Doença Rara

Doença de Tay-Sachs: o capixaba que viralizou no TikTok mostrando como é viver com condição rara

Depois de quase quatro anos de investigação, os médicos perceberam uma deficiência na enzima hexosaminidase, responsável pelo metabolismo das gorduras

Quando tinha 12 anos, o capixaba Matheus Emerich, hoje com 23, começou a sentir tremores nas mãos e a caminhar de forma diferente.

Com o tempo, seu andar foi ficando desorientado e seus familiares passaram a estranhar a diferença nos movimentos.

A busca por um diagnóstico começou com um cardiologista, que a princípio informou que era somente um tremor excessivo. Mesmo tomando as medicações receitadas pelo médico, os sintomas não passavam.

Morador da cidade de Pantas, no interior do Espírito Santo, ele precisou ir até a capital Vitória para realizar novos exames e obter um diagnóstico mais preciso. "Fomos a um neurologista que também não disse o que eu tinha", conta à BBC News Brasil.

Depois de quase quatro anos de investigação, os médicos perceberam uma deficiência na enzima hexosaminidase, responsável pelo metabolismo das gorduras.

Emerich tinha em torno de 11%, quando os níveis normais são acima de 58%.

Depois de realizar um exame molecular específico, recebeu o diagnóstico da doença de Tay-Sachs, uma condição rara, principalmente em adultos jovens.

Progressão da doença

Como os primeiros sintomas surgiram ainda na infância, Emerich conseguia fazer atividades do dia a dia sem a ajuda de terceiros. Mas com o passar dos anos, precisou usar muletas para dar equilíbrio e sustentação ao corpo.

Correr, caminhar e andar não eram tarefas tão simples e sua locomoção começou a ser afetada diariamente. Quando terminou o Ensino Médio, ainda conseguia pegar ônibus sozinho e iniciou a faculdade de engenharia. Para chegar até o local, realizava uma viagem de quase duas horas.

Porém, no final da graduação, precisava de suporte de amigos para entrar, sentar dentro do veículo e voltar para casa. "As principais dificuldades são motoras. Não consigo andar sozinho, caminhar e tenho falta de equilíbrio. Não consigo subir degraus, por exemplo", diz.

Mesmo diante do avanço da doença, Emerich conseguiu se formar em Engenharia Civil, mas não pôde exercer a profissão por causa das dificuldades de locomoção. "Cheguei a sofrer muitas quedas. Elas eram frequentes. Tinha um sonho de construir uma carreira, mas tenho esse empecilho", lamenta.

Morando com a mãe, o capixaba diz que precisou adaptar toda sua casa para evitar acidentes e conseguir ter mais qualidade de vida. Hoje, conta que não pode morar sozinho.

Emerich também sofre com a limitação no âmbito social, que impacta sua qualidade de vida de forma frequente. "Não consigo sair e fico sentido. Com certeza tem momentos que a gente fica bastante triste. Tem que focar em ficar vivo e aproveitar cada minuto", diz.

Uma das suas maiores queixas é não conseguir dirigir. Embora tenha tirado a carteira de habilitação, os tremores não permitem mais que ele dirija sozinho. "Não conseguia mais apertar os pedais."

Esperança com experimento

Como a doença é rara, os estudos científicos nacionais e internacionais sobre o tema são escassos. Segundo os especialistas, estima-se que a condição atinja 1 a cada 320 mil pessoas no mundo.

E como ainda não existe cura, Emerich participa de um estudo feito por um Centro de Pesquisa do Hospital das Clínicas do Rio Grande do Sul, para tentar identificar tratamentos futuros.

Para participar do trabalho científico, ele precisa frequentar o local a cada três meses e realizar exames periódicos. O intuito é descobrir um remédio para estabilizar a produção da enzima hexosaminidase. Dessa forma, poderia haver uma cura para a doença.

Com duração de dois anos e três meses, ele diz estar com esperança nos resultados. "É experimental e não é certo que o medicamento vai funcionar. Mas pode ser o tratamento para a doença", afirma. A pesquisa termina ainda neste ano.

Em paralelo, Matheus realiza exercícios de alongamento em casa e também pretende fazer pilates e natação.

Motivação nas redes sociais

Para tentar se distrair um pouco e ainda levar informação às pessoas, o capixaba criou uma conta no aplicativo Tik Tok. No perfil, ele mostra um pouco do seu dia a dia e explica o que é a doença de Tay-Sachs.

