Um novo dispositivo eletrônico fez com que um grupo de pessoas com esclerose lateral amiotrófica (ELA) que perderam a capacidade de locomoção e fala conseguisse se comunicar por texto e realizar tarefas cotidianas, como fazer compras on-line. A interface cérebro-computador (ICC) desenvolvida por cientistas da Austrália capta os sinais neurais dos usuários por meio de um dispositivo eletrônico implantado no pescoço, em um processo considerado menos invasivo do que o de tecnologias semelhantes. Na semana passada, por exemplo, cientistas da Suíça anunciaram que um paciente com a mesma doença voltou a se comunicar depois da implantação de chips no cérebro.
A ELA é uma doença neurodegenerativa que afeta as células nervosas do cérebro e da medula espinhal, fazendo com que os pacientes percam, aos poucos, o controle muscular, com o risco de uma paralisia total. "As pessoas acabam perdendo a capacidade de mover os membros, o que as impede de operar dispositivos como um telefone ou um computador", ilustra, em comunicado, Bruce Campbell, pesquisador da Universidade de Melbourne e um dos autores do estudo, que será apresentado, no próximo mês, durante a 74º Reunião da Academia Americana de Neurologia, nos Estados Unidos.
Campbell e colegas selecionaram quatro pacientes com ELA e os submeteram a um procedimento para implantar o dispositivo em uma das duas veias jugulares presentes no pescoço, que mantém ligação contínua com o cérebro. O aparelho, que parece um microchip, tem 16 sensores acoplados e está conectado a um dispositivo eletrônico que retransmite os sinais cerebrais do córtex motor — a parte do cérebro que gera sinais de movimento — para um laptop. "Nossa pesquisa é empolgante porque, enquanto outros dispositivos exigem cirurgia que envolve a abertura do crânio, a nossa interface cérebro-computador é muito menos invasiva", compara o cientista.
Rastreamento ocular
Na segunda parte do projeto os voluntários aprenderam a usar um dispositivo com rastreamento ocular para enviar os comandos a um sistema digital. Os pesquisadores monitoraram os participantes por um ano e descobriram que o dispositivo era seguro — não houve eventos adversos graves. A equipe também examinou se os participantes poderiam usar a ICC para realizar tarefas digitais de rotina, como fazer serviços bancários pela internet. Todos os pacientes obtiveram sucesso ao desempenhar atividades do tipo.
Além disso, um decodificador desenvolvido durante o trabalho permitiu que um dos participantes controlasse um computador de forma independente, sem o rastreador ocular, apenas com os sinais cerebrais captados pela tecnologia. Dessa forma, quando um dos cientistas pedia que o voluntário tentasse fazer atividades como bater o pé ou estender o joelho, o decodificador analisava os sinais das células nervosas criados por essas tentativas de movimento e traduzia os sinais de movimento em comandos de navegação pelo computador.
"Nossa pesquisa ainda é nova, mas é uma grande promessa para pessoas com paralisia que desejam manter um nível de independência", enfatiza Campbell. O cientista admite que o número reduzido de voluntários é uma das limitações do estudo, que deverá ser superada em breve. "Vamos continuar com essa pesquisa na Austrália e nos Estados Unidos, em grupos maiores de pessoas", adianta.