ambiente. Ou seja, caso o eletrônico seja utilizado na sala de aula, isso não deve se repetir mais tarde, ao fazer o dever de casa. É importante evitar o uso dessas tecnologias também uma hora antes de dormir", detalham.
Os pesquisadores acreditam que, além de proteger a saúde dos jovens, as medidas podem contribuir para um melhor aprendizado dos alunos. "Esperamos que essas recomendações ajudem diretores, professores, pais e alunos a conter o comportamento sedentário desnecessário e o tempo de tela. Todos nós precisamos trabalhar juntos para recalibrar os comportamentos saudáveis de crianças e jovens, o que pode contribuir também para um melhor desempenho escolar", enfatiza Melanie Davis, diretora executiva da Organização de Promoção a Educação Física e Saúde do Canadá (Phe Canadá) e uma das autoras do trabalho. "O objetivo dessas recomendações é ajudar a maximizar os benefícios que colhemos quando nos movimentamos mais e colher esses frutos em um ambiente rico, como são as escolas", acrescenta Tremblay.
Na avaliação de Isabela Zago, nutricionista da Clínica Corporeum, em Brasília, as recomendações podem gerar ganhos aos jovens que vão além do controle do peso. "Essas pausas de 10 minutos podem parecer uma medida muito simples, mas a soma dessas intervenções, no fim de cada semana e ao decorrer dos meses, é bastante positiva. As pausas são capazes de fazer um grande bem para a saúde dos jovens e podem ajudar a melhorar o desenvolvimento intelectual e o social, aprimorando a forma como as crianças se conectam com outras pessoas, refletindo também no comportamento delas", afirma. "Esse estudo é mais um movimento voltado para diminuir os prejuízos gerados aos jovens durante a pandemia, e nós precisamos desse planejamento para pisar no freio e evitar problemas ainda maiores nos próximos anos."
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Desafio global
Os responsáveis pelo trabalho lembram que, mesmo antes do surto global da covid-19, as taxas de sedentarismo entre os mais jovens já eram preocupantes. "Em 2020, grupos que monitoram a saúde de crianças e adolescentes canadenses deram uma nota negativa para os estudantes em relação ao tempo que passavam se exercitando. Sabemos que muitos países também tiveram o mesmo problema", diz Mark Tremblay, um dos autores do relatório e pesquisador da Universidade de Ottawa.
Zago também pontua esse aspecto global do sedentarismo entre os mais jovens. "É um problema de nível mundial, que não está presente apenas em um país. No Brasil, por exemplo, os dados mais recentes da Sociedade Brasileira de Pediatria (SPB) mostram que uma em cada três crianças apresenta um quadro de obesidade ou sobrepeso", ilustra a nutricionista.
Para ela, apenas um trabalho em conjunto, envolvendo escolas e famílias, pode ajudar a mudar esse cenário. "Durante a pandemia, vimos uma preocupação maior em manter o ensino por meio das telas, virtualmente, mas não tivemos o planejamento voltado para como manter o corpo em movimento. O foco foi no intelectual, e a parte física ficou de lado. O reflexo disso foi o crescimento do número de crianças com aumento de peso, com muitas delas subnutridas, e taxas de minerais e vitaminas totalmente desorganizadas."
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Retrato brasileiro
Em andamento, um estudo do Instituto de Saúde e Sociedade da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) tem mostrado o quanto o distanciamento social, adotado como medida de prevenção a covid-19, afeta a saúde e a rotina das crianças. Antes da pandemia, 67,8% das meninas e dos meninos brasileiros abaixo dos 13 anos praticavam atividade física pelo menos duas vezes na semana. O número caiu para 9,77% no primeiro mês de isolamento (março de 2020).
Durante as entrevistas, os cientistas constataram que 74,9% dos pais afirmaram que o tempo de uso de equipamentos eletrônicos pelos jovens cresceu exponencialmente. Observou-se, ainda, um aumento de atividades sedentárias realizadas durante o isolamento social, como assistir à televisão e jogar videogames. Os cientistas constataram que um fator que contribuiu para essa mudança comportamental foi o tipo de moradia dos entrevistados, já que a maioria das crianças (56%) residia em apartamentos.