Em um dos seus vídeos, que já conta com mais de 200 mil visualizações, Emerich mostra como é lidar com os sintomas e os desafios decorrentes deles. "Sigo fazendo vídeos e motivando as pessoas", diz.

Em poucos meses, seu perfil conta com 23 mil seguidores.

Ele vê a produção de conteúdo como um hobby que, no futuro, pode se tornar uma profissão e gerar renda. "Não consegui seguir o caminho que sonhei e tento fazer o máximo de atividades para me distrair", destaca.

Daqui a alguns anos, ele espera conseguir que uma cura seja descoberta e deseja exercer a profissão para a qual estudou.

Matheus Emerich/Arquivo pessoal
Quando tinha 12 anos, Matheus Emeric, hoje com 23, começou a sentir tremores nas mãos e a caminhar de forma diferente, até perder movimentos

Doença de Tay-Sachs: o que é

A condição é causada por uma alteração dentro de um gene situado no cromossomo 15. Este é responsável por produzir uma enzima chamada hexosaminidase, que age no metabolismo de gorduras.

Para que a doença ocorra, os pais precisam ter uma cópia normal e alterada do gene e, dessa forma, transmitir para o bebê.

Assim como Emerich, que tinha apenas 11% dessa enzima no organismo, quando há menos de 50% dela, a doença se manifesta no indivíduo.

"Se a pessoa não tem o erro no gene, não forma a enzima ou desenvolve pouco. Assim, não consegue quebrar essa gordura, provocando o acúmulo no corpo, principalmente no cérebro e nos nervos", explica Salmo Raskin, geneticista e especialista em Genética Médica pela Universidade de Vanderbilt, nos Estados Unidos.

Matheus Emerich/Arquivo pessoal
Matheus tem doença de Tay-Sachs, que é causada por alteração dentro de gene situado no cromossomo 15

Sintomas

Existem três formas dessa doença e ela pode se desenvolver em diversas fases da vida. Confira abaixo:

Clássica

É a forma mais comum da Tay-Sachs. "A criança nasce sem problemas, não tem má formação, mas a partir dos três aos seis meses de idade, já começa a perder o desenvolvimento motor", diz Raskin, que também é professor da Escola de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR).

No geral, bebês com três meses já conseguem sustentar o pescoço e, aos seis, já se sentam sozinhos. Quando a doença se manifesta, eles perdem a capacidade de fazer isso.

Há também perda de atenção visual e a retina dos olhos começam a ficar com cor de cereja. Em torno de um ano de idade, a criança começa a ter convulsões e o quadro clínico só piora.

"O prognóstico é bem reservado e degenerativo, onde vai havendo piora na deglutição. São crianças que acabam indo ao óbito. O impacto na vida é fulminante", diz Heraldo Laroca, neurologista do Hospital INC (Instituto de Neurologia de Curitiba).

Matheus Emerich/Arquivo pessoal
Matheus Emerich formou-se em Engenharia e espera, um dia, poder exercer profissão

Juvenil

Os sintomas começam a aparecer a partir dos dois ou cinco anos de idade. Há mudanças no caminhar e as pernas começam a ficar um pouco duras, além da perda de habilidade e problemas na fala.

Em casos mais extremos, a criança pode não conseguir mais falar. "A doença evolui para o cérebro e provoca uma atrofia. Essa é forma juvenil ou aguda", explica Raskin.

Tardia

Como o nome já diz, a doença começa se manifestar em adolescentes ou adultos. Provoca fraqueza muscular nas pernas, quedas, há problemas nas falas, tremor e falta de coordenação.

O diagnóstico também é difícil e pode levar anos, mas há mais chances de sobrevivência do que na fase juvenil e clássica. No entanto, episódios de psicoses, desequilíbrios constantes e tremores podem ocorrer.

Tratamento

Ainda não existe um tratamento definitivo para a doença de Tay-Sachys, diz Laroca. Segundo o especialista, existem maneiras de amenizar a progressão da patologia e dar mais qualidade de vida ao paciente.

Anticonvulsivos, fisioterapia para melhorar a movimentação, fonoaudiologia e terapia ocupacional são algumas delas.

Há ainda uma alternativa, aguardada por médicos e pacientes, chamada terapia gênica. Nela, ocorre a introdução de cópias normais do gene HEXA nas células, repondo a falta de proteína, que é a raiz da condição.


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