O consumo de determinados alimentos pode ajudar a blindar o corpo do diabetes tipo 2, revelam estudos científicos recentes. Pesquisadores observaram efeitos protetores associados ao consumo de vinho e iogurte e que mudanças na microbiota intestinal — bactérias presentes no órgão cuja composição é alterada pela dieta — podem indicar precocemente o problema.
Para especialistas, esses resultados devem ser usados no desenvolvimento de estratégias de prevenção e de melhores tratamentos contra uma das enfermidades com maior incidência na população mundial.
"Uma estratégia viável é identificar os primeiros sinais do diabetes tipo 2 para tomar medidas preventivas, como modificar o estilo de vida", afirma, em comunicado, Matti Ruuskanen, pesquisador da Universidade de Turku, na Finlândia. Com esse objetivo, Ruuskanen e colegas resolveram estudar se esses sinais precoces poderiam vir da microbiota humana. A equipe avaliou os registros de saúde de mais de 5 mil pessoas e analisou, periodicamente, amostras fecais dos participantes durante quase 16 anos.
Assim, identificaram seis grupos bacterianos, todos pertencentes à família Lachnospiraceae, associados a um risco maior de desenvolvimento da doença. Os grupos bacterianos haviam sido ligados a diabetes em investigações de outras enfermidades metabólicas, como a doença hepática.
Para o grupo finlandês, as informações de agora podem ajudar a identificar o desenvolvimento da doença logo em seus primeiros sinais, permitindo, assim, uma mudança comportamental como estratégia preventiva.
"Trabalhos anteriores identificaram vários fatores de risco para o diabetes tipo 2, como genética, estilo de vida e fatores ambientais. Além disso, mudanças na composição do microbioma intestinal foram associadas a essa enfermidade. Mas esses trabalhos relataram apenas diferenças entre voluntários saudáveis e aqueles já diagnosticados com a doença. Pela primeira vez, temos alterações que podem predizer a enfermidade", explica Ruuskanen.
Simone Leite, endocrinologista do Hospital Santa Marta, em Brasília, conta que a análise da microbiota tem sido um segmento de pesquisa importante para entender várias patologias, com um aumento expressivo de projetos nessa área nos últimos anos. "Além do diabetes, sabemos da relação das bactérias intestinais com a obesidade. Estudos já mostraram que um indivíduo magro tem uma microbiota diferente da de um obeso", ilustra.
A médica concorda com a possibilidade de os dados obtidos pela equipe finlandesa abrirem as portas para novas terapias. "Já fazemos o implante de conteúdo fecal, que é extraído de um grupo populacional saudável para outro que tem predisposição a doenças metabólicas a fim de reverter esse quadro. Possivelmente, teremos um cenário diferente no futuro. Acredito que vamos conseguir determinar se a microbiota de um indivíduo apresenta riscos maiores de determinadas doenças, como o diabetes, por meio de sua etnia. Isso vai ser uma análise mais de grupo, não individual, já que essa avaliação personalizada é algo muito trabalhoso, explorada mais em análises científicas mesmo", opina.
Metabólitos
Uma equipe do Canadá decidiu apostar em uma suspeita médica mais antiga para também evitar a doença metabólica. "Profissionais da área sabem, há alguns anos, que comer iogurte está associado a um risco reduzido de diabetes, mas as razões por trás desse efeito de defesa não são bem claras", escreveram os autores do estudo, divulgado na Nature communications.
Em busca de respostas, a equipe alimentou um grupo de ratos com uma dieta rica em açúcares e gorduras e, para metade dos animais, também forneceu duas pequenas porções diárias de iogurte. Após 10 semanas, constatou-se que os roedores que ingeriram o alimento lácteo apresentaram melhor controle de açúcar no sangue, resistência à insulina e função hepática.
Na segunda parte do estudo, os cientistas analisaram todos os metabólitos presentes no fígado das cobaias e encontraram uma quantidade maior de hidroxiácidos de cadeia ramificada (BCHA) naquelas que comeram iogurte regularmente.
"No grupo que não recebeu esse alimento, a quantidade desses metabólitos na corrente sanguínea e no fígado diminuiu com o ganho de peso. No grupo que consumiu, a quantidade foi parcialmente mantida", relata, em comunicado, André Marette, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Laval e um dos autores do estudo.
Também coautora, Hana Koutnikova explica que os BCHA são encontrados em produtos lácteos fermentados e são particularmente abundantes em iogurte. "Nosso corpo os produz naturalmente, mas o ganho de peso parece afetar o processo", diz. A aposta do grupo é de que esse metabólito tenha alguma ligação com o efeito protetivo ao diabetes.
Agostinho Moreira, médico especialista em longevidade saudável da clínica Viva Mais, em Brasília, considera os dados da pesquisa interessantes e pondera que devem ser levados em conta outros dados antes de considerar o iogurte um alimento que protege o organismo contra a doença metabólica.
"Essa melhora no metabolismo estaria associada ao consumo diário do iogurte devido ao perfil nutricional rico desse alimento. Mas cabe lembrar que grande parte dos iogurtes encontrados em supermercados não tem bactérias diversificadas, e, sim, compostos repletos de produtos químicos para melhora de textura, sabor e conservação", justifica